Após 16 horas de debates e com placar apertado de 38 votos a 31, senadores rejeitam projeto de lei que tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados em junho deste ano
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Com 38 votos contra, 31 a favor, duas abstenções e uma ausência foi rejeitado o projeto de lei da interrupção voluntária da gravidez na Argentina. Foram mais de 16 horas de debates e mesmo com toda a mobilização popular, os movimentos sociais e, em especial, o movimento feminista não conseguiram reverter a tendência anti-aborto crescente nos últimos dias no Senado. O projeto de lei que prevê o aborto legal até a 14ª semana de gestação no país tinha sido aprovado também com placar apertado na Câmara dos Deputados.
Com a rejeição da maioria dos senadores, o projeto de lei fica sob suspensão até março do ano que vem*. Só depois desse período, pode voltar à pauta. Nas ruas de Buenos Aires, duas cores indicavam lados opostos desde as primeiras horas da manhã desta quarta-feira: os “verdes” se manifestavam a favor da legalização do aborto e os “azuis” eram contrários. A chamada “Onda Verde” era numericamente maior, mas a tendência anti-aborto do Senado acabou vencendo. Entre os azuis, muita alusão à religião e a lembrança do 5º mandamento em um dos cartazes: “Não matarás”. Não há, até o momento, os números oficiais de manifestantes nas ruas, mas estima-se que chegou próximo dos 2 milhões.
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Entre os senadores que votaram contra, a justificativa corrente foi a questão do direito à vida desde a concepção. “Não importa a terminologia: embrião, feto ou criança por nascer. É um ser humano cuja existência começou no momento da concepção”, argumentou a senadora Ada Itúrrez de Capellini, uma das que votou contra o projeto.
“Não podemos desrespeitar o direito básico à vida desde a concepção, que está em nossa constituição. Quem somos nós para decidir que uma vida é mais importante que a outra?”, disse a senadora Miriam Boyadjian, antes de declarar voto contrário.
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Um dos momentos de grande tensão entre os senadores se deu quando Beatriz Mirkin chamou a justificativa de direito à vida, usada por muita gente contrária ao aborto, de hipócrita, provocando a reação de senadores que declararam voto contrário ao projeto, como Roberto Basualdo.
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A ex-presidente da Argentina, Cristina Kirchner, foi uma das últimas a falar e aprovou o projeto usando justamente a justificativa antiabortista de defesa da vida. “Eu sempre defendi a vida. Defendo a vida toda vez que voto contra medidas econômicas que fazem a vida das pessoas pior. Rejeitando a lei, não estamos propondo uma solução a um problema que se passa na Argentina. Estamos baixando a cortina. Temos que propor uma alternativa”, afirmou.
Na Argentina, anualmente, estima-se que entre 460 mil e 600 mil mulheres recorrem ao aborto clandestino. Dessas, aproximadamente 50 mil acabam se hospitalizando em decorrência de complicações e cerca de 100 morrem. Os dados oficiais constam na Campanha Nacional pelo Aborto Legal que embasou também parte do projeto.
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O senador Fernando Solanas criticou os colegas pelo conservadorismo em questões que envolvem aspectos morais. “As mesmas forças que hoje rejeitam o aborto foram as que rejeitaram o casamento igualitário, o divórcio”, declarou.
“Não sejamos conservadores! Nós também, assim como vocês que são contrários ao projeto, também estamos defendendo a vida. A questão é que não podemos mais permitir que mulheres morram por abortos clandestinos”, afirmou Nancy Gonzalez, senadora pela província de Chubut, em discurso contundente antes de votar “sim” pelo projeto.
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“A morte por aborto clandestino é um feminicídio por omissão do Estado”, pontuou a senadora Maria de los Angeles Sacnun, senadora por Santa Fé. A fala da parlamentar é idêntica à declaração da ativista e uma das fundadoras do movimento feminista Ni Una Menos, Marta Dillon, ouvida pela Ponte na semana passada.
“Ficar discutindo se é contra a favor, verde ou azul, só contribui para que abortos clandestinos continuem acontecendo. Sou uma mulher que foi colocada aqui, nesse lugar, para defender e representar o direito das mulheres. E assim vou fazer”, disse, em discurso inflamado, a senadora Beatriz Mirkin, antes de votar pela legalização do aborto.
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Duas figuras políticas brasileiras acompanhavam a votação na Argentina e falaram à Ponte. Apesar do resultado contrário ao que ela queria, a vereadora Sâmia Bonfim destacou a expressiva votação a favor do projeto. “Quando a consciência avança, ela não retrocede”, afirmou. Para a líder indígena e atual vice na chapa de Guilherme Boulos (Psol) à presidência, Sonia Guajajara lamentou que uma decisão desse tipo fique, muitas vezes, restrita a um pequeno número de pessoas, muitas vezes representativa apenas para uma parcela da população. “Não é possível que 72 senadores sejam mais fortes do que 2 milhões de mulheres na rua”, criticou.
Ao final da votação, os manifestantes “celestes” – contrários ao aborto legal e que usavam azul – comemoraram e os de verde ficaram revoltados. Uma confusão tomou conta do centro de Buenos Aires e pelo menos uma pessoa do grupo pró-aborto foi detida. A polícia chegou a tentar conter o tumulto usando spray de pimenta.
Errata – reportagem atualizada às 17h12 do dia 9/8: ao contrário do que havia sido informado, a discussão do projeto pode acontecer a partir de março do ano que vem e não daqui dois anos.