Artigo | Visibilidade lésbica para quê?

    Data definida em 1996 serve para marcar a luta e lembrar que ninguém – além de nós mesmas – deve ter direito sobre nossos corpos e afetos

    Em junho deste ano, São Paulo recebeu a Marcha da Visibilidade Lésbica uma iniciativa paralela à Parada do Orgulho LGBT | Foto: Paula Rodrigues/Ponte Jornalismo

    Hoje, 29 de agosto, celebra-se o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica. A data foi definida em 1996, após a realização do 1º Seminário Nacional de Lésbicas (SENALE). Mas você pode perguntar: “É necessário mesmo um dia de visibilidade para as lésbicas?”.

    A data passou a adquirir cada vez mais importância no cenário de luta e resistência histórica, na medida em que a própria militância foi crescendo e, felizmente, aparecendo cada vez mais. Mas ainda há muito o que avançar. Mulheres lésbicas sofrem inúmeras violações diariamente. Ter um dia de visibilidade é reconhecer a existência e possibilidade de avançar na discussão das pautas lésbicas. “Ao nos reafirmamos, resistimos e fortalecemos, também, a vivência de outras em situações similares às nossas. Dar voz a uma lésbica permite que nossas demandas sejam ouvidas como reais, em meio à luta por mais direitos”, declara Bruna Svetlic, mulher cis lésbica, militante e graduada em Direito.

    Já para a atriz Daniela Funez, mulher translésbica, se tornar visível e ser ouvida pela sociedade é o primeiro passo para a conquista de outros direitos e avanços, pois qualquer outra exigência acaba ignorada quando nem sequer reconhecem a sua existência nos espaços. “A visibilidade é essencial neste mundo em que as mulheres lésbicas e bissexuais têm suas sexualidades desprezadas, tratadas como desejos temporários, ou causados por experiências negativas. Não nos reconhecem pelo que somos, pois não conseguem admitir uma sexualidade que não tenha relação com a figura masculina”, afirma Daniela, que está em cartaz justamente com peças que discutem a questão de gênero: “Transex” e “Cabaret Trans Peripatético”, ambas no Teatro Satyros, localizado na Praça Roosevelt, no centro de São Paulo.

    O mundo vê os corpos das mulheres como disponíveis aos prazeres e outras necessidades dos homens. Nesse contexto, lésbicas e bissexuais se tornam objetos de fetiches – e até mesmo de ódio -, e não indivíduos que amam e se relacionam – e podem fazer isso muito bem, obrigada, sem a presença de um homem.

    Embora a intensidade da violência possa mudar a depender da cor da sua pele e da classe social, no fim das contas, a semente do preconceito vai atingir a mulher lésbica branca, negra, cis, translésbica, de classe média ou da periferia. Muito vão te chamar de “sapatona”, “caminhoneira”, “isso é falta de conhecer um homem de verdade”. Outros tantos vão querer ter direito sobre o seu corpo e sua sexualidade. Mas eles não têm esse direito, ninguém têm. Ninguém, além de você.

    Lesbofobia é o nome dado ao preconceito contra as mulheres lésbicas. Lutar contra a lesbofobia, é lutar contra a invisibilidade. É resistir. Pelo direito de desejar e amar outra mulher, sem ninguém, exatamente ninguém, achar que pode estabelecer direitos e padrões sobre os corpos e afetos.

    Um dos lamentáveis crimes cometidos contra a mulher lésbica é o estupro corretivo, que tem peculiaridades que o diferenciam do estupro praticados contra mulheres presumidamente heterossexuais. A suposta motivação dessa ação é a de “corrigir a orientação sexual da mulher”. Mas, como tantos outros crimes cometidos contra a população LGBTI, não existem dados específicos sobre números de vítimas.

    “Mais do que enfrentar uma existência dentro da sociedade conservadora e que dá risada, trata como piada, torce o nariz e agride quem não se encaixa no seu padrão de pessoas estereotipadas ou de relacionamentos ideais, a luta também é contra o machismo constante, presente até mesmo nos grupos que deveriam servir como apoio, incluindo até mesmo os LGBTI. É uma batalha diária para encontrar um espaço e ainda ter voz, pois de nada adianta estar presente em um lugar sem receber nenhum reconhecimento”, relata a atriz translésbica Daniela, que reforça a importância da empatia entre as mulheres lésbicas, de se enxergarem umas nas outras e verem que não estão sozinhas.

    “Somos um grupo que exige respeito, reconhecimento e espaço, o que segue sendo negado e reprimido. É um grito para servir como uma porrada na lista de regrinhas da sociedade que ergueram para nos deixar à margem, propositalmente em um mundo paralelo”.

    Por tudo isso é que o dia de hoje existe para que não tenhamos nenhuma mulher a menos. O dia de hoje existe para reforçar que não pode haver espaço para o preconceito. Preconceito fruto de falta de conhecimento e de respeito. E é para isso que essas mulheres querem ser visíveis: para serem respeitadas em suas individualidades e para terem seus direitos garantidos.

    *Flávia Silva é Jornalista, trabalhou na Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e atualmente trabalha na comunicação do Centro de Cidadania LGBTI Laura Vermont

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