Após rebelião, internas da Fundação Casa são transferidas para presídio de adultos

    Especialista afirma que mandar internas maiores de 18 anos para prisão não é ilegal, mas é imoral: ‘mostra a falência do sistema socioeducativo’; relatos de maus-tratos chegaram de forma anônima

    Entrada de uma das unidades da Fundação Casa de São Paulo | Foto: Marcos Santos/USP imagens

    Um princípio de motim no último sábado (22/9) acabou em violência generalizada na unidade feminina da Fundação Casa Parada de Taipas, no extremo norte de São Paulo, segundo relatos de familiares e de funcionários ouvidos pela Ponte. O grupo de internas agredidas por funcionários do Grupo de Apoio — conhecido como “choquinho”, por atuar de forma semelhante às Tropas de Choque — era formado por 19 meninas, segundo as denúncias. Sete delas têm mais de 18 anos e foram autuadas por dano qualificado, resistência e desacato, segundo nota da SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo).

    “As meninas, de fato, entraram em conflito com funcionários, mas quando o ‘choquinho’ entrou, elas apanharam muito”, conta uma funcionária. As adolescentes que participaram do tumulto e ainda permaneceram na unidade estão na chamada “tranca”: solitárias e sem acesso ao ambiente externo das celas. Como alguns colchões foram queimados e alguns objetos danificados, as meninas estão dormindo no chão e todas as atividades estão suspensas na unidade.

    As sete jovens que foram autuadas após o tumulto ter sido controlado passaram por audiência de custódia na segunda-feira (24/9), tiveram a prisão em flagrante convertida em preventiva e foram levadas para um CDP (Centro de Detenção Provisória), que abriga presos adultos. A SSP não informou qual.

    Para o advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Infância e Juventude do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), a atitude de levar para uma prisão de adultos jovens que estão em medida socioeducativa, embora não seja ilegal, é imoral e mostra a falência da instituição. “Uma instituição, que gasta R$ 10 mil por mês com cada interno e acaba sendo um passaporte para indústria prisional ao invés das jovens saírem recuperadas e reeducadas pelas portas da frente das unidades, saem pelas portas dos fundos, indo para sistema penitenciário”, analisa.

    Ariel e outras fontes ouvidas pela Ponte confirmam que a prática é bastante corriqueira em casos de motim. “Acho péssimo que a Fundação casa se torne um passaporte para o sistema prisional. Até os 21 anos é a exceção prevista no ECA [Estatuto da Criança e do Adolescente] para cumprimento de medida socioeducativa para adolescentes que cometeram atos infracionais antes dos 18 anos. Elas [as meninas que foram presas no CDP] deveriam receber as mesmas punições disciplinares das demais adolescentes e não serem presas. Criminalizar essas jovens é um artifício usada pela Fundação para abrir vagas”, afirma Ariel de Castro Alves.

    Histórico de violência

    Um funcionário de Taipas, que não quer se identificar, afirmou à Ponte que unidade “é bem complicada e tem um histórico de violência, de denúncias que não dão em nada”. Em novembro de 2016, a Ponte denunciou espancamento das internas por parte dos agentes socioeducativos.

    Na ocasião, a mãe de uma das adolescentes vítimas das agressões, Janete Arruda Ferreira, conta que a filha relatou que estava sendo maltratada. “Ela contou que entraram dentro da cela no final da madrugada, batendo nas grades com barra de ferro, mandando levantar, puxaram pelos cabelos as meninas, uma das meninas caiu, quebrou o dedo. Muitas levaram chutes e até tapa na cara”, contou no vídeo feito à época.

    A Corregedoria da Fundação Casa apurou o caso e alguns dias depois concluiu que “não houve agressão” contras as meninas internas na unidade Parada de Taipas. “Se as meninas falassem sempre a verdade, não deveriam nem estar aqui”, chegou a declarar na época, em entrevista à Ponte, o corregedor Jadir Pires de Borba.

    Outro lado

    A Corregedoria Geral da Fundação Casa informou, nesta terça-feira (25/9), que abriu sindicância para apurar o tumulto ocorrido no último sábado (22/9), por volta das 18h, na unidade Parada de Taipas. Em nota, a instituição informa que 19 jovens se envolveram na confusão, que durou uma hora, e “os próprios funcionários do centro interviram, com auxílio de parte do Grupo de Apoio da Fundação Casa, e controlaram a situação. Já as sete jovens com mais de 18 anos foram autuadas em flagrante pelo delegado de plantão, respondendo criminalmente por dano qualificado ao patrimônio público, resistência e desacato”, diz a nota.

    “O Judiciário e os familiares foram informados sobre o ocorrido. As 12 adolescentes com menos de 18 anos, que ficaram no Casa Parada de Taipas, passarão pela Comissão de Avaliação Disciplinar (CAD), que avaliará as sanções a serem aplicadas. O CASA Feminino Parada de Taipas, no dia da ocorrência, estava com 49 adolescentes em internação. A capacidade local é para 50 jovens”, conclui a nota.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude

    mais lidas