Movimento de repúdio ao candidato e de afirmação da democracia mobilizou centenas de milhares, em todos os estados do Brasil e também no exterior
O que começou como um grupo de Facebook, formado por mulheres incomodadas com as declarações de Jair Bolsonaro, o candidato do PSL que já disse que mulheres devem ganhar menos do que homens, que algumas nem merecem ser estupradas e que ter uma filha é “dar uma fraquejada” – saiu das redes sociais para as ruas neste sábado (29/9). E mostrou que o movimento #EleNão tem força.
Nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, estados onde o candidato lidera com folga nas pesquisas eleitorais, com mais de um terço das intenções de voto, os protestos reuniram mais de 100 mil pessoas em cada uma.
“Está melhor do que eu esperava”, disse a aposentada Lígia Maria Prado, 68 anos, animada ao ver a multidão que encheu o Largo da Batata, na zona oeste da cidade de São Paulo, onde a manifestação se concentrou. “Eu estou aqui porque sou negra e pobre e ele é contra tudo. É contra LGBT, negro, índio, contra todos os direitos das pessoas.”
As Polícias Militares não divulgaram estimativa sobre o número de participantes dos eventos. Em São Paulo, os organizadores calcularam 150 mil pessoas. No Rio, onde os manifestantes se concentraram na Cinelândia, o número parecer ter sido semelhante.
As manifestações contrárias a Bolsonaro ocorreram simultaneamente em todos os estados do Brasil e também no Distrito Federal. No total, os atos se deram em 114 cidades brasileiras, segundo levantamento do G1. O site também registrou a organização de atos pró-Bolsonaro, mas com alcance bem menor, de 40 cidades em 16 estados.
Os gritos de #EleNão ultrapassaram as fronteiras, com pequenos protestos organizados em cidades estrangeiras, de capitais a cidadezinhas. Teve gente repudiando Bolsonaro em locais como Buenos Aires, na Argentina, Londres, na Inglaterra (onde contou com a participação da ativista Mônica Tereza Benício, viúva da vereadora Marielle Franco), Covilhã, em Portugal, Genebra, na Suíça, Berlim, na Alemanha, Atlanta, nos EUA, Malmö, na Suécia, entre outros.
As mulheres eram a grande maioria, cerca de 70% dos presentes. E algumas rompiam com os estereótipos, representando segmentos sociais que costumam ser associados ao nome do candidato do PSL. A vendedora Patrícia Carneiro, 21 anos, reuniu um grupo de mulheres evangélicas no Largo da Batata, todas anti-Bolsonaro, justamente para demonstrar que sua religião não a obrigava a apoiar um candidato como ele. “Estamos na rua para que as pessoas não achem que a nossa fé tenha alguma coisa a ver com tortura, perseguição, mentira. Preconceito e mentira não combinam com a gente”, justificou. “A nossa fé não tem nada a ver com racismo, homofobia e misoginia, que é o que ele prega.”
No Rio, Janaína Mattos, 33 anos, também destoava dos padrões. Mulher, negra e inspetora da Polícia Civil carioca, membro do grupo Policiais Antifascismo, Janaína não concorda com o apoio que muitos de seus colegas das forças de segurança costumam demonstrar em relação ao candidato, que, entre suas bandeiras, defende a garantia de impunidade para policiais que cometam crimes no exercício de suas funções. “Bolsonaro representa uma politica de segurança pública que não resolve nada e que só mata a juventude periférica e os próprios policiais”, afirmou a inspetora.
Pela democracia
No início da noite, em São Paulo, os manifestantes saíram do Largo da Batata. Seguiram pela Avenida Rebouças e chegaram à Avenida Paulista, encerrando o ato diante do Masp (Museu de Arte de São Paulo). O movimento foi pacífico e sem incidentes. Muitas das que participaram do protesto diziam que, além de repudiar o candidato Bolsonaro, foram ao protesto também pelo direito de continuarem a protestar, um direito que acreditam estar ameaçado por um eventual governo Bolsonaro.
Já que tanto Bolsonaro como seu vice, Hamilton Mourão, já defenderam a possibilidade de um golpe militar, e um dia antes do protesto o próprio Jair havia declarado que não aceitaria uma possível derrota nas urnas, muitas acreditam que gritar #EleNão é dizer um não também para o risco de uma nova ditadura.
“Deixou de ser uma questão eleitoral, de escolher o seu candidato, é uma defesa da democracia antes de mais nada. Da democracia, dos direitos humanos, do LGBT, do respeito às diferenças, da valorização da cultura, tudo o que ele é contra”, resumiu o músico Arnaldo Antunes.
Seu antigo colega da banda Titãs, Paulo Miklos, foi na mesma linha. “Fascismo a gente não discute, a gente combate, e estou aqui para combater o fascismo”, declarou. “Tem um candidato que está trazendo de volta tudo o que tem de mais retrógrado, de mais terrível na história, e a gente tem que combater isso.”
A museóloga Maria Inês Franco, 64 anos, foi até o protesto para lutar pela democracia que ela viu nascer. Durante a ditadura militar, conta, testemunhou sua “professora mais amada” do ensino médio “desaparecer do dia para a noite”. Ela participou da luta pela redemocratização nos anos 80, marchando pelas Diretas-Já, e defende que o momento atual é tão importante quanto aquele. “Eu sou de uma geração que viveu a ditadura e vejo que estamos num turning point [ponto de virada] muito complicado”, afirmou.
Acostumada a trabalhar com o passado, Maria Inês afirma que o Brasil precisa recuperar sua memória, pois anda se esquecendo com muita facilidade dos males da ditadura e das conquistas trazidas pela democracia. “O Brasil nos últimos 30 anos teve conquistas incríveis na área social, cultural, nos direitos humanos. Não podemos retroceder agora”, disse.
O medo de uma nova ditadura é muito real para a fotógrafa Nair Benedicto, 78 anos, que foi presa durante o regime militar. “Eu digo que é muito importante participar desse movimento porque já vi esse filme. Esses argumentos que andam usando, esse medo do comunismo, isso de ‘contra a corrupção’, é tudo balela, tem que acabar, chega”, desabafou.
“Ele é totalmente contra as mulheres, não tem um programa de governo para a população, nem para a educação, nem para a saúde, ele vem propagando o ódio”, afirmou a professora Thamires Alves de Almeida Santos, 26 anos. “Eu, como mulher negra, periférica, lésbica, não dá para aceitar Bolsonaro no governo.”
O movimento não se pretendia apartidário. Havia muitas bandeiras do PT, do Psol, do PDT e algumas da Rede. Entre boa parte dos participantes, contudo, a sensação era de que o repúdio ao fascismo era mais importante do que o apoio a um candidato específico. “A gente não pode ficar calada num momento como esse, principalmente, nós, mulheres. Ele infelizmente é uma ameaça aos direitos humanos, às mulheres, à sociedade”, explicou a editora de vídeo Mônica Morais, 25 anos. Foi a primeira manifestação de que participou e achou a experiência “incrível”.
Perguntada sobre seu candidato, Mônica ficou em silêncio por alguns segundos, até admitir que ainda não tinha um nome. E concluiu: “Estou em dúvida quanto a essa questão, mas uma coisa é certa: ele, não”.