Laudo mostra que Leandro Santana dos Santos foi atingido nas costas; imagens das câmeras de segurança do restaurante mostram que rapaz estava acuado quando foi morto
O laudo necroscópico do sushiman Leandro Santana dos Santos, de 26 anos, que foi morto durante uma ação da PM (Polícia Militar) em um restaurante no Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo, depois de ter, segundo testemunhas, um surto psicótico em seu trabalho no dia 21 de novembro, mostra que ele levou cinco tiros na região de trás de seu corpo. Além disso, imagens de câmeras de segurança do estabelecimento mostram que Leandro estava acuado e os policiais detinham o controle da ação no momento em que acabou morto após vários disparos.
Assinado pelo médico legista Marco Antonio Tarterella, o exame foi realizado no dia seguinte da morte e mostra que existiam cinco entradas de projéteis de arma de fogo no corpo de Leandro. Duas das balas entraram nas nádegas, uma perfurou a perna direita, uma entrou pela parte de trás do braço esquerdo e outra atingiu o centro das costas.
O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, definiu a ação como desastrosa. “Eu não só vi o laudo como vi as imagens internas da ocorrência. A vítima estava acuada, sem reféns, sem colocar em risco a integridade física dos policiais que estavam no local. Foi uma operação desastrosa, negligenciaram vários procedimentos padrões para esse tipo de ocorrência, usaram de maneira inadequada todos as possibilidades de armas não letais, não havia necessidade nenhuma de usar arma de fogo. Foi uma ocorrência totalmente equivocada”, afirmou o ouvidor.
Até então havia uma única versão sobre o que aconteceu com Leandro: a dos policiais, já que, após a liberação do refém que o sushiman estava ameaçando com uma faca, ficaram no local apenas ele e os agentes. De acordo com os PMs, Leandro não se acalmou mesmo após levar seis tiros de balas de borracha. Eles, então, teriam tentado fazer uso de arma de choque. Mas ela teria acertado o avental dele e não teria feito efeito. Ainda de acordo com depoimento dos policiais que participaram da ocorrência à Polícia Civil, Leandro atirou uma faca em direção a eles. Isso teria feito com que recorressem aos disparos de arma de fogo.
O vídeo mostra o momento em que o sushiman lança a faca na direção do grupo de 10 policiais. Contudo, a reação, de acordo com o ouvidor Benedito Mariano, foi desproporcional. “Foi equivocada. Demonstraram despreparo. Há procedimentos de resposta quando o suposto agressor está com arma branca, como foi o caso. Quando ele foi alvejado, ele estava acuado, próximo de um balcão”, explicou.
Mariano afirma que as imagens foram encaminhadas ao Ministério Público e à Corregedoria da PM para que o caso seja investigado. Ele acredita que com as imagens, o inquérito será concluído em semanas, porque elas evidenciam essas falhas da operação.
O ex-ouvidor das polícias de São Paulo, Julio César Fernandes Neves, pondera que sempre que uma arma letal é usada, existe a possibilidade de o resultado ser a morte da vítima. “A pessoa sabe que existe. Mesmo em legítima defesa de outros, poderia ter sido insistido no uso da bala de borracha ou na arma de choque”, afirmou o advogado dizendo que a arma letal só deve ser usada em último caso.
“Existia a possibilidade de evitar isso. Você assume o risco de matar, mesmo atirando sem querer executar. Não tem a ideia de execução. Tá bem flagrante aqui: os tiros foram em membros, na nádega, não foi em local para exatamente matar a pessoa”, afirmou Neves após analisar o laudo de Leandro.
De acordo com o cientista forense Sergio Hernandez, perito judicial credenciado pelo TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), tudo indica que a vítima estava se mexendo na hora em que recebeu os tiros – e o vídeo mostra exatamente isso. “Pela região nas quais a maioria dos tiros foram efetuados, a intenção não era matar. Não foram tiros efetuados em regiões que a gente considera mortais como cabeça e tórax”, afirma Hernandez. Contudo, um único disparo atingiu a região lombar de Leandro e, segundo o perito, esse tiro atingiu a artéria aorta lombar dele, o que pode ter sido definitivo para sua morte.
O investigador Alexandre Félix Campos, integrante do Movimento Policiais Antifascismo, afirma que os tiros tiveram entrada em regiões que descrevem a não intenção de matar, mas, ao ver o vídeo, ficou claro o uso inadequado e excessivo de força. “Haviam policiais com armas de menor poder letal e quantidade de agentes suficiente para conter o agressor/vítima, sem o uso de munição letal. Assumiu-se o risco de resultado morte, sem necessidade”, pontuou.
Antes da divulgação das imagens, ou seja, analisando somente o laudo, o coronel da reserva da PM de SP Adilson Paes de Souza ponderou que “os disparos não evidenciam serem característicos de execução”. Segundo ele, os tiros dados em execuções, geralmente, são na cabeça e no peito. Porém, ele destaca a importância de uma investigação que analise a dinâmica da ocorrência para saber que ação de Leandro deu início aos tiros. “Por exemplo: ele vê o PM com a arma de fogo na mão e se vira de repente. Agora, tudo vai depender do inquérito. Inclusive, a possibilidade de reconstituição do crime”, afirma o coronel.