“Vai ser a primeira noite que mais de 2 mil pessoas vão poder dormir tranquilamente, o que não aconteceu nos últimos 24 dias”, enfatiza coordenadora do MST sobre decisão do TJ-MG
Desde o dia 7/11, 450 famílias vivem sob um clima de tensão. O motivo é um pedido de reintegração de posse de um terreno ocupado pelo MST (Movimento Sem-Terra) há 20 anos: o Quilombo Campo Grande. Agendada para o dia 14/11, a reintegração de posse não aconteceu na data marcada.
Neste sábado (1/12), por meio de decisão judicial, o desembargador plantonista Marcos Henrique Caldeira Brant, do TJ-MG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), revogou a liminar de reintegração de posse do assentamento Quilombo Campo Grande, na Fazenda Ariadnópolis, em Campo do Meio, sul de Minas Gerais. A decisão ainda precisa ser deliberada pelo desembargador titular, Nelson Messias de Moraes.
Em entrevista à Ponte, Tuira Tule, 32 anos, coordenadora regional do MST em Campo do Meio, comemorou a vitória judicial, ainda que parcial, pois a decisão ainda precisa ser deferida pelo desembargador titular. “Para nós, é uma alegria acordar esse sábado com uma notícia como essa, mesmo que seja ainda uma vitória parcial, principalmente por ser uma vitória dentro do campo jurídico, que a gente sabe que é o espaço onde temos mais dificuldade. Vai ser a primeira noite que mais de 2 mil pessoas vão poder dormir tranquilamente, o que não aconteceu nos últimos 24 dias”, defende a coordenadora.
Para ela, as informações da decisão judicial demarcam a legitimidade do Movimento Sem-Terra. “Quem julgou e suspendeu essa ação foi o desembargador plantonista do TJ. O documento comprova primeiro o que a gente mais combate, que é a ilegitimidade de quem está entrando nessa ação, a gente alega que eles não são os donos, eles não respondem por essa terra que ocupamos e permanecemos. Depois de reconhecer a nossa posse-velha”, explica Tuira.
Confira o trecho da decisão que o desembargador mostra as provas apresentadas pelo MST: “Em suas razões, sustentam os Réus/Agravantes, em síntese, que: a) que não há prova da posse da Autora/Agravada; b) que os Réus/Agravantes se encontram dentro da fazenda Ariadnópolis a mais 07(sete) anos antes do protocola da exordial; c) que os Réus/Agravantes com o exercício da posse antiga já preencheram lapso temporal suficiente para a prescrição aquisitiva por meio da usucapião; d) que a propriedade da Autora/Agravada não atendia seu fim social, razão pela qual foi ocupada por centenas de famílias trabalhadores rurais sem terra; e) que serão graves os efeitos decorrentes da decisão de desalojar 2.029 pessoas, sendo necessário concessão de efeito suspensivo para uma busca pacífica de solução do conflito; f) que existem 12(doze) comunidades existentes no local há mais de 14(quatorze) anos”.
Além disso, na decisão judicial, o desembargador Marcos Henrique pede a suspensão da reintegração de terra e defende a área está ocupada pelo MST há aproximadamente 14 anos, sendo local de cultivo de lavoura de café e moradia para as famílias que ali residem. O desembargador plantonista ainda defende que, antes da ocupação, a propriedade não atendia seu fim social, alcançado depois de ocupada pelas centenas de famílias do Movimento Sem-Terra.
“Verifico, em primeira análise, a probabilidade de deferimento do efeito suspensivo pretendido, sobretudo porque, a situação fática desenhada demonstra que os Réus/Agravantes ocupam a área rural por considerável período, aproximadamente 14 anos, com cultivo de lavoura de café entre outros, havendo inclusive imóveis edificados nos quais residem as respectivas famílias. Desse modo, diante da possibilidade de reversão da decisão de suspensão da tutela antecipada em sede meritória, somado ainda à necessidade de uma análise mais aprofundada da matéria, que envolve diretamente questões de ordem social de uso e ocupação da terra, CONCEDO O EFEITO SUSPENSIVO requerido, mantendo os Réus/Agravantes na posse do imóvel até decisão ulterior do Relator”, diz desembargador no documento.
Tuira avalia que a vitória foi coletiva, uma vez que o Quilombo teve apoio e compreensão da população de Campo do Meio, incluindo comerciantes, vereadoras e organizações, além da comoção nacional nas redes sociais. Ela acredita, também, que algumas ações do MST tiveram interferência no resultado. Após a data determinada pela reintegração de posse, que não foi cumprida, o movimento organizou duas audiências: uma pública em Belo Horizonte, no dia 24/11, e outra em Campo do Meio, no dia 26/11, que contou com a presença da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Estadual.
“Com isso, conseguimos fazer a mesma vistoria que o juiz havia feito e cegamente não conseguiu ver, depois de 6 horas, o que a gente produziu. A gente conseguiu trazer essas duas comissões que fizeram dois relatórios que comporão o nosso instrumento de agravo, que a gente entrou na última quinta-feira (29/11). Foi esse agravo que a gente colocou no TJ-MG, apresentando as nossas provas com mais 1.000 cartas da Vara Agrária de Minas Gerais e 500 cartas do Tribunal de Justiça. Tivemos uma série de ações que a gente demonstra a nossa questão de produtividade, a nossa permanência e posse-velha, de mais de 20 anos, e que esse processo, esse resultado, também é para a sociedade”, explica Tuira.