Uma das poesias declamadas pela artista sobre como o racismo estrutural agrava a violência policial levou o público às lágrimas
Quase sempre em silêncio, evitando chamar a atenção pra si e com ar despretensioso para a competição e as notas, Pieta Poeta parecia preferir passar despercebida. Mas não foi assim no Slam BR. Com um caderninho na mão, microfone no pedestal e quase sempre imóvel, a poeta representante de Minas Gerais emocionou o público e levou pra casa o troféu da competição nacional de poesia falada e a vaga para o mundial, disputado anualmente na França.
Logo de cara, percebe-se que Pieta não é uma artista comum. Cantora, pianista, compositora, escritora, slammer e poeta marginal, ela possui uma genialidade que fica entre entre Basquiat e Tim Maia, referências que ela mesma cita em uma de suas poesias. A poeta tem nas palavras uma forma de expulsar seus próprios demônios. Seus textos, sempre carregados de experiências muito particulares, como quando cita a morte de um primo ou ainda sobre o abandono da mãe, são sua válvula de escape para esse mundo-cão. Aliás, o mundo canino é o tema de uma de suas poesias mais famosas.
Não foi incomum ver o público massivamente em lágrimas após cada texto finalizado, como aconteceu em “Não uso chapéu” sobre o racismo estrutural e como ele opera na violência policial que tem alvo certo: pretos, pobres e periféricos. Mas sua performance vai muito além disso.
Na segunda rodada das finais, por exemplo, o texto lido em seu caderninho foi escrito horas antes da competição. Nele, a poeta não perdoou ninguém e fez duras críticas aos temas, estilos e textos dos poetas e também ao formato da competição.
Na semifinal, no dia anterior, outro texto também havia sido escrito horas antes, algo difícil de ser visto por ali, onde poetas chegam a levar meses para preparar e apresentar um texto.
Competição
Para chegar às finais, Pieta teve de passar por outras duas fases da competição, deixando pra trás 24 poetas de 18 estados diferentes do país.
Foram cinco dias de evento, entre 12 a 16 de dezembro, abrindo as festividades com a exibição do filme “Slam, Voz de Levante” e a presença de centenas de poetas periféricos dançando funk no hall de entrada do Cine Sesc. No dia seguinte, sorteio das chaves e primeiras três rodadas das eliminatórias, onde avançaram Dudu Neves (RJ), Patrícia Meira (SP), Bione(PE), Pieta Poeta (MG), King (SP) e Mateus Brito (AC). No sábado, além de uma oficina de voz pela manhã, foi a vez de Luck Vaz (SP), Barth Vieira (RS), Jamille (RS), Sabrina Azevedo (RJ), Pacha Ana (MT) e 4-Ó (RJ) avançarem para as semifinais da competição.
No sábado, mais uma oficina, dessa vez sobre corpo e performance, e mais poesias. Pieta Poeta, King, Bione, Pacha Ana e 4-Ó passaram de fase e foram pra final. Se durante as eliminatórias e as semifinais, os poetas deveriam fazer uso de seis poesias autorais diferentes, nas finais eles podem repetir qualquer uma delas e escolher os textos que acharem mais estratégicos para a competição ou ainda qual mensagem preferem passar em um dia de maior audiência e atenção do público.
No último dia de encontro, pela manhã slammers (competidores) e slammasters (organizadores de competição) se reuniram para discutir o futuro do slam no Brasil.
Mais tarde, teve início a competição que decidiria o representante do Brasil na Copa do Mundo de Poesia Falada na França. O destaque inicial foi para Patrícia Meira, que recebeu a torcida de cerca de 30 estudantes participantes de seu projeto de poesia em uma escola de Santos, litoral paulista. A cada vez que era chamada, gritos e placas com fotos e palavras de incentivo eram levantadas pelas crianças.
Na disputa, King foi quem saiu na frente e assim foi até a rodada final. A paulistana recebeu duas notas 29,9 e parecia encaminhar a vitória. Com notas bem baixas, os outros competidores foram ficando pra trás, exceto Pieta Poeta, que a cada poesia foi crescendo na disputa e virou o jogo na última rodada, por um décimo de nota.
Com o anúncio de Pieta Poeta como campeã do Slam BR, todos os poetas e público correram para abraçar e comemorar a conquista da mineira e, acima de tudo, a vitória da poesia. Ano que vem tem mais.
[…] pelo o que viu na França quando representou o Brasil na Copa do Mundo de Slam, em 2014, Alcaldi organizou o primeiro Interescolar em 2015, com a participação de quatro escoas […]