IV Caminhada pela Paz tem tom de cobrança e pede o fim dos assassinatos trans; ativista trans questiona ‘onde estão as 4 milhões de pessoas da Parada?’
Ano após ano o Brasil é líder absoluto em um tema: o número de assassinatos de pessoas trans. Em 2018, de acordo com dados da ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), foram 163 crimes brutais. Em sua maioria, os assassinatos variam entre apedrejamento, espancamento e facadas.
Por isso, pelo quarto ano consecutivo, a Caminhada pela Paz, organizada pela CAIS (Associação Centro de Apoio e Inclusão Social de Travestis e Transexuais), que tem como presidente a militante Renata Peron, pediu o fim desses crimes em ato realizado na tarde deste sábado (02/02). Como já virou costume, a caminhada sempre acontece na semana da visibilidade trans, data comemorada em 29 de janeiro.
Diferente dos outros anos, o ato começou e terminou na região central, sem passar pela avenida Paulista. Dessa vez, o percurso foi realizado por locais conhecidos da população LGBT, como a Praça da República e a avenida Vieira de Carvalho. A marcha terminou no Largo do Arouche, local conhecido como resistência LGBT na cidade de SP.
A concentração do ato começou por volta das 14h na rua Líbero Badaró, região do Largo São Francisco. Às 15h30, o ato saiu do local rumo ao Arouche, onde a caminhada acabou e o evento foi encerrado por um ato político, com apresentações musicais, por volta das 19h.
Durante a caminhada, a assistente social e cantora Renata Peron entonava frases sobre empregabilidade trans direcionando para estabelecimentos da região. “Aceitem os nossos currículos. Nós queremos trabalhar, não só na prostituição, estamos à margem por causa do preconceito de vocês”.
De acordo com a organização, 1200 pessoas estiveram na caminhada. Mas a quantidade de pessoas não agradou a todos. Em sua fala pública, Neon Cunha, ativista trans independente e publicitária, lamentou a baixa presença no ato. “Quando é para as pessoas trans as pessoas não aparecem. Onde estão as 4 milhões de pessoas da Parada? Quando é pela homofobia enche, pela transfobia não. Mas o futuro será trans”.
Para a auxiliar de escritório Ana Carolina, 22 anos, a caminhada dá visibilidade para corpos trans. “É ótimo ter esse monte de gente trans e travesti reunida pras pessoas verem que a gente existe, principalmente de dia, ver a nossa cara no sol e nos verem. Ter representatividade na política é incrível, eu espero que mais pra frente tenhamos mais e mais pessoas trans e travestis na política representando a gente”.
Keila Simpson, presidente da ANTRA, dá o tom não apenas da caminhada, mas de como serão os próximos anos para o movimento trans. “A gente precisa dizer que, por mais que todo ano sejamos o país que mais mata travestis e transexuais no mundo, tem uma força que se levanta sempre. São quatro anos de caminhada, são quatro anos dizendo que a gente não vai arredar o pé, principalmente agora que temos que enfrentar esse governo fascista que está aí, com um parlamento como esse. Isso torna mais importante ainda que a população trans, sempre a mais atingida por essa violência, possam reagir. Foram quatro anos e serão mais quatro anos, vamos continuar na luta”.
A artista e ativista trans Jhoweny Soares defende que as lutas trans devem pensar também nos espaços periféricos, não só na região central da cidade. “Além da visibilidade, não podemos esquecer que não podemos ocupar só o espaço centro, temos que ocupar a periferia em si, pois ela não tem a visibilidade e o acolhimento que o centro tem. Para mim é muito forte estar aqui, uma preta, afro indígena, periférica, ocupar e estar aqui não só por mim, mas por todas travestis”.
A família de Laura Vermont, travesti assassinada em 2015 que virou um importante nome pelo fim da transfobia, esteve presente no ato. Emocionada pelas homenagens à filha durante a marcha, Zilda Laurentino, 53 anos, foi breve ao falar com a Ponte. “É uma honra estar aqui, temos que seguir nessa caminhada para que não haja mais travestis mortas como a minha filha”.
O movimento Mães pela Diversidade também marcou presença no ato. Em sua fala pública, Zilda agradeceu ao grupo por todo suporte em relação à morte de Laura. Em entrevista à Ponte, a autônoma Cássia Nonato, 52 anos, uma das integrantes do movimento, contou a importância de marcar presença em atos como a caminhada trans. “Eu tô presente na caminhada hoje como mãe de LGBT. Eu tenho uma filha travesti e tenho medo quando ela tá na rua, eu tenho medo quando ela não volta cedo para casa. Isso tem que parar. A gente está aqui pra defender todos os direitos deles. Eles têm direito a vida, tem que ter os direitos respeitados. O [movimento] Mães pela Diversidade reflete acolhimento, pois sabemos que muitos filhos são expulsos de casa, e levamos a nossa palavra de mãe de LGBT em todos os lugares”.
Pessoas cisgêneras (quem se identifica com o gênero de nascimento) também estiveram no ato. A funcionária pública Mariana Luppi, 30 anos, foi ao ato acompanhada pela namorada Julia Piccoli. Ambas carregavam um cartaz com os dizeres: ‘Lés e bis apoiam trans e travestis’.
Para à Ponte, Mariana defendeu que a luta pelo fim da transfobia deve ser de todos. “Eu sou militante feminista e bissexual, a gente aprende muito com as pessoas trans sobre todos os bloqueios sociais que significam você ter separação de binária de gênero e renegação de direitos para pessoas trans. A gente procura sempre tá junto com as pessoas trans, é importante estarmos nas ruas juntas, mostrar solidariedade. Temos que entender que as pessoas trans são as mais atingidas dentro da sigla LGBT”.
O cantor Dallas Guebara, 26 anos, relembrou que os retrocessos para as pessoas trans não são uma novidade. “Pessoas transmasculinas, pessoas transgêneres e pessoas travestis sofrem retrocessos há muito tempo, só não eram notadas. Por isso vem a importância desse ato é vocês saberem que a gente sempre passou o que vocês estão começando a sentir agora, nossa vida já é dessa forma há muito tempo, pessoas LGBT cis não tem noção do que pessoas trans passam nas ruas todos os dias.