‘Não teve troca de tiro, eles que entraram e mataram os 13’, conta moradora do Morro do Fallet, centro do Rio de Janeiro, sobre ação do Bope, tropa de elite da PM fluminense
“Estamos sobrevivendo em meio à guerra”. Assim define um morador do Morro do Fallet, em Santa Teresa, região central do Rio de Janeiro. Ação policial na sexta-feira (8/2) terminou com 13 pessoas mortas pelo Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), a tropa de elite da PMERJ (Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro). Quem vive no local denuncia não ter ocorrido tiroteio, como alega a polícia.
“Não teve troca de tiro, eles tão falando que teve troca de tiro mas não teve nada disso. Eles que entraram e mataram os 13 meninos dentro dessa casa”, conta uma moradora, com medo de se identificar. Segundo ela, mais do que matar gente que vivia no local, os agentes de segurança ainda agrediram, ofenderam e ameaçaram quem estava na rua durante a ação policial.
“Esculacharam morador, tacaram bomba em cima da gente, chamou as meninas de piranha, xingando, falando que vão matar a gente. Não deixaram nenhum familiar entrar dentro das casas, tacaram bomba, tiro de borracha, esculacharam muito. Eles disseram que entraram para matar bandido e morador”, prossegue.
Os boinas pretas – como são chamados os homens do Bope – entraram na comunidade pela manhã. Vídeos mostram bombas sendo lançadas em direção aos moradores como forma de dispersar as pessoas que protestavam contra a violência dos PMs. Em outras imagens (acima), um homem é imobilizado pelo pescoço por um policial – ao fim do vídeo, outro agente de segurança pede para a pessoa que grava a cena “parar de filmar”. Os policiais entraram em casas sem mandados, uma violação da Constituição, que assegura tal ação somente com decisão judicial ou, então, aval do morador.
“Aqui em casa eles entraram cortando o cadeado. Meu filho estava brincando na janela do quarto, quando vi eles [policiais] já estavam aqui. Fizeram um monte de perguntas e saíram, mas o cadeado já era”, conta outra moradora, também com receio de dizer seu nome. “Esse morro está um inferno, como vamos ficar aí dentro? Eles querem matar mais gente, como eles querem matar mais, já mataram 13 pessoas”, desabafa outra.
Uma mulher teve o filho morto pela polícia em ação há menos de três meses. Ela conta que conhecia um dos 13 mortos. “Estamos sobrevivendo em meio a guerra. Meu filho foi morto em novembro por essa mesma polícia que matou esses meninos dentro de casa. Ele era tudo para mim, uma pessoa amável com todos e foi morto covardemente com um tiro nas costas. Dentro dessa casa eu conhecia um menino que todos chamam pelo nome de Batiminha”, afirma, antes de rebater a versão oficial.
“A polícia que executou, eles costumam entrar na comunidade atirando a ermo, sem respeito com morador. Os meninos tinham se rendido dentro da casa, mesmo assim a polícia foi e matou. Eles querem matar, não prender. Quantas mães vão ter que chorar por causa desse estado omisso?”, questiona a mãe, vítima de violência policial.
Um relato de morador aponta que os policiais permaneceram dentro de uma casa com quatro dos mortos. Neste momento, outros integrantes da tropa lançaram bombas e proibiram a entrada ou saída das pessoas que moram mo Morro do Fallet.
“Ajuda a gente, senão serão mais quatro mortos, pelo amor de Deus. Chega de tanto sangue…”, desabafouma uma garota em áudio enviado pelo WhatsApp enquanto a operação acontecia. Naquele momento, o Bope já havia matado nove pessoas. “Não querem deixar a gente entrar para reconhecer os corpos, não pode ficar assim”, completa.
A morte dos 13 homens aconteceu no mesmo dia em que um incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo, tradicional time de futebol do Rio, matou 10 jovens jogadores das categorias de base do clube. Quem mora no Fallet conta que uma tragédia abafou outra. “Gente, infelizmente, essa tragédia no Ninho do Urubu vai ser o destaque do dia. Deve ser por isso que eles não querem falar, atender. Infelizmente…”, lamentou outra mulher que vive na comunidade.
Para o coronel da reserva da polícia fluminense Robson Rodrigues, é preciso investigar a fundo este caso “grave”. “As circunstancias tem que ser analisadas e o ator fundamental para saber se houve excesso ou se foi legitima se teve resistência na prisão é o MP (Ministério Público). É ele quem faz o controle externo da atividade policial e quem deve ouvir essas pessoas. A ação também deve ter auxilio de investigação feita pela Policia Civil”, explica o oficinal da reserva, crítico quanto ao trabalho recente do órgão.
“É uma ação grave, visto as denúncias feitas pelos moradores. Minha preocupação é que o MP não tem sido tão incisivo com essa sua função de fiscalizar a polícia. Agora, essas pessoas tem que depor, tem que se juntar as provas e verificar se houve violação de direitos fundamentais ou se foi caso real de legítima defesa”, afirma.
A Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro divulgou nota à imprensa dizendo que acompanha as operações e buscará testemunhas sobre as 13 mortes. “A instituição está com contato com moradores para articular visita à comunidade do Fallet nos próximos dias, com o objetivo de ouvir relatos. Informamos que nossa Ouvidoria Externa e o nosso Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos estão à disposição daqueles que tiverem algum dos seus direitos violados”, garantiu.
A Ponte procurou a PMERJ para se posicionar sobre a operação, mas não obteve respostas até a publicação desta reportagem. A reportagem enviou as seguintes perguntas:
Qual objetivo da operação em Santa Teresa?
Quantos PMs e de quais tropas estavam no local?
A PMERJ avalia como um sucesso uma ação que termina com 13 pessoas mortas?
*Colaboraram na apuração Arthur Stabile Bruna Freire, Carolina Moura e Leonardo Coelho
[…] da metade dos casos de chacina aconteceram no Rio de Janeiro. E a gente pode lembrar do caso do Fallet, que foi no início do ano, quando 15 pessoas foram mortas e constatar que isso continua acontecendo. O número de casos, que são 16, que tiveram […]