Irmã e viúva afirmam que estavam sem notícias de Michael Jackson Araújo da Silva, preso há 15 dias, desde o início da semana; na quarta-feira (20/2), uma ligação do hospital informava que ele tinha morrido
No dia 5 de fevereiro, Michael Jackson Araújo da Silva, de 33 anos, foi preso quando dirigia um veículo com carga de carne roubada, na rodovia Anhanguera, quase chegando na cidade de São Paulo. De acordo com o boletim de ocorrência, a carga estava avaliada em mais de R$ 18 mil. Silva passou pela audiência de custódia, mas acabou tendo o flagrante convertido em prisão preventiva e estava preso no CDP (Centro de Detenção Provisória) 2 de Osasco. Por volta das 5h da manhã da última quarta-feira (20/2), quando Michael completaria 15 dias detido, a família recebeu uma ligação do hospital informando que ele estava morto. No atestado de óbito, duas são as causas da morte: meningite infecciosa e peritonite (Inflamação da membrana que reveste a parede abdominal e cobre os órgãos abdominais).
Muito abalada, a irmã de Michael, Sabrina, afirma que acredita em omissão de socorro no caso do irmão. “O médico me disse quando cheguei no hospital que pouco tiveram para fazer. Meu irmão chegou com febre de mais de 40 graus e convulsionando”, relatou durante o velório. Ela explica que como o irmão estava preso havia duas semanas, a família ainda não tinha conseguido fazer o registro para poder visitá-lo. “Na segunda-feira (18/2), fui até lá justamente para levar a documentação. Quis saber se meu irmão estava bem, informações dele, as pessoas não falavam”, lamenta. “Através de uma visita no domingo, meu irmão havia pedido para que a gente agilizasse o registro durante a semana”, explica.
O que aconteceu nos 15 dias em que Michael Jackson ficou preso e, sobretudo, entre a segunda-feira (18/2) e a quarta-feira (20/2), para a família, é um mistério. Emocionada, a viúva Josineide Martins de Souza afirmou, por telefone, estar se sentindo enganada pela falta de comunicação por parte da unidade prisional. “Eu acredito em omissão de socorro, sim. Quando foi preso, ele passou pela assistente social, pelos exames, estava saudável. Quando ligamos lá [no CDP de Osasco], ninguém dava informação. Soube depois que ele foi para o hospital no fim da noite de terça-feira (19/2), quase madrugada, por que não me ligaram? Por que não avisaram a família? Só recebemos a ligação pela manhã avisando que ele estava morto”, questiona Josi, que teve com Michael uma filha, que está com 7 anos e que, segundo ela, “ainda não entendeu o que aconteceu”.
“Eu me sinto um lixo com tudo isso. Trataram a gente como lixo, sem informações. E trataram ele [Michael Jackson] como lixo também. Porque preso não tem valor mesmo”, desabafa Josineide, que está desempregada e disse que, com a morte do companheiro, não sabe como fará para sustentar a casa.
Tanto Sabrina quanto Josineide afirmam, ainda, que Michael caiu em uma cilada e que seria inocente das acusações de pertencer a uma quadrilha de roubo de carga. “Era uma pessoa amada por todos, de caráter”, disse a viúva. “Ele estava dirigindo o caminhão, mas não sabia que era uma carga roubada. Trabalhava com transporte há anos, o chefe até saiu em defesa dele”, completou Sabrina. “Nem deu tempo de a gente provar a inocência dele”. Michael Jackson foi enterrado no Cemitério Gethsemani, também na Grande São Paulo, nesta quinta-feira (21/1).
Josineide afirmou que, agora, quer uma reparação do Estado. “Isso não pode ficar assim. Quero ir atrás disso, isso não pode ficar impune”, declarou A família está sem advogado particular para cuidar do caso. A Ponte consultou a Defensoria Pública de São Paulo que informou que o caso pode ser denunciado ao MP (Ministério Público) para uma eventual investigação do caso e que, em tese, pode caber ação indenizatória contra o Estado, já que Michael estava sob tutela da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária).
A reportagem procurou a SAP para questionar sobre o ocorrido e, sobretudo, para saber da suposta falta de comunicação alegada pela família. Até o momento, não houve retorno.
Mais um ‘caso isolado’
A morte de Michael Jackson por uma doença dentro do sistema prisional está longe de ser um caso isolado, uma fatalidade. De acordo com reportagem publicada pelo jornal O Globo em junho do ano passado, 4 pessoas morrem em unidades prisionais brasileiras todos os dias. A publicação realizou um levantamento exclusivo que apontou para 6.368 mortes dentro de presídios entre 2014 e 2017.
Em artigo publicado pela Ponte em 2016, Camila Nunes Dias aponta uma negligência quase proposital do Estado sobre o tema. “Quando olhamos os números de pessoas que perdem suas vidas enquanto estão sob custódia do Estado de SP compreendemos, em parte, a resistência em atuar de forma transparente e democrática no que diz respeito a essas informações. Parece haver, de fato, muitos motivos para esconder, para não revelar”, escreve a pesquisadora.
E mais adiante: “Vemos que há uma pequena parcela de mortes classificadas como homicídios, uma parte expressiva de suicídios e uma maioria absoluta das mortes que é classificada como ‘morte natural’. Mas, o que é, afinal, a morte natural? As ‘mortes naturais’ são compostas majoritariamente por casos de negligência no atendimento médico e pela inexistência de atenção à saúde do preso”, continua Camila, que ressalta a principal alegação para o não atendimento: a falta de equipe de escolta, já que isso é uma exigência, muitas vezes impede que o detento seja levado a uma unidade de saúde fora do presídio. “Relatórios de entidades que inspecionam as unidades prisionais do Estado (por exemplo, Condepe, Defensoria Pública, Conselhos da Comunidade) estão repleto de casos que reivindicam assistência médica em caráter de urgência para detentos com doenças graves; muitas vezes, estão em estado terminal; muitas vezes, trata-se de doenças infecto-contagiosas”, em outro trecho do artigo.
As cadeias, superlotadas em todo o país e em situações absolutamente desumanas de tratamento àquelas pessoas encarceradas, acabam virando um meio de cultura para bactérias, como a que provavelmente infectou fatalmente Michael Jackson. A título de comparação, no ano passado o próprio Governo Federal, ao lançar uma campanha de combate a tuberculose – assim como a meningite, uma doença altamente infecciosa e que pode matar -, informou que um preso tem 28 vezes mais chance de contrair a doença do que uma pessoa comum, em liberdade.