Na semana de abertura do carnaval, bloco afro afirmativo atrai milhares de pessoas no desfile que teve como tema ‘Comunicação, Tecnologia e Consciência’
“Vamos abrir a rua, laroyê. Ilu Inã é Mojubá”. No corredor formado pelas milhares de pessoas que estavam em frente ao Aparelha Luzia, ponto de partida do Ilu Inã, surgem Exu, com sua foice e seu ogó (bastão com cabaças), seguido de Iemanjá, que perfuma de alfazema a multidão, e Ogum, com sua espada de guerreiro. Logo atrás, os músicos entoam pontos do candomblé mesclados com composições próprias e são acompanhados da alaranjada bateria que enche de potência e energia as ruas do centro de São Paulo. Este foi o primeiro ano que um naipe de metais compôs o cortejo, trazendo ainda mais harmonia ao som. Nem mesmo a chuva que caía insistente no centro de São Paulo desanimou quem foi ver o Ilu Inã passar.
À frente dos músicos e, vez ou outra no abre-alas, brincando com os orixás, surge Érica Malunguinho, primeira deputada estadual trans de São Paulo, eleita no ano passado pelo PSOL. Assim começa o cortejo do bloco afro-afirmativo, que saiu nesta segunda-feira (25/2) da Rua Apa, no centro da capital, e passou por algumas ruas da Barra Funda, pelo terceiro ano consecutivo. O tema desta edição do desfile foi “Comunicação, Tecnologia e Consciência”. Cerca de 130 pessoas fazem parte do bloco.
Segundo o mestre de bateria Fernando Alabê, os três elementos do tema estão contemplados respectivamente em Exu, Ogum e Iemanjá. “Todas as manifestações culturais negras são manifestações de resistência. Comunicação, tecnologia e consciência são três arquétipos dos orixás, são três elementos muito importantes para nossa sociedade que teve seus primeiros passos na África. Esse é nosso recado: comunicação, tecnologia e consciência para o desenvolvimento pleno, em específico da negritude, porque a gente teve nosso desenvolvimento sequestrado séculos atrás. Então a gente retoma isso hoje. E a gente não retoma apenas o espaço simbólico, como o geográfico. Quando a gente desfila aqui na zona centro-oeste da capital, a gente dá um recado para a massa negra, de que mais da metade do que está aí é nosso e a gente está vindo buscar”, afirma Fernando, em entrevista à Ponte.
Ao lado de um mural da vereadora Marielle Franco, assassinada em 14 de março do ano passado, Fernando Alabê comenta a simbologia do crime, que completará um ano daqui duas semanas sem solução. “Infelizmente foi um recado das elites. Tenho plena certeza disso. Não foi devidamente apurado, não se sabe quem foi, mas toda negra, negro que morre no Brasil é por culpa da elite”, enfatiza.
Bateria, vozes e coreografia evocam fé e ancestralidade, pois “resistência faz parte da herança”, diz a letra de uma das músicas puxada pelos músicos e rapidamente cantada pela multidão. Um dos compositores do Ilu Inã, Melvin Santana, fala da importância daquilo que é ouvido. “Nós cantamos musicas autorais, músicas não autorais, mas como tudo que tocamos acaba tendo relação com as religiões de matriz africana, o que a gente busca é uma intersecção. A mixagem desses pontos com as músicas autorais faz parte da característica do bloco”, explica.