Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pediu exoneração de conselho após ministro Sérgio Moro revogar nomeação da pesquisadora e não debater decisões, como o pacote anticrime
A falta de debate com a sociedade, o silêncio como resposta ao pedido de informações e a decisão de revogar a nomeação de uma especialista após pressão de grupos conservadores. Esses elementos fizeram o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, tomar a decisão de sair do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, criado por Michel Temer (MDB) e mantido até o momento no governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Até quando, não se sabe, segundo Renato.
“O governo Bolsonaro não está sendo democrático quando falamos de segurança pública. E parece que se configura uma tendência geral”, sustenta o presidente. Após a criação do Conselho, em setembro do ano passado, nenhum encontro aconteceu desde a posse do novo governo. Mais: o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou seu pacote anticrime sem consultar o grupo. Renato, então, cobrou estudos técnicos sobre as ações que serão tomadas e obteve silêncio como resposta. O recuo do ministro em nomear como suplente a pesquisadora Ilona Szabó no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, após pressão de bolsonaristas, foi “a gota d’água” para sua decisão.
Ilona é mestre estudos de conflito e paz pela Universidade de Uppsala (Suécia), especialista em redução da violência e política de drogas e diretora do Instituto Igarapé. Ela ocuparia uma vaga de suplente no Conselho, que não toma decisões, mas é um grupo consultivo do ministro. Moro foi criticado por bolsonaristas e pelo MBL (Movimento Brasil Livre), a acusando de ser “inimiga do governo” e postaram fotos com George Soros, fundador da Open Society Foundations, e que financia parte da atuação do Igarapé, a chamando de “esquerdista”. Oficialmente, o presidente Jair Bolsonaro silenciou sobre o assunto até o momento.
Ponte – Por qual motivo pediu exoneração da cadeira que ocupa no conselho?
Renato Sérgio de Lima – No começo do ano, cogitei colocar o cargo à disposição pois era um governo novo e não tivemos diálogo nenhum. O Conselho de dentro do Fórum achou melhor esperar mais um tempo, pois é importante ter diálogo de forma oficial. Apesar de não ser um orgão de governo, envolve a política nacional e é importante para ter interlocução oficial. A oficiosa, já temos. Fiz isso, acatei a recomendação e fiquei.
O que te fez repensar a decisão?
Renato – O governo Bolsonaro não fez nenhuma reunião, tomou decisões sem nos consultar, como encaminhou o pacote anticrime [elaborado pelo ministro Moro] sem ouvir o Conselho. Somos contrários em muitos pontos. O Conselho tem esse papel de ajudar a pensar o impacto das ações propostas pelo governo. Na semana passada, enviei um ofício ao Moro dizendo que, pelo decreto de governança de 2017, toda proposta legislativa e de política pública tem que ser precedido de estudos de impacto e custos. Assim, pedi acesso a isso na condição de conselheiro. Porque ele não se reuniu com conselho. Fiz na quinta (21/2), não tive retorno até agora. E ontem teve episódio da Ilona [Szabó], extremamente desgastante, ela foi totalmente constrangida… Caiu como a gota d’água para sair. O Conselho não tem se reunido, não tive acesso aos estudos, então fiz o ofício sobre minha saída. É uma dificuldade muito maior do que imaginava. A avaliação é que era melhor sair, não tinha como seguir no grupo, tanto como forma de solidariedade, mas também porque não sei o que será feito com os conselhos num geral. Exige cautela.
Como este conselho atua?
Renato – O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, no qual a Ilona seria suplente, é muito antigo, está previsto na Lei de Execuções Penais de 1984. Ele é formado basicamente por operadores do direito, em sua grande maioria juízes, promotores e advogados. É um órgão com caráter consultivo, tem a função de elaborar proposta de indulto de final de ano que o presidente concede, por exemplo. O grupo analisa caso e pensa em ajustes. Depois, faz uma minuta, manda para o ministro que, se aprovar, manda para o presidente. É bem consultivo. O Fórum não faz parte deste Conselho, eu faço parte de um vaga de notório saber do Conselho Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, criado pela lei do Susp (Sistema Único de Segurança Pública) ano passado.
Quando entrou para esse grupo?
Renato – Fui nomeado pelo Raul Jungmann (ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública) em setembro para ocupar a vaga de dois anos no Conselho de Segurança, igualmente consultivo. Sua função é mais executiva porque tem que avaliar a Política Nacional de Segurança. Como o Fórum ajudou com uma série de insumos para a política nacional derivada do Susp, aceitei fazer parte. Quem faz parte: chefes de polícia, comandantes gerais das PMs, procuradores de estado, conselheiros nacionais de justiça, defensores públicos, autoridades gestoras do poder público… E tem três vagas de notório saber, ocupadas por mim, a Ilona e o Cláudio da UFMG. A sociedade civil tem vaga com a Feneme (Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais) e outras duas entidades.
As reuniões aconteciam periodicamente?
Renato – A última reunião foi no fim de novembro, quando aprovou o decreto que foi publicado para a política nacional de segurança, com validade de 10 anos. A partir dela, estabeleceu-se a meta de redução de 3,5% ao ano nos crimes violentos. Uma característica importante: a decisão condiciona o repasse de recursos por parte da União aos estados e municípios com o envio de planos estaduais de segurança. Todos terão dois anos para se adaptar.
O que o setor perde sem esses debates?
Renato – O ideal nas políticas públicas é que se tenha o contraditório. O que fazia parte do Conselho, tem chefe de polícia e secretários, todos no mesmo conselho para chegar no consenso. E nunca é simples neste setor chegar a um fator comum. Teoricamente, o grupo tem esse papel de criar espaços para permitir que sejam construídos avanços e isso não aconteceu. O próprio governo, saindo esfera do Moro, já sinalizou que, para eles, os conselhos são espaços muito burocráticos e dispendiosos de tempo. Entendem que se debate muito e se faz pouco.
O novo governo está sendo antidemocrático na segurança pública?
Renato – O governo Bolsonaro não está sendo democrático quando falamos de segurança pública. O pacote não foi objeto de discussão, foi apresentado aos governadores e secretários locais de segurança, mas espaço de governança democrática, que é o Conselho, não foi chamado, consultado ou ouvido. Parece que se configura uma tendência geral do governo. Chama a atenção o presidente se meter em uma decisão de ministro para um conselho consultivo para um cargo de suplente.