Primeira mulher trans negra a assumir um cargo de deputada no Brasil, Erica Malunguinho tomou posse em SP e avisou: ‘estamos aqui para entrar pela porta da frente’
Demorou 19 legislaturas para que uma mulher transexual assumisse um posto na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo). Nesta sexta-feira, porém, foi a vez de duas pessoas trans tomarem posse de seus mandatos como deputadas estaduais: Erica Malunguinho (Psol-SP), eleita com 54 mil votos, e Erika Hilton (Psol-SP), eleita co-deputada pela Bancada Ativista, com 149 mil votos, mandato coletivo que conta com mais 8 deputadas representadas por Monica Seixas.
Minutos depois de ser empossada, Erica Malunguinho explicou para Ponte o que significa o seu mandato, enquanto mulher trans negra. “Representa retomar uma história que foi interrompida, entregar para o povo preto e LGBT a participação que nós já temos na sociedade e agora é necessário que esteja dentro das instituições, do estado. Significa demarcar territorialmente um novo projeto político que há de se instaurar nos próximos anos. Significa que é uma oposição voraz a todo o conservadorismo presente na sociedade”, disse a parlamentar.
Antes da posse, Erica Malunguinho promoveu um cortejo intitulado de ‘Reintegração de posse da Mandata Quilombo’. Saindo do Ginásio do Ibirapuera, cerca de 100 pessoas caminharam ao lado de Erica até a Alesp, ao som dos tambores do bloco Ilu Inã. Em entrevista à Ponte, Maria Clara Araújo, pedagoga e afrotransfeminista, que agora faz parte da assessoria política de Malunguinho, explicou o porquê de chamar a posse de Erica de reintegração.
“É um momento de celebração, de firmamento de uma vitória, uma vitória que é coletiva do povo negro é sobre uma retomada de fala, é sobre escrever a nossa história em primeira pessoa e acredito que é estar em uma posição que é nossa. Temos uma trajetória de luta de muito tempo, então temos que ter sempre em mente esse processo de ancestralidade, de todos os passos que nos levaram até os dias de hoje, então é um momento muito significativo politicamente, mas eu acho que principalmente afetivamente em relação aos nossos quilombos de afeto, dessa unidade negra”, explica Maria Clara, que cuidará da frente de mulheres e LGBTs da ‘mandata’.
Araújo, que também é travesti negra, contou que a importância de ter uma travesti como parlamentar é ter a retomada de fala. “Pessoas trans, travestis e a população negra estando nesses lugares de poder e pautando as reivindicações, pautando suas narrativas e não ter interlocutores falando por nós. Estarmos nesses espaços é trazer as nossas demandas, nossas histórias de vida e girando esse poder, esse poder que foi distribuído de maneira muito arbitrária e desigual”.
Assim que chegou em frente à Alesp, Malunguinho fez um breve discurso. “Bem-vindes a reintegração de posse. Nosso projeto é um projeto de amor, de afeto, um projeto humanizador. O nosso projeto não quer guerra com ninguém, a gente quer viver bem. Queremos mostrar ao patriarcado o que podemos fazer. O povo preto exige alternância de poder e estamos aqui para entrar pela porta da frente a Assembleia”, afirmou a deputada, que em seguida puxou o grito ‘preta’, repetido por quem a acompanhava no local.
Nas eleições de 2018, Pernambuco também elegeu a primeira mulher trans para deputada estadual. Presente no cortejo, Robeyoncé Lima, co-deputada do ‘Juntas’, defendeu o uso do nome reintegração de posse. “É um momento histórico e marcante, em que temos o movimento negro ocupando o espaço institucional que sempre lhes foi negado. A gente fala em reintegração de posse, porque a Assembleia Legislativa, pelo menos lá em Pernambuco, foi um prédio construído há 180 anos com o suor de nossos ancestrais. Então a gente retoma e retorna a esse lugar, não mais para construir o prédio, mas em uma posição de tomada de poder, uma posição de poder decidir politicamente, não apenas para levantar paredes. A gente deveria estar há muito tempo nesses locais, mas só agora a gente consegue se inserir nisso”, disse à Ponte.
Para Robeyoncé, sua candidatura e das outras mulheres trans servirá de exemplo para eleições futuras. “Nossos mandatos são um marco histórico, pela primeira vez na história do Brasil a gente tem deputadas travestis e negras ocupando o espaço institucional. Só a nossa presença nesses locais é um ato político, mostra um sinal de resistência e superação. Isso mostra para outras pessoas trans e travestis que ocupar esses espaços também é possível. A gente vai ter ano que vem eleições municipais e a gente nesse momento está mostrando que é possível ter vereadores e vereadoras trans. Se a gente não estiver dentro da política institucional, essa história não pode ser escrita, então a gente tem que participar disso tudo”, defende.
A cerimônia de posse começou às 15h no plenário Juscelino Kubitschek. Com discursos que variaram entre Lula Livre, Deus acima de todos e pela família, os 94 deputados foram empossados. Depois da posse, os parlamentares escolheram o presidente da Casa. Apesar da expectativa para Janaína Paschoal (PSL), deputada mais votada, quem ficou com a presidência foi Caue Macris (PSDB).
Além de Erica Malunguinho, a Alesp terá outra deputada travesti: Érika Hilton, que faz parte da Bancada Ativista. A co-deputada conversou com a Ponte minutos depois da posse. “É uma experiência muito louca e muito assustadora essa chegada [na Alesp]. A minha chegada, com esse look manifesto, com esse cabelo e uma make não convencionais, que não é esperado neste lugar, gera estranhamentos e olhares. Então tem uma sensação de medo com alegria, medo por estar neste lugar com essas pessoas engravatadas, e alegria de saber que chegamos e rompemos com os espaços que eram designados pra gente, estamos trazendo o novo, a esperança. Mulheres trans, negras e travestis ocupando esse lugar, fazendo política, sendo uma voz que vai ter que ser ouvida, gostem eles ou não”, destaca Hilton.
Ela também contou como funcionará a mandata coletiva da Bancada Ativista. “Somos 9 co-deputadas e vamos compartilhar essa caneta de deputada. Vamos propor projetos de leis usando esta caneta, todo mundo vai exercer esse papel aqui e seremos representadas por Monica Seixas. Mas eu criarei projetos assim como as outras co-deputadas. Nós estamos preocupadas nesse momento em comunicar mais para as nossas bases, mais para fora do que pra dentro, até por que o que acontece aqui dentro ainda é retrógrado, ainda depende de muita burocracia, e a institucionalidade não está pronta pra gente, então vamos hackear este lugar e este mecanismo. Mas projetos, audiências públicas, tudo que um mandato pode exercer vai ser dividido coletivo, assim que vamos dividir nossas tarefas”, explica Erika Hilton.
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