Geógrafo carioca leva debate sobre masculinidades para fórum da ONU

    “O grande ponto do nosso debate é a mudança de comportamento que homens têm, não só com mulheres, mas com a sociedade de maneira geral”, pontua o geógrafo Caio César

    O geógrafo Caio César estuda a desconstrução das masculinidades | Foto: Edson Jonathan/Divulgação

    Convidado pela ONU (Organização das Nações Unidas), Caio César, 24 anos, geógrafo, professor e pesquisador, estará no Fórum Internacional de Igualdade de Gênero na Tunísia, entre os dias 23 e 26 de abril, para falar sobre as masculinidades. Nascido em Mesquita, região da Baixada Fluminense, no Rio de Janeiro, Caio começou a pesquisar sobre o assunto depois de ler “Peles Negras, Máscaras Brancas”, do filósofo e psiquiatra Frantz Fanon – a obra perpassa pela construção da masculinidade do homem negro. Depois dessa leitura, sentiu necessidade de debater as masculinidades do homem negro ao refletir sobre a solidão da mulher negra e as preferências afetivas dos homens negros.

    “A minha ideia maior é trazer visibilidade para os projetos que existem no Brasil”, afirma. A ideia de masculinidade é baseada no processo de construção e socialização do homem onde o “ser homem” é determinado a partir da imposição de uma série de comportamentos pautados em estereótipos de gênero, em que o homem é ensinado a repreender sentimentos, ter virilidade e usar a violência como forma de expressão, por exemplo.

    “Existe um conceito no debate de masculinidade chamado ‘Caixa do Homem’, que são todas as regras sociais que homens precisam seguir para serem considerados ‘homens de verdade'”, pontua Caio.

    Em seu texto Masculinidade, afetividade e a importância de grupos reflexivos para homens, o geógrafo propõe a discussão e reflexão de comportamentos nocivos que são baseados em um modelo de masculinidade hegemônico, além de expor o caráter transformador existente no diálogo entre homens.

    “Quantas vezes, você, homem, se sentiu confortável para falar, entre seus amigos, os problemas emocionais, sexuais e/ou sentimentais que vinha passando? Quantos de nós mentimos sobre sermos ou não virgens ou sobre nossas performances sexuais? Quantos de nós apenas brigamos em algum momento somente pela pressão de não parecermos fracos perante outras pessoas?”, questiona o professor em seu texto.

    Segundo estudo de 2016, promovido pela ONU Mulheres em parceria com o portal PapodeHomem, 56,5% dos homens gostariam de “ter uma relação mais próxima com amigos expressando mais afeto e podendo falar sobre sentimentos e dúvidas”. Foi pensando em questões como essa que Caio passou a ter contato com iniciativas como a do Projeto Memoh – hoje o geógrafo faz parte da equipe. O projeto promove rodas de conversa exclusivas para homens cis [que se identificam com o gênero de nascimento] e transexuais [que não se identificam com o gênero de nascimento] a fim de acolher e discutir temas como a masculinidade tóxica e o papel do homem na promoção da igualdade de gênero.

    Edição da ‘Oficina Entendendo as Masculinidades’ na Casa Narra, no RJ | Foto: Edson Jonathan/Divulgação

    “As mulheres são contempladas a partir do momento que o grande ponto do nosso debate é a mudança de comportamento que homens têm não só com mulheres, mas com a sociedade de maneira geral. A nossa principal intenção é exercer uma masculinidade saudável”, afirma Caio.

    Atualmente, o projeto conta com ciclos de 10 encontros gratuitos, que reúnem até 20 homens, com as oficinas funcionam de maneira horizontal e, a cada encontro, um participante diferente traz um tema que o incomoda para ser debatido entre todos. Além dos encontros gratuitos, também há a possibilidade de participar dos eventos pagos que acontecem de maneira pontual e são compostos por 4 aulas com até 30 homens. A proposta é apresentar o debate sobre masculinidade aos homens que não têm afinidade com o assunto e aos que queiram desenvolvê-lo. O projeto está em processo de expansão e a intenção é que hajam rodas de conversa entre homens por todo o Brasil.

    Para Caio César, ressignificar a masculinidade e romper com a “caixa do homem” é compreender-se como agente de mudança e peça crucial da luta da igualdade de gênero. O caminho até a ruptura do ciclo de comportamentos e ações nocivas aos homens, e consequentemente às mulheres, garante o pesquisador, perpassa por abdicações. “O desafio maior é a coragem de se vulnerabilizar e abrir mão de posições, muitas vezes, bastante confortáveis, além de conseguir se posicionar perante os amigos/familiares/trabalho de uma maneira diferente, abrindo mão de muita coisa”, pontua.

    Além de todo o trabalho construído com as oficinas e rodas de conversa, o geógrafo também é um dos autores do livro “Diálogos Contemporâneos sobre Homens Negros e Masculinidades” , a obra que coloca em pauta as individualidades da masculinidade do homem negro, propondo uma reflexão acerca do recorte de raça e gênero. O livro será lançado pela editora Ciclo Contínuo Editorial no dia 9 de maio, na Galeria Olido, em São Paulo.

    “É um trabalho com um peso enorme para a construção do debate de masculinidade negra no Brasil, com um livro feito 100% por homens negros, bastante diverso. Minha expectativa é enorme e a ideia é que isso me impulsione para escrever um livro próprio”, garante Caio.

    Masculinidades, no plural

    Quando questionado sobre as referências usadas no debate sobre masculinidades, Caio menciona o professor e antropólogo Osmundo Pinho, o ator Terry Crews e o filósofo Frantz Fanon. Essas referências remetem à necessidade do recorte de raça e à pluralidade de masculinidades. Estudos acerca da masculinidade mostram a existência de uma masculinidade hegemônica, um arquétipo de masculinidade que tende a ser branco, ocidental e heteronormativo, logo, não contempla as vivências e pormenores encontrados na construção da masculinidade de todos que fogem desse padrão, como homens gays e transexuais, e homens negros, indígenas, asiáticos, entre outros.

    A partir da leitura de autores e autoras que criam novas narrativas e têm outras perspectivas em relação às masculinidades, Caio também entende a necessidade de discutir os recortes de gênero e raça em suas oficinas. As dinâmicas promovidas pelo projeto funcionam a partir das experiências dos alunos e o geógrafo defende a necessidade de diversidade entre os homens participantes. Para Caio, o trabalho promovido é uma via de mão dupla e gera grande impacto em sua vida pessoal no que diz respeito à sua masculinidade.

    “Estar em contato, por exemplo, com homens gays, bis e trans me faz, enquanto hétero-cis, repensar uma série de questões e comportamentos que nunca haviam passado pela minha cabeça. O interessante do debate de masculinidade é que ele nunca é só sobre gênero. Em toda construção, há outros recortes que impactam muito as relações, então repensar todos os outros privilégios é importante”, explica o professor.

    Após a viagem, o geógrafo pretende dar continuidade aos trabalhos relacionados ao livro e dar continuidade ao seu processo de produção de conteúdo em seu canal no YouTube e seu Podcast. Quanto aos meninos e homens que estão no processo de construção de sua masculinidade, Caio César deixa uma sugestão.

    “É um processo longe, às vezes difícil, mas extremamente necessário. Eu acredito que a grande maioria dos homens e meninos já entendem, de alguma forma, que o seu exercício de masculinidade é ruim e problemático sobre vários aspectos. Mas são pessoas que têm medo de mudar ou não sabem o caminho para isso. Mas é possível e positivo pra todo mundo”, finaliza.

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