Terreno onde estava a Ocupação Caguassu/MSTC desde 2015, em São Mateus, é particular e era objeto de disputa judicial há cerca de 4 anos; ‘a gente tinha um sonho que foi demolido’, diz morador
Desolação ao ver sonhos e expectativas demolidas por uma retroescavadeira. Assim as 205 famílias que viviam em um terreno na rua André de Almeida, em São Mateus, na zona leste de São Paulo, assistiram a reintegração de posse da área na manhã desta quinta-feira (30/5). A saída dos moradores foi pacífica e houve apenas um momento breve de tensão, quando um pequeno foco de incêndio atingiu uma área do terreno onde havia bastante madeira.
A Ocupação Caguassu, coordenada pelo MSTC (Movimento dos Sem-Teto do Centro), começou em agosto de 2015 em um terreno de 20 mil metros quadrados que pertencia à construtura PDG, cliente do Banco Pan, de acordo com a instituição. Em 23 de março do ano passado, de acordo com o Diário Oficial de São Paulo, a empresa entrou em recuperação judicial.
Alguns dias antes da reintegração, a situação estava tensa porque os moradores temiam repressão policial. A escola estadual que fica na mesma rua teve ordem de suspender as aulas por questões de segurança.
Além do movimento que coordena a ocupação, a Frente de Luta por Moradia e a Defensoria Pública de São Paulo uniram esforços para tentar evitar que a remoção das famílias acontecesse. De janeiro até agora, tratativas envolvendo até mesmo a Secretaria de Habitação de São Paulo e o banco hoje proprietário do terreno aconteceram, sem êxito. O resultado foi a saída das famílias. No terreno, havia casas de madeira, mas outras com estrutura um pouco melhor, onde já havia uma estrutura de alvenaria sendo montada ou mesmo blocos.
Caminhando com auxílio de uma bengala, Sandra Regina, 57 anos, pegou uma cadeira e sentou. Ela é uma das 1.100 pessoas que tiveram as casas demolidas. Suspirou e depois de uma pausa contou à reportagem da Ponte que vivia na ocupação há dois anos e meio e que, agora, não sabe para onde vai. “Tudo isso é muito ruim. Eu desde ontem que não como, não durmo. Eu nem sei onde é direito, mas estou indo porque senão eu ia ficar na rua. Hoje só quem tem vida é rico, pobre não tem. Mas um dia Deus vai mostrar que a gente tem vida também. Um dia vai chegar a nossa vez”, desabafa Sandra. Ela conseguiu retirar alguns móveis como máquina de lavar, cama, fogão e um jogo de mesa e cadeiras.
Outra família que, assim como dona Sandra, estava visivelmente perdida é a de Edson Silva dos Santos. Ao lado da companheira Gisele e do filho Thiago, de apenas 2 anos, ele conta que foram dados poucos dias para que as famílias se organizassem no sentido de buscar um outro local para viver. “Tivemos cinco dias para procurar uma nova casa. E um detalhe: para que o caminhão levasse nossas coisas, teria que ser distante no máximo 5 quilômetros daqui, o que já dificulta essa busca”, conta.
Gisele pontua que se sentiu desamparada pelo poder público. “Quatro anos que a gente está aqui, nunca tivemos assistência de prefeitura, de nada, ninguém nunca veio oferecer nada”, critica.
Rosiclaire Bento de Lima, 50 anos, uma das coordenadoras do MSTC que estava ao lado das famílias acompanhando a reintegração, reforça a crítica feita por Gisele sobre a ausência de um atendimento eficiente que pudesse trazer expectativa para que essas famílias chegassem ao tão sonhado momento de ter um canto para chamar de seu.
“As famílias agora vão voltar para o aluguel, vão ter que ficar em situação do tipo escolher se come ou se veste. A gente sabe a conjuntura política como está, muitas devem perder o emprego e vão acabar voltando para a rua. E a gente que acompanha a situação sabe que não houve atendimento, nem expectativa de que amanhã ou depois eles fossem conseguir moradia definitiva”, lamenta Rose.
O tempo que as famílias tiveram para se organizar e buscar um local para viver também foi objeto de crítica da liderança. “A última reunião no Batalhão da PM foi dia 7 de maio. A gente teve do dia 7 até o dia 23, são poucos dias, não deu para se organizar de forma satisfatória”, alegou.
Por volta das 11h30, uma jovem na calçada oposta ao terreno, Thayná Oliveira Alves, 21 anos, chamou atenção da Polícia Militar, que estava presente a todo momento e em grande quantidade, e de outras pessoas que acompanhavam a reintegração. Thayná se disse frustrada e desiludida, porque, após 4 anos vivendo na ocupação, perdeu tudo. Ela se queixou sobre a contribuição que o movimento recolhia das famílias no valor de R$ 100.
“A gente pagava a contribuição de 100 reais para assessoria jurídica e melhorias no terreno. A gente acreditava que iríamos ser abrigados pelo movimento em outro local. E agora? Eu sempre participei de assembleias, manifestações no centro, fortalecendo o movimento. Estamos nos sentindo desamparadas, eu sempre ajudei e contribuí e me sinto iludida com isso tudo. A gente queria uma solução e não vejo isso acontecendo. A gente luta pela moradia e acreditamos que isso aconteceria”, desabafou a jovem, emocionada.
Rose, uma das coordenadoras do MSTC, confirma que a contribuição de R$ 100 é para gastos gerais, melhorias, advogados, mas que nunca ninguém ficou sem ter um lugar mesmo não podendo pagar. “A gente tinha o apoio da Defensoria, mas a gente também tinha o auxílio jurídico particular. E a gente dava essa ajuda de custo para ela [advogada que acompanhou o processo que culminou na reintegração]”, explicou à Ponte.
A advogada Luciana Bedeschi, que acompanhou a reintegração junto ao movimento de moradia, disse que a negociação para evitar a reintegração foi feita esgotando todos os recursos possíveis. “O conflito é fundiário e coletivo. O movimento promete luta e não casa. As pessoas foram desalojadas depois de mais de três anos de luta, também no judiciário”, disse, também destacando que em assembleias e reuniões ao longo desse período todo havia abertura para que moradores tirassem dúvidas do processo e do que poderia acontecer. “O MSTC não tem um ‘parque de ocupações’ e todas estão em risco. Quem praticou a violência e abandono contra este povo foi o Estado e o banco Pan, que esperou a véspera para responder”, defendeu.
Outro lado
A Ponte procurou o Banco Pan que, em nota, explicou que a área pertencia à construtora PDG, cliente do Banco e que as famílias estavam realizando uma ocupação irregular. O processo de reintegração do terreno foi iniciado pela construtora em 2015 e, dois anos depois, a empresa ingressou na Justiça com pedido de recuperação judicial. Desde então, o Banco Pan assumiu o processo judicial do terreno. “A reintegração foi concedida pela comprovação de titularidade da propriedade e direito de posse do terreno. A retomada do imóvel, com o cumprimento do mandado judicial competente, e de amplo conhecimento dos envolvidos, foi conduzida de forma legal e o PAN deu todo o apoio necessário às famílias”, destacou a nota.
A Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) rebateu as afirmações de que não foi prestado auxílio às famílias durante o processo e informou, em nota, que equipes do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) São Mateus ofereceram serviços da rede socioassistencial e cadastro no CadÚnico para inclusão nos benefícios sociais. “Cabe acrescentar que ninguém aceitou acolhimento, mas o CRAS continua à disposição para atendimento a quem precisar”, diz a pasta.
“A Equipe de Solução de Conflitos da Secretaria Municipal de Habitação realizou a intermediação entre os proprietários e os ocupantes. Houve duas tentativas de acordo pra compra do terreno pelos moradores, ambas não foram aceitas pelo Banco Pan. Por se tratar de área particular e não ter determinação judicial, o Município não pode intervir”, aponta o texto oficial da secretaria.
A pasta destaca que, a qualquer momento, as famílias podem se cadastrar no programa habitacional do município. A demanda atual na cidade de São Paulo é de 110 mil famílias na fila de espera.
[…] ocupavam um terreno que pertencia à construtura PDG, a empresa entrou em recuperação judicial. Alguns dias antes da reintegração, a situação estava tensa no local, inclusive a escola estadual…; (iv) Morro dos Macacos, na região da Pedreira, divida com Diadema – onde 800 famílias […]