Entidades ligadas ao sistema prisional denunciam superlotação e Ministério Público aponta negligência; quatro presos foram mortos em transferência de presídio
Colaborou: Arthur Stabile
Algumas horas após a facção CCA (Comando Classe A), aliada ao PCC (Primeiro Comando da Capital), promover um motim e matar 58 presos do CV (Comando Vermelho) dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT), no sudoeste do Pará, o Ministério Público Estadual emitiu uma nota alertando para as condições precárias das instalações do presídio: uma rebelião, em setembro do ano passado, deixou toda a área do semiaberto destruída pelo fogo e a área nunca foi reformada.
Com capacidade para 163 presos, o presídio de Altamira estava com 343 presos, mais que o dobro da capacidade projetada, como apontou nota (leia integra aqui) no Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate a Tortura (MNPCT), que sofreu um duro golpe do governo Bolsonaro recentemente.
Em 2017, a promotoria de Altamira chegou a instaurar um inquérito para apurar por que as obras de construção de um novo presídio para atender a demanda da região estavam paralisadas. A unidade deve ficar pronta em outubro.
Nesta quarta-feira (31/7), o número de vítimas do massacre subiu para 62. Isso porque, de acordo com a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), quatro presos que estavam algemados sendo transferidos junto com outros 26 foram mortos por sufocamento entre Novo Repartimento e Marabá. “Eram da mesma facção e viviam juntos nas mesmas celas. Foram comparsas no confronto entre facções”, disse em breve nota a pasta da segurança, sem contudo detalhar as circunstâncias das mortes de Dhenison de Souza Ferreira, José Ítalo Meireles Oliveira, Valdenildo Moreira Mendes e Werik de Sousa Lima, e se estariam todos os 30 algemados.
O presidente Jair Bolsonaro definiu as mortes como “problemas que acontecem”, durante evento de assinatura de concessão de trecho da Ferrovia Norte-Sul, no interior de Goiás.
O governo Helder Barbalho (MDB) havia determinado a transferência de mais de 40 detentos que, segundo a Susipe (Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará), teriam iniciado o motim. Dez são apontados como líderes de facções e irão para presídios federais.
O secretário de Segurança Pública do Pará, Uálame Machado, chamou o caso de lamentável, nesta terça-feira (30/7), em coletiva de imprensa, e fez questão de eximir o Estado de qualquer responsabilidade. “Não foi uma ação do Estado. Não houve nenhum disparo do Estado. Houve uma briga de grupos criminosos dentro da casa penal e que houve a vitimização de parte dos grupos”, afirmou. “Por parte do Estado, de forma alguma, houve participação. Até porque não havia reivindicação nesse sentido, queixas de más condições, superlotação, foi uma briga interna de grupos criminosos”, afirmou.
Mas, para o Mecanismo e para o Copen-PA (Conselho Penitenciário Estadual do Pará), o Estado precisa ser responsabilizado. “Repudiamos a naturalização dos massacres no sistema penal, sobretudo na banalização da narrativa de apontar a responsabilidade dos fatos única e exclusivamente aos conflitos entre os internos. A responsabilidade pelas vidas custodiadas é do Estado, que tem como dever garantir o direito à vida e à integridade física dos presos e presas. Assim, a leniência e a omissão estrutural associada à ausência de uma política efetiva de desencarceramento apoiada em alternativas penais, expõe o conjunto da sociedade ao cotidiano de caos”, declarou o Mecanismo, em nota.
Já o Copen denunciou que o governo do Pará tem se negado a abrir o diálogo no sentido de encontrar soluções para um cenário de esgotamento das condições do cárcere. “Esse diálogo tem sido negado pelo mesmo, diálogo indispensável e crucial no intuito de discutir políticas para o combate do crescimento desenfreado da massa carcerária, o enfrentamento das facções criminosas, assim como o cumprimento da pena ou a custódia provisória de forma digna e humana”, aponta nota.
Em evento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, na Paraíba, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, repudiou o massacre e classificou como inaceitável que presos sejam mantidos em situação cruel, desumana e degradante. “Nós devemos nos unir neste esforço conjunto de promover aquilo que a Constituição determina, que é o cumprimento da pena justa em condições adequadas. A urgência dessas medidas é de prevenção de outras tragédias, tragédias que nos desonram muito como nação. O tamanho desse problema que repete ano a ano em diferentes estados da federação brasileira, é proporcional ao problema que nos choca”, afirmou.
Dodge lembrou que, recentemente, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) registrou aumento da população carcerária que chegou a 812 mil pessoas, atingindo um patamar inédito de encarceramento no país, sendo 330 mil – 41,5% dessa população – de presos provisórios. “Não foram condenados, mas estão encarcerados por razões autorizadas pela lei, estabelecidas pelo juiz. Esse dado denota a demora na entrega da sentença definitiva e a dificuldade que o sistema de justiça tem de utilizar o direito penal para o seu efeito mais desejado, que é o de inibir a prática de outros crimes”, concluiu.
Uma comissão foi formada na Alepa (Assembleia Legislativa do Pará) e deve seguir na sexta-feira para Altamira para averiguar as falhas de segurança que contribuíram para ocorrer o confronto entre as facções rivais, verificar quais acompanhamentos foram oferecidos às famílias das vítimas da chacina e a situação prisional dos detentos em condição provisória.
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