MC GH decidiu colocar sua revolta diante das 9 mortes em ação da PM em letra: ‘Polícia era pra dar proteção, era pra ser herói não vilão’, diz trecho da música
“Cada morte, meu bom, é uma mãe que chora. Na favela, amigão, madruga tenebrosa. Mas que louco mundão, tudo invertido agora. Polícia mata e rouba. E o prazer é o que? É o baile de rua. Mesmo assim eles chuta, taca bomba e machuca. Não posso falar muito, não vai ser inteligente, viraria estatística na lista de acidentes”. Esse é um trecho da música “Favela pede paz”, letra de MC GH e produção musical de DJ Rafinha PZS & Ozzy, feita essa semana por causa do massacre de Paraisópolis, no domingo, quando 9 pessoas morreram durante ação policial em um baile funk.
Na sequência, MC GH continua: “eles vêm na favela pra matar meus irmãos, mas não é assim não. Nem todo o favelado é ladrão, polícia era pra dar proteção, era pra ser herói não vilão”.
Em entrevista à Ponte, MC GH conta que quando soube da notícia, achou um absurdo. “Eu pensei: eu tenho que fazer alguma coisa, uma música em solidariedade às famílias e em homenagem às vítimas. Aí mandei pro Darlan [Mendes, ativista de direitos humanos] e ele disse que eu deveria falar mais para o público em geral, mesmo porque não é o primeiro caso de violência policial. De início eu ia colocar os nomes das vítimas, mas depois pensei justamente isso: não é um caso pontual, nem o primeiro. Acontece sempre. A música é pra isso, para criticar a violência policial”, explicou.
Aos 19 anos, MC GH é cria do Jardim Pantanal e canta funk desde os 10 anos. “Já passei por muita coisa nesses 9 anos. Já aconteceu mais de uma vez de contratarem meu baile e chegar no dia mandarem mensagem dizendo que a policia brecou o baile. E eu contava com a grana, sabe? É uma parada que é foda”, conta o MC, que cita, dentre suas referências, MC Lon, Daleste, Felipe Boladão e Chiquinho e Amaral. “O funk está em mim”, declara.
DJ Rafinha, morador de Paraisópolis, local do massacre, logo que soube da letra de Mc GH, topou ao lado de Ozzy fazer a produção musical de “Favela pede Paz”. Ele conta que chegou a frequentar bailes de rua como o Baile da DZ7, mas que hoje costuma tocar mais em casas noturnas. “Hoje em dia, quem mais frequenta é gente de fora. E com muita gente de fora dentro da comunidade, não tinha hora pra acabar. Concordo que isso prejudica moradores, atrapalha o sono, suja as ruas… Mas medidas violentas não resolvem o problema. Nunca. Funk é cultura, está nas ruas e em todo lugar”, afirma DJ Rafinha.
Ele definiu o massacre como “lamentável”. “Tantos jovens, que estavam ali somente atrás de diversão, perderam a vida de forma injusta ou se machucaram”, critica.
A música “Favela pede Paz” vai ter até um clipe, gravado nesta quinta-feira (5/12), no Jardim Pantanal, zona leste, com previsão de lançamento neste sábado (7/12).
Em entrevista à Ponte, o diretor do clipe, T-Rex, conta que foi muito especial dirigir o clipe de uma música que reflete um episódio que, de certa forma, dialoga com algo que ele viveu na pele. Em 2016, T-Rex foi vítima da polícia, já que foi preso e apontado como suspeito de um roubo que não cometeu. A versão da polícia valeu como prova e ele passou 2 anos e 11 meses preso. “Eu fui na delegacia para ver do que tinham me acusado e não saí mais. Não tinha o entendimento, não fui com advogado, afinal, quem não deve não teme. Na minha cabeça a acusação precisava de provas. No final das contas, eu que tive que provar minha inocência, mas depois de passar pelo calabouço”, conta.
T-Rex tem muita gratidão ao funk, já que, segundo ele, foi o que o fez voltar à vida depois da injustiça. “O funk me trouxe muita coisa, já fui viajar para muitos estados do Brasil, me deu muita oportunidade. Conheço muita gente, 90% do funk eu conheço e foi o funk que me trouxe pra vida de novo. É nossa vida, é o que a gente vive, é nosso sustento”, explica.
Sobre o episódio de Paraisópolis, T-Rex, que também é cria da zona leste, de Guaianases, entende como uma grande injustiça. “A maioria das pessoas de comunidade é honesta. Esse tipo de ação da polícia é muito injusta e sem necessidade. E aí tem coisa que não volta. Eu sou a favor da conversa, do diálogo. Acho que isso sempre resolve”, pondera.