Promotor recorre para tentar provar que chicotear menino negro é tortura

    Juiz havia inocentado seguranças do supermercado Ricoy do crime de tortura por amarrar, chicotear e filmar adolescente nu, mas manteve o de lesão corporal, que tem pena menor

    Manifestantes foram, em 7 de setembro, para frente do Ricoy onde menino foi chicoteado | Foto: Daniel Arroyo/Ponte Jornalismo

    O promotor Paulo Rogério Costa entrou com recurso para que a Justiça reconheça que, ao amarrar o adolescente negro de 17 anos nu e chocoteá-lo enquanto gravavam um vídeo para compartilhar nas redes sociais, os seguranças do supermercado Ricoy da Vila Joaniza, na zona sul da cidade de São Paulo, cometeram o crime de tortura.

    No dia 12 deste mês, o juiz Carlos Alberto Corrêa de Almeida de Oliveira, da 25ª Vara Criminal de São Paulo, decidiu pela condenação dos seguranças Valdir Bispo de Santos e David de Oliveira Fernandes por lesão corporal, cárcere privado e divulgação de cena de nudez de adolescente. No entanto, disse não ver tortura no crime.

    O juiz não condenou os seguranças pelo crime de tortura porque, segundo ele na decisão, as agressões contra o adolescente “não foram com a finalidade de obter informações e também não foram aplicadas por quem estava na condição de autoridade, guarda ou poder”.

    Conforme a Lei 9.455 de 1997, se caracteriza crime de tortura ao “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental” para, entre outras coisas, obter “informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceiros”. Aponta ainda que, ao “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”, também deve ser considerado tortura.

    O crime aconteceu no mês de julho deste ano, mas as imagens só vieram à tona no início de setembro. No vídeo, o menino negro aparece amordaçado, sem camisa e com as calças abaixadas. Ele é chicoteado por seguranças, que registram as agressões.

    Pelos crimes de cárcere privado, lesão corporal e divulgação de nudez do adolescente, a pena foi de pouco mais de quatro anos. Já o crime de tortura prevê pena de dois a oito anos de reclusão, podendo superar os 10 anos com o agravante de ter sido cometido contra adolescente.

    Dois dias depois da absolvição do crime de tortura, a 5ª Promotoria de Justiça Criminal da Capital paulista entrou com recurso dizendo que, diferentemente do que foi apresentado pelo juiz, existia relação de poder entre os seguranças e o adolescente chicoteado.

    Para o promotor Costa, a relação de poder passou a existir depois que os seguranças pegaram o adolescente supostamente furtando chocolates no supermercado e o levaram para um espaço reservada para ficar sob guarda dos funcionários do supermercado Ricoy.

    Ainda segundo o promotor, esse procedimento de levar o menino para um local reservado foi dentro da legalidade, no entanto, “após a ação legítima de apreenderem o menor infrator, ora vítima, deveriam os apelados [seguranças] comunicarem os fatos a respectiva autoridade policial, o que não o fizeram”. 

    No recurso, Costa disse ainda que, ao longo do processo e principalmente com base nos depoimentos do adolescente, “ficou claro que a motivação dos açoites perpetrados no corpo da vítima era uma consequência, ou seja castigo cruel e desproporcional, por ter a vítima subtraído barras de chocolate do supermercado”.

    O promotor também destaca que a condenação pelo crime de tortura não deve interferir ou cancelar outros crimes pelos quais os seguranças foram condenados, já que “os açoites integram o crime de tortura e a privação de liberdade o cárcere privado, este com aumento de pena em razão da vítima ser menor de 18 anos”.

    No recurso, a promotoria pede que seja acrescido na pena a metade da condenação aplicada em primeira instância, além de ser aplicada a condenação pelo crime de tortura. 

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