Especialistas ouvidos pela reportagem avaliaram como correta a ação de PM que matou dois suspeitos; “se fosse descoberto pelos ladrões, teria sido morto”, afirmam
O policial militar que matou dois suspeitos durante um arrastão em um ônibus em Guarulhos, na Grande São Paulo, agiu corretamente e para preservar a própria vida. Essas são as avaliações de um policial civil e um PM da reserva ouvidos pela Ponte. O PM não estava fardado.
“Na minha avaliação, foi uma situação extrema e não sobrou muita alternativa para o policial. As normas indicam que quando houver a possibilidade de colocar a vida de terceiros em risco, deve-se evitar ao máximo a ação. O ônibus estava com passageiros, o policial atirou contra a pessoa que estava praticando o roubo e poderia acertar outras pessoas. Esse é um fator que tem que ser levado em consideração. O outro, é que ele poderia ser identificado como policial e ser morto pelos criminosos. Ele se antecipou para não ser morto”, avaliou o tenente-coronel aposentado da PM paulista Adilson Paes de Souza, mestre em Direitos Humanos e autor do livro “O Guardião da Cidade – Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares”.
O policial civil Alexandre Félix Campos, integrante do Movimento Policiais Antifascismo concorda. “Uma prática que é bastante comum em roubos em coletivo é que os caras entram e falam ‘se tiver polícia aqui vai morrer’. A ação desse policial foi 100 por cento correta. Ele agiu em defesa própria e de terceiros. Ele não é herói, mas também não é vilão. Ele é só um trabalhador da segurança pública, que provavelmente estava andando de ônibus por não ter condições de ter um carro próprio, que agiu adequadamente”, explicou.
Alexandre rejeita a expressão “uso progressivo da força”, adotada por especialistas em segurança pública, e afirma que o correto é “uso proporcional da força” e cita como exemplo uma reintegração de posse.
“Uma ocupação de sem teto, como aconteceu há alguns anos o caso de Pinheirinho, onde havia muitas crianças e mulheres. Em que momento vai ter uma ação violenta por parte dessas pessoas que vai ser necessário a tropa de choque? Nunca. O máximo de resistência que elas vão oferecer é não se retirar do lugar. O uso, nesse caso, não foi proporcional e por isso que virou um caso emblemático de uma ação equivocada. A escolha é entre vidas e patrimônio e o pacto social diz que a vida vale mais. A ação desse policial no coletivo foi completamente adequada e proporcional, porque existia uma violência colocada e ele estava vulnerável”, explicou.
O caso aconteceu no bairro Ponte Grande, na sexta-feira (14/2), e, no dia seguinte, o governador João Doria usou o Twitter para anunciar que o PM será homenageado. “A opção de confronto é do criminoso. Em SP, bandido que enfrentar a polícia perderá”, escreveu.
Na avaliação do investigador Alexandre Félix, a questão não é se o policial merece ou não ser homenageado, mas a intenção do governador e o recado dado. “Será que isso não gera um novo paradigma para que o policial entenda que só é valorizado quando ele mata? [A homenagem] pode reforçar a ideia de que o policial bom é o que mata. Naquela sexta-feira, milhares de policiais voltaram para a casa e tinham protegido vidas, cumpriram a lei e fizeram o uso proporcional da força, como esse policial. Então quer dizer que todos merecem ser homenageados”, disse Alexandre Felix.
Para o policial, há também o risco de expor o profissional ao homenageá-lo. “Ele pode encontrar pessoas ligadas a essas pessoas que morreram no seu dia a dia. Não é segredo para ninguém que a maioria dos policiais moram em periferia e escondem a farda por segurança. A gente esta mais uma vez falando de um trabalhador em situação de vulnerabilidade que precisa ser cuidado”, alerta. “Ele agiu corretamente, mas será que ele está bem? Será que não precisa de um acompanhamento psicológico?”.
Alexandre Félix também questiona a intenção por trás da homenagem. Segundo ele, João Doria pode estar querendo ficar bem entre os policiais, uma vez que ele vetou um projeto de lei do deputado estadual Raul Marcelo (Psol-SP), que previa auxílio a policiais vítimas de violência e seus familiares, uma demanda da categoria.
“Será que essa homenagem não é uma cortina de fumaça para esconder o desprezo que o governo tem do policial? Talvez o policial mereça, sim, uma homenagem. Mas questiono o governo sobre qual a intenção. E os cuidados a esse policial, quando serão oferecidos?”, conclui.
A Ponte procurou a Secretaria de Segurança Pública de SP, através de sua assessoria privada InPress, é questionou como a pasta avaliava a ação do policial e quais seriam os desdobramentos do caso.
Em nota, a SSP-SP confirmou as informações de que duas pessoas foram mortas, duas fugiram e uma quinta foi baleada no ombro. “O Setor de Homicídios e Proteção à Pessoa da cidade investiga e já iniciou diligências para esclarecer todas as circunstâncias e localizar os dois fugitivos. A PM instaurou um inquérito para apurar o caso”.