Políticos ligados à pauta da segurança pública “surfam” na greve mirando eleições municipais; para especialista, “PM sempre foi usada com fins políticos e eleitorais”
A insatisfação dos policiais e bombeiros militares do Ceará que estão em greve desde terça-feira (18/2) tem evidente ligação com a campanha salarial, encerrada no último dia 13 de fevereiro, com derrotas e conquistas para a categoria. Isso é verdade.
Mas desprezar o caráter eleitoral e as interferências políticas na paralisação da Polícia Militar do estado, que chega em seu terceiro dia, seria um equívoco, segundo o Luiz Fabio Paiva, professor e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência da Universidade Federal do Ceará (LEV-UFC).
“Existe uma disputa com intervenções na vida dos policiais que não visam apenas a dinâmica do seu trabalho, mas angariar votos seja pela invenção de projetos e programas ou pelo uso político da categoria como é o caso de vários políticos que construíram sua trajetória como integrantes de ‘bancadas da bala'”, avalia.
Um dos primeiros vídeos do início da paralisação foi feitos pelo ex-deputado federal e vice-presidente regional do partido Avante, Cabo Sabino. A Ponte apurou que ele tem costurado uma possível candidatura à prefeitura de Fortaleza. Ao telefone, ele negou. “Uma coisa não tem nada a ver com a outra”, disse à reportagem. “Todo ano ou é ano político ou pós político. Você não escolhe o período da reivindicação de suas pautas”, disse Sabino.
Apoiador do presidente Jair Bolsonaro desde antes de ele ser eleito, Cabo Sabino tem se colocado como um porta-voz do movimento grevista e engrossado o tom contra o governador petista Camilo Santana. “Ele enganou a categoria. Havia combinado um reajuste para soldados de R$ 4.500 e, na verdade, fez uma manobra para incluir benefícios que já existiam e chegar nesse valor”, declarou em entrevista à Ponte.
Para o professor Luiz Fábio Paiva, as interferências políticas na força de Polícia Militar do Ceará são históricas, mas se evidenciaram, sobretudo, após a greve de 2012, episódio citado por um dos articuladores da campanha salarial dos militares, deputado federal Capitão Wagner (PROS), e pré-candidato a prefeitura de Fortaleza. No dia 13 de fevereiro, quando foi anunciar publicamente o encerramento das negociações salariais, o parlamentar disse o seguinte: “Assim como aconteceu em 2012, o governo propôs abono salarial e quando se fala nisso, nem militares inativos, nem pensionistas seriam beneficiados. A gente rechaçou isso”.
Foi também o Capitão Wagner que, embora não estivesse no quartel em Sobral, onde Cid Gomes foi baleado nesta quarta-feira (19/2), acusou o senador licenciado e ex-governador do Ceará de tentativa de homicídio. O deputado registrou um boletim de ocorrência contra Cid Gomes.
Para Luiz Fábio Paiva, pesquisador do LEV-UFC, todo mundo errou no episódio em Sobral, mas nada pode justificar balear alguém daquela forma. “Cid Gomes agiu para sua autopromoção, com um trator que ele joga em cima dos manifestantes. O mais absurdo é que ele contou com o apoio de várias pessoas, inclusive autoridades para uma ação arbitrária e completamente desprovida de qualquer legitimidade”, analisou.
Paiva afirma que o disparo só aconteceu porque os policiais desrespeitaram a previsão legal de não portarem armas em caso de greve. “Isso precisa ser respeitado mesmo quando a categoria luta por reivindicações legítimas. Era de responsabilidade de outras autoridades intervir”, critica, descartando qualquer possibilidade de legitimar a declaração dos policiais de que teriam agido em legítima defesa.
Voo de galinha
Em transmissão na manhã desta quinta-feira (20/2), o Capitão Wagner, mais uma vez se colocou como porta-voz da categoria, e, em transmissão na página dele no Facebook, na frente do palácio da Abolição, acusou Camilo Santana de não abrir diálogo e frisou que o governador é do PT. “Se diz governo do diálogo e não permite nossa entrada sequer para protocolar um pedido de reunião com o governador. A hora de pedir ajuda para o governo federal, pega rápido o telefone”, afirmou em referência ao envio da Força Tarefa de Intervenção Penitenciária ao Ceará diante da crise dentro e fora do sistema prisional em janeiro do ano passado.
Isso aconteceu exatamente sete dias depois de, ao lado de emocionadas lideranças de associações militares do estado, anunciar os reajustes salariais conquistados. “Não foi o ideal, mas foi o que conseguimos”, declararam, em uníssono, se desculpando com a audiência porque não tinham conseguido o que queriam.
Estão junto com Capitão Wagner, o sargento Reginauro, presidente da Associação de Profissionais da Segurança (APS) e vereador de Fortaleza, soldado Noelio, membro da APS e deputado estadual, e tenente Pedro, presidente da Associação dos Oficiais da Polícia e Bombeiro Militar.
Em áudios obtidos pela reportagem, Cabo Sabino afirma que greve é para quem é corajoso e critica lideranças de associações, sem citar nomes. Questionado pela Ponte, Sabino minimiza e diz que o que motivou a fazer a declaração é que o Ministério Público proibiu as associações de profissionais da Segurança Pública de mobilizarem movimento grevista sob pena de multa.
A Ponte apurou que, na verdade, Sabino, que no passado presidiu representações da categoria, quer a todo custo voltar a ter prestígio e assim construir sua candidatura.
Para Luiz Fábio Paiva, os interesses de capitalizar nas próximas eleições são evidentes e é preciso questionar a legitimidade de figuras como essas estarem à frente de um movimento grevista. “Todos sabem do movimentos de Wagner em relação à eleição municipal. Será a pessoa mais qualificada para falar em nome da categoria nesse momento? São políticos vinculados a movimentos que pregam bandeiras autoritárias e nenhum diálogo com grupos de esquerda. Em um momento tão difícil da conjuntura nacional, esses políticos tomam a frente de uma negociação delicada, com claros objetivos eleitorais e interesses pessoais relativos ao seu capital político”, avalia o pesquisador.
Violência contra jornalistas
O tom dos grevistas diante da cobertura da imprensa ficou agressivo nos últimos dias. Isso ficou explícito nas redes do Cabo Sabino, que afirmou que “jornalistas não tinham coragem de ir até o local da paralisação para mostrar a verdade”.
O Sindicato dos Jornalistas do Ceará, com apoio da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), lançou uma nota contra a violência contra jornalistas por parte dos PMs em greve. Segundo o comunicado, ao menos três profissionais sofreram algum tipo de violência durante a cobertura.
“Um repórter fotográfico da Prefeitura de Sobral teve a câmera arrancada pelos policiais que se manifestavam em um batalhão da cidade. Ainda no município, onde foi registrado o conflito entre os PMs e o senador licenciado Cid Gomes, uma equipe da TV Verdes Mares foi impedida de realizar uma cobertura ao vivo. E, por fim, outra equipe da Verdes Mares foi expulsa de local em que realizava reportagem no bairro Antônio Bezerra, em Fortaleza”, detalha a nota, destacando que os jornalistas não representam a linha editorial dos veículos para onde trabalham.
“É inadmissível que uma categoria em greve, supostamente lutando por direitos, reprima e impeça o livre exercício do trabalho jornalístico, agindo com hostilidade contra repórteres, repórteres cinematográficos e repórteres fotográficos”, diz outro trecho do texto do sindicato, que também sugere que profissionais tomem medidas preventivas e avaliem o risco durante a cobertura.
Outro lado
A Ponte procurou o governo de Camilo Santana (PT) através da assessoria de imprensa do órgão, solicitando esclarecimentos sobre a declaração de Cabo Sabino, mas, até a publicação da reportagem, não havia retorno.
Às 17h desta quinta-feira, Capitão Wagner escreveu em seu Facebook que uma comissão foi recebida na Secretaria de Segurança Pública do Ceará, pelo secretário André Costa, e a pauta de reivindicação foi apresentada.