Bloco desafia proibição da PM e desfila em SP

    Blocolândia aconteceu no bairro da Luz, centro de São Paulo; segundo polícia, aglomeração de foliões levaria risco às ‘pessoas em situação de vulnerabilidade’

    Concentração do Blocolândia na Rua Helvétia, centro de São Paulo | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    Apesar da proibição da PM de São Paulo, um bloco de carnaval desfilou pelo centro da capital paulista. O Blocolândia, feito na região da Cracolândia, no bairro da Luz, reuniu cerca de 130 pessoas na tarde desta sexta-feira (21/2).

    O pedido para a realização do bloco havia sido aprovado pela Prefeitura de São Paulo. Estava tudo certo para acontecer até uma publicação no Diário Oficial desta sexta, feita pela PM, que apontava para a proibição da saída do bloco. Não havia explicação do motivo para o impedimento.

    Bloco aconteceu no bairro da Luz, centro da capital paulista | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    A publicação tratava apenas do cancelamento da autorização para o desfile e trazia que a determinação vinha da Polícia Militar, mas sem apresentar justificativas. A concentração do bloco estava prevista para às 13h, com saída às 16h e encerramento às 18h. O que foi feito.

    Mesmo com a proibição, os organizadores do bloco decidiram manter a festividade. Para eles, a ação feita em cima da hora pela PM era um recado, ainda mais tendo eles, pelo primeiro ano desde 2014, decidido oficializar o bloco – até então, o Blocolândia era feito fora da lista oficial do carnaval paulistano.

    Integrantes do fluxo pegaram instrumentos e comandaram o som do bloco | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    Quem organizou a festa detalhou que o bloco é feito por “trabalhadores, ex-trabalhadores, usuários, ex-usuários e militantes” que atuam na região da Cracolândia. “É para mostrar que as pessoas têm muito mais histórias além do crack”, resumiu Rafael Escobar, integrante do coletivo Craco Resiste.

    “Tem toda uma importância de ocupação do espaço público que essas pessoas não são permitidas e que, nesse momento do carnaval, se permite. É um ato de resistência”, prosseguiu Escobar. Segundo ele, os moradores da região, que “não gostam deles [usuários]”, dançam junto e têm uma imagem diferente durante a festa em comparação com a que têm no dia a dia.

    Aproximadamente 130 pessoas participaram da edição 2020 do Blocolândia | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    O grupo se reuniu na esquina da rua Helvéria com a Dino Bueno e, após conversa com a GCM (Guarda Civil Metropolitana), deu início à caminhada. O trajeto passou pela Alameda Ribeiro da Silva e pela Alameda Creveland antes de retornar à Rua Helvétia.

    Como previsto por Escobar, quem estava em comércios e casas no caminho da festa dava sinais de aprovação. Iam às janelas por causa do som do bloco e aproveitavam um pouco da comemoração, fazendo gestos a quem estava na festividade. Ao passar por uma escola infantil, as crianças olhavam com atenção o que acontecia na rua.

    Festividade era uma espécie de “desbaratinagem” para quem está no fluxo, como contou um dependente químico | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    A bateria dava o tom do festejo. Militantes de movimentos que contribuem com as pessoas da Craco se misturavam aos dependentes químicos. A festa era uma forma de mostrar que ali há vidas. Por um momento, quem passa os dias na região e participou do bloco “deu uma desbaratinada”, como afirmou um dos usuários.

    O psiquiatra Flávio Falcone era um dos profissionais presentes. Segundo ele, fazer o bloco é uma forma de reafirmar seu compromisso com os usuários de evidenciar que “o sistema de política pública de drogas é de controle social”.

    Vereador Eduardo Suplicy (PT) esteve no bloco em sua parte final | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    “É a manutenção de uma estrutura que sempre existiu, uma estrutura colonial. A proibição desse bloco faz parte de um projeto político de controle do prazer. Através dele, se controla a pessoa”, argumentou o profissional.

    Encerramento do bloco ocorreu no mesmo ponto de saída, na Rua Helvétia | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    A Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública, comandada neste governo de João Doria (PSDB) pelo general João Camilo Pires de Campos, sobre o motivo do cancelamento do Blocolândia. Em nota enviada às 8h50 deste sábado (22/2), a pasta explicou que o motivo da proibição era que “a aglomeração de foliões pode levar às pessoas em situação de vulnerabilidade”.

    Participantes se divertiram com abadás do bloco e glitter | Foto: Arthur Stabile/Ponte

    A reportagem também questionou a Polícia Militar, liderada pelo coronel Marcelo Vieira Salles. Às 21h38 desta sexta-feira (21/2), a corporação explicou por e-mail que “em nome da transparência que lhe é peculiar”, que encaminharia a demanda ao Comando PM local e responderia, “dentro da razoabilidade, assim que dispusermos dos dados a respeito”. Na manhã de sábado, apresentou a mesma justificativa da SSP em nota enviada às 10h30.

    Atualização às 22h16 da sexta-feira (21/2) para incluir resposta da PM. Nova atualização às 14h05 de sábado (22/2) para acrescentar nota da SSP e novo posicionamento da Polícia Militar.

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