SP tem quase 1/3 das mortes misteriosas em 2018: governo não sabe se foram matadas ou morridas

    Segundo Atlas da Violência, números são um ‘escândalo’; diretora-executiva do FBSP explica que índice de mortes violentas com causa indeterminada gera desconfiança sobre estatística que aponta queda dos homicídios

    Fachada do Instituto Médico Legal da zona sul da capital paulista | Foto: Reprodução / Google Maps

    Em 2018, as MVCI (mortes violentas com causa indeterminada), ou homicídios ocultos, tiverem um aumento de 25,6% em relação ao ano anterior: 2.511 mortes a mais do que em 2017.

    O dado foi divulgado pelo Atlas da Violência 2020, levantamento feito pelo FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) em parceria com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), vinculado ao Ministério da Economia, lançado em 27 de agosto.

    Segundo a pesquisa, 2018 é recordista de homicídios que o Estado não conseguiu responder o motivo da morte, com 12.310 mortes em que as vítimas foram enterradas na “cova rasa das estatísticas”.

    Em São Paulo, aponta o Atlas, a perda de qualidade das informações chega a ser “escandalosa”: em 2018, o estado registrou 4.265 MVCI, das quais 549 pessoas foram vitimadas por armas de fogo, 168 por instrumentos cortantes e 1.428 por objetos contundentes.

    Chama a atenção a diferença dos números de MVCI em SP ser muito maior em outros estados que apresentam o mesmo problema. São Paulo representa 34,6% dos casos nacionais de MVCI, enquanto Bahia representa 12%, Rio de Janeiro 11.6% e Minas Gerais 10%.

    Para entender os homicídios ocultos, explica a socióloga Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, devemos começar do começo. Quando uma pessoa morre de forma violenta, seu corpo é levado para o IML (Instituto-Médico Legal), onde um médico legista faz um atestado de óbito. É esse documento que é utilizado pelo Ministério da saúde para gerar as estatísticas no Datasus (Departamento de informática do Sistema Único de Saúde do Brasil).

    “O Datasus não tem apenas dados de mortes violentas, mas, no caso dos homicídios, a gente foca nas mortes por causas externas. Entre as mortes por causas externas, um dos CIDs [Classificação Estatística Internacional de Doenças] engloba os códigos de mortes por agressão. Ou seja, seria o equivalente ao homicídio ou latrocínio, por exemplo, no Código Penal”, aponta.

    Leia também: Homicídios de pessoas negras aumentaram 11,5% em onze anos; os dos demais caíram 13%

    Dentro dessas mortes por causas externas, continua Bueno, há uma categoria que são as mortes por causa indeterminada, que é quando o “médico legista diz que é uma morte violenta, que tem os indícios de que é violenta, mas ele não sabe dizer se é um acidente, uma agressão ou suicídio”.

    Apesar de ser um dado divulgado por um técnico, em São Paulo, argumenta Bueno, essa questão “desandou”. “Mas não sabemos exatamente onde está o problema. O problema é no IML, que não tá atestando a causa? Se sim, por quê? Falta recursos humanos pra fazer tudo, falta equipamento, ou é alguma questão de outra ordem?”, questiona.

    “No Rio de Janeiro, quando isso aconteceu, a justificativa era que eles não queriam ser chamados pra depor como testemunhas no Tribunal. O problema também pode ser na Saúde, que não está processando os dados direito”, completa.

    Apoie a Ponte!

    Ainda que haja indícios fortes que uma pessoa foi vítima de projétil de arma de fogo, detalha a socióloga, quem faz o documento não quer ser “obrigado” a dizer que tem características de agressão.

    “Mas é [um dado] muito alto e maior até que os homicídios, o que é muito ruim inclusive pro governo, pois gera uma enorme desconfiança sobre a veracidade da queda dos homicídios em São Paulo. Se você tem mais morte violenta por causa indeterminada do que homicídio, como garantir que o dado de homicídio tá certo?”, finaliza.

    Outro lado

    A reportagem procurou a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo, para questionar como esses dados são coletados nos IMLs, e o Ministério da Saúde, e aguarda retorno.

    Já que Tamo junto até aqui…

    Que tal entrar de vez para o time da Ponte? Você sabe que o nosso trabalho incomoda muita gente. Não por acaso, somos vítimas constantes de ataques, que já até colocaram o nosso site fora do ar. Justamente por isso nunca fez tanto sentido pedir ajuda para quem tá junto, pra quem defende a Ponte e a luta por justiça: você.

    Com o Tamo Junto, você ajuda a manter a Ponte de pé com uma contribuição mensal ou anual. Também passa a participar ativamente do dia a dia do jornal, com acesso aos bastidores da nossa redação e matérias como a que você acabou de ler. Acesse: ponte.colabore.com/tamojunto.

    Todo jornalismo tem um lado. Ajude quem está do seu.

    Ajude
    1 Comentário
    Mais antigo
    Mais recente Mais votado
    Inline Feedbacks
    Ver todos os comentários
    trackback

    […] Fonte: SP tem quase 1/3 das mortes misteriosas em 2018: governo não sabe se foram matadas ou morridas &#82… […]

    mais lidas