Gabriel Ribeiro, 18, ficou encarcerado por quase dois meses após ser detido por PMs. Morador da periferia de São Paulo, ele diz que seu CEP pesou na hora da prisão e ainda luta para ser absolvido
O jovem Gabriel Apolinário Ribeiro, 18 anos, só tem um pensamento desde que deixou o CDP (Centro de Detenção Provisória) de Osasco, na Grande São Paulo, em 11 de setembro: provar sua inocência e andar de cabeça erguida, sem se preocupar em voltar para o lugar em que passou seus dias mais angustiantes.
Gabriel foi detido na manhã do dia 13 de julho sob a alegação de que traficava drogas nas proximidades do conjunto habitacional em que vivia com sua avó, uma senhora de 65 anos, no Jardim São Luís, na zona sul de São Paulo. Segundo o jovem, ele saía de casa para encontrar um amigo e correr pelo bairro quando foi abordado pelos policiais militares Hermes Vicente Ferreira e Alex Bezerra da Silva, do 1° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano. Levado até a delegacia, os policiais apresentaram ao delegado do 92° DP (Parque Santo Antônio) uma mochila cheia de drogas no qual afirmaram ser de Gabriel.
O estudante universitário nega qualquer possibilidade do crime, e sustenta que nunca viu tal mochila. Em uma carta escrita para a mãe enquanto ainda estava na delegacia, ele disse “reza por mim. Eu não estava traficando’.
Leia também: Em carta, jovem negro preso afirma ser inocente e pede à mãe: ‘Reza por mim. Eu não estava traficando’
Gabriel teve a prisão revogada por determinação do STJ (Superior Tribunal de Justiça), já que os magistrados paulistas alinhados com o Ministério Público Estadual negaram sua liberdade, sob o pretexto do tráfico ser um crime grave. No entanto, sem levar em consideração a versão do jovem, sua matrícula em um curso superior, bons antecedentes e endereço fixo.
“Eles fizeram isso porque acharam que eu era um ninguém. Trabalho desde os 14 anos. Isso o Estado não vê, isso o promotor não viu. Só viu minha cor e o lugar onde eu moro. O que fizeram foi muita sacanagem. Eu ainda me revolto”, disse Gabriel.
A equipe de reportagem da Ponte esteve na casa da mãe de Gabriel, a consultora de vendas Danila Apolinário Gonçalves, 33 anos, onde pode ver os temores que a prisão do adolescente ainda causam. Assim como muitas famílias que sofrem violência por parte do Estado, eles resolveram se mudar para outro bairro, deixando para trás tudo que conquistaram.
A avó de Gabriel também estava na residência no momento da entrevista. Ela não gosta de falar ou aparecer, já que prefere se preservar, uma vez que o medo ainda é a palavra mais usada pela família. Medo de retaliação, medo de que o estudante universitário seja forjado novamente, segundo a família. “Eu só quero seguir em paz, sem essa preocupação na minha cabeça”, contou o jovem.
Leia também: Após 59 dias preso, universitário negro é solto com decisão do STJ
“O Gabriel saiu mais ele continua preso. A gente tem medo de ele sair de casa. É bem difícil. O Gabriel é bem tranquilo, obediente. Eu e o pai dele sempre fomos motoristas dele. Levamos e buscamos em todo lugar para não ficar solto na rua. Ficava cuidando da avó. A gente tem muito medo, mas tem que se expor, mostrar a verdade. Hoje, a gente tem medo da polícia e do bandido”, pontuou Danila.
Em virtude dos quase dois meses que permaneceu preso, Gabriel Apolinário Ribeiro perdeu o prazo para se rematricular no curso de marketing que frequenta na Unip (Universidade Paulista). No entanto, ele espera voltar no próximo semestre. Sua intenção é, depois de se formar em marketing, iniciar uma segunda graduação em economia.
Os números já fazem parte de sua rotina, uma vez que, horas antes de ser abordado pelo PMs, ele operava seu dinheiro na bolsa através do aplicativo IQ Option, uma das muitas corretoras de opções binárias na internet.
“Um risco para a sociedade? Minha carteira de trabalho e meu estudo não serviram para nada? Na periferia tem muita gente atrás do progresso. Agora é correr atrás e conquistar tudo que eu estava conquistando.”
Leia também: Juiz Nicolitt: ‘A pele negra é a pele do crime, como diz o Baco Exu do Blues’
Além de ter perdido o prazo para rematrícula da faculdade, a atitude dos PMs ao levar Gabriel preso ainda trouxe um outro prejuízo. O jovem conta ter desembolsado R$ 235 para realizar um curso online sobre movimentações financeiras. No entanto, no dia da aula, ele ainda estava preso.
Sobre os dias que passou na cadeia, Gabriel conta que não sai de sua memória as ofensas proferidas por agentes penitenciários a ele e a outros presos. “Na cadeia era chamado de Exu, vagabundo, filho do demônio, além de andar de cabeça baixa”.
Na busca de provar a inocência de Gabriel, seus defensores encaminharam à Justiça um pedido de novas diligências. Sem objeções do promotor Luís Guilherme Gomes dos Reis Sampaio Garcia, o pedido foi aceito.
Entre os 10 pedidos estão: que a Polícia Militar forneça a cópia das comunicações via rádio entre os policiais e o Copom (Centro de Operações da Polícia Militar); além da informação se a viatura ocupada pelos soldados Hermes Vicente Ferreira e Alex Bezerra da Silva possui GPS. Neste caso, a intenção é “que permita confrontar o percurso efetivado no curso daquela diligência e abordagem policial em Gabriel (já que o numeral constante do BO como sendo aquele no qual Gabriel fora abordado sequer existe naquela rua)”.
Segundo o advogado Bruno Borragine, do escritório Bialsk Advogados, que representa os interesses do estudante universitário, “a defesa aguarda a realização das diligências para depois se manifestar em complementação a defesa prévia anteriormente apresentada. Certamente o resultado dessas diligências vai mostrar a verdade dos fatos”.
Outro lado
Procurada pela Ponte, a Policia Militar respondeu em nota que “o caso é apurado com o acompanhamento da Corregedoria da instituição. A referida decisão do STJ não contesta a legalidade da prisão, que foi registrado no 92º Distrito Policial, analisada e julgada pelo Ministério Público e pela Justiça Estadual”. Já o Ministério Público, também em nota, disse que “o promotor de Justiça Luis Guilherme Gomes dos Reis Sampaio Garcia informa que não há como responder a nenhuma das questões sem adentrar o mérito da causa ou antecipar entendimento, o que violaria a busca da verdade real e a imparcialidade também inerente à função do Promotor de Justiça. Todos os elementos e provas produzidas serão oportunamente analisados com o cuidado necessário”.