Jeremias Moraes da Silva foi baleado com tiros de fuzil na porta da casa da sua professora de violão em fevereiro de 2018, na Maré, no Rio de Janeiro. Inquérito inicial foi ‘inconclusivo’ e MP abriu nova investigação
Nascida e criada no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, Vânia Moraes da Silva teve cinco filhos, Jeoás, 23; Isaías, 21; Gabriel, 18; Jeremias, 13 e Samuel, 12. Evangélica da Assembleia de Deus, é conhecida por muitos na Nova Holanda, favela onde mora na Maré. No dia 6 de fevereiro de 2018, saiu cedo de casa para ir ao velório de um “irmão” da igreja. Não se despediu dos filhos para não acordá-los. Ao voltar para casa no fim da tarde, numa parada para um lanche perto do Hospital Geral de Bonsucesso, viu seu marido saindo da portaria da unidade de saúde. Logo olhou no grupo de WhatsApp da igreja para saber se algo havia acontecido. E aconteceu. Lá, soube que seu filho Jeremias havia sido baleado e estava no Hospital Municipal Souza Aguiar.
Jeremias Moraes da Silva era um menino peralta, louco por bola. Fazia aula de violão e cantava na igreja. Estudava na Escola Municipal Helio Smidt e, segundo o professor Eduardo Gomes Oliveira, era um aluno com notas medianas, mas com olhar curioso e muito perguntador. Era uma tarde de segunda-feira de verão na Maré, e Jeremias costumava participar do futebol na Praça da Nova Holanda e também das atividades da Biblioteca Lima Barreto. Nesse dia, ele iria treinar o novo hino da igreja na casa da professora de violão. Jeremias foi morto pelas costas com quatro tiros de fuzil em frente à casa da professora. Ele estava com um pirulito na mão e segurava a maçaneta da porta na outra. Traumatizada, até hoje a professora não se recuperou e sequer consegue conversar sobre o ocorrido.
Dona Vânia, mãe de Jeremias, em depoimento ao Maré de Notícias
A tarde estava tranquila, sem operação policial ou conflito entre os grupos civis armados, apenas os barulhos constantes de motos circulando e crianças brincando. Mesmo com essa aparente tranquilidade, um blindado do 22º Batalhão de Polícia Militar encontrou Jeremias. A perícia comprovou que o tiro veio do “caveirão” que havia acabado de sair do Batalhão, atirando. “Eles alegam que foi em legítima defesa. Quero saber de quem? Com que arma que meu filho atirou? Com pirulito? De costas? Atiraram num menino de 13 anos, um tiro de fuzil pelas costas. Foi uma covardia! Eles vieram pra matar e continuam livres nas ruas, matando crianças”, diz dona Vânia, tentando explicar o inexplicável.
Após quase três anos da morte do filho, o único avanço foi nomear a Clínica da Família da Nova Holanda, na Maré, onde nem sequer há energia elétrica. O processo criminal não existe. O inquérito da Delegacia de Homicídios do Rio, mesmo com perícia, foi inconclusivo, o que fez com que o Ministério Público Estadual abrisse administrativamente uma nova investigação para confrontar a primeira, feita pelo delegado e, assim, acolher a denúncia – início de todo processo judicial. A família abriu dois processos, um criminal, onde é pedida a responsabilização criminal dos policiais, e um cível, onde se pleiteia a indenização do Estado pela desastrosa atuação de seus agentes públicos. Marcelo Pires Brancos, advogado da ação, é pago pela Igreja que a família frequenta.
A mãe de Jeremias não esquece o dia em que foi ouvida pelo delegado do caso. “Eu sou leiga, não entendo palavras bonitas, não entendo de leis, não entendo a forma que eles falam, e você pergunta, e eles te enrolam. Te tratam como lixo, falam um monte de palavras bonitas e eu aí e falo me explica? Eles respondem dizendo que estão explicando.”
Ela precisou deletar as redes sociais do filho, onde matava as saudades vendo fotos. “Até o Facebook do meu filho eu tive que deletar, porque eram muitas ameaças. Desenhos de caveiras, de cruz e escritas, como se continuar, vai morrer, a gente sabe onde você mora. Foi pesado demais pra mim, apaguei tudo. Nem mais ver as fotos do meu filho, dos trabalhinhos da igreja que ele fazia não posso mais”, queixa-se a mãe de Jeremias.
O sonho de dona Vânia é ver o julgamento dos assassinos de seu filho, mas ela tem dúvida se isso vai acontecer. “Sonho no dia que eles possam estar no banco dos réus e em júri popular, mas não tenho essa certeza. Não acredito na justiça, 3 anos e nada acontece. E o mais agravante, depois dele vieram muitos outros, Maria Eduarda, Marcos Vinícius, e tantos outros. Por quê? Eles estão matando o futuro do amanhã com apoio dos governantes”, diz a dona de casa, relembrando outros casos de crianças mortas por policiais em ação nas favelas do Rio.