Celso Vendramini, ex-PM da Rota e defensor de policiais matadores, atacou promotora lésbica durante júri em 2019: “Vai ser gay lá na Rússia pra ver o que acontece”
O advogado e ex-policial da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar), Celso Machado Vendramini, foi denunciado pelo MP-SP (Ministério Público de São Paulo), no dia 10 de dezembro por LBGTfobia
O caso ocorreu em novembro de 2019 durante um júri popular em que o denunciado, enquanto defendia dois policiais militares acusados de executar dois homens suspeitos de um roubo na periferia da zona norte de São Paulo, teria feito comentários preconceituosos à comunidade LGBT+ sem nenhuma relação com o julgamento dos PMs.
Na denúncia de sete páginas o promotor do Ministério Público de São Paulo Gilberto Ramos de Oliveira Junior destaca que o denunciado “praticou discriminação e preconceito de raça, além de injúria à Cláudia Ferreira Mac Dowell, promotora de Justiça (que é lésbica), ofendendo-lhe a dignidade e o decoro, mediante a utilização de elementos de raça, compreendidos em sua dimensão social (discriminação homofóbica e transfóbica)”.
Ouvido pela reportagem da Ponte, Vendramini voltou a negar as acusações e afirmou estar sendo vítima de perseguição política. Apesar de afirmar não ter atacado homossexuais, logo no início da conversa, se defende afirmando que o tribunal do júri é um plenário que garante às partes a livre expressão do pensamento. “O que aconteceu naquele julgamento foi que expus minha forma de pensar sobre determinados assuntos.”
A denúncia do MPSP destaca trechos em que Vendramini faz menção à comunidade LGBT+ e cita a Rússia como um exemplo de “comunismo” a ser seguido pela esquerda brasileira. “O pessoal fala muito da Rússia… eu sô fã do Putin. Sô fã do Putin… lá não tem boi não. Lá não tem passeata gay Rússia não. E os comunistas adoram… né… os comunistas… a-do-ram… Vai sê gay lá na Rússia pá vê o que acontece… o Putin. Eu acho que a democracia da Rússia é a democracia que eu gosto”.
“Pela primeira vez, me ví vítima de um crime”
O advogado também tornou a dizer que, ao mencionar LGBTs, não se dirigiu em nenhum momento à promotora de Justiça do MP-SP, Cláudia Ferreira Mac Dowell, citada na denúncia como vítima. “Se eu a tivesse ofendido no plenário, ela teria por obrigação ter me dado voz de prisão.”
Neste único ponto, os dois concordam. “Eu poderia mesmo tê-lo prendido em flagrante, porque ele cometeu o crime de LGBTfobia”, argumenta a promotora Cláudia Ferreira Mac Dowell. Mas, embora admita ter sido uma falha, não se culpa por isso. “Pela primeira vez me vi vítima de um crime.”
Outra “derrapada” quem cometeu foi o promotor responsável pela denúncia, ao citar “opção sexual” em trecho que questiona a fala do denunciado no julgamento em questão.
“Sem qualquer discussão a respeito da opção sexual dos envolvidos no processo e, agindo com intuito claro de segregação à orientação sexual e à identidade de gêneros de pessoas que integram o grupo vulnerável de lésbicas, gays, homossexuais, bissexuais e outros, discriminou a referida comunidade.”
“É uma incorreção”, reconhece a promotora. “Já participei de diversas lives em que falo dessa ‘gramática da sopa de letrinha’, do letramento do direito LGBT+, e uma das primeiras coisas que precisamos aprender é que não é opção, é orientação sexual.”
“Pessoas não, ladrões”
A promotora ressalta que o advogado Celso Vendramini costuma usar um discurso violento em plenário, e afirma que na fala dele durante a defesa dos PMs em 2019, há ainda uma série de violações aos direitos humanos. “O trecho da LGBTfobia foi só uma pequena parte, ele sempre fala que foi da Rota e que já mandou mais de 50 para o inferno.”
Ao ser questionado sobre por que trazer a temática LGBT+ para um julgamento de policiais que teriam executado duas pessoas, negras e periféricas, o advogado interrompeu a entrevista para impor uma correção à pergunta: “pessoas não, ladrões, que roubaram um veículo.”
“Ladrão não é pessoa?”, questiona a reportagem da Ponte. “Então, vamos falar ‘pessoa ladrão’, tá bom assim?”, responde o advogado. “Você pensa de um jeito e eu penso de outro”, acrescenta, e sem permitir interrupção, prossegue: “As duas ‘pessoas ladrões’ que roubaram um veículo, reagiram, deram tiro na polícia e foram mortas.”
Embora a decisão na ocasião do julgamento tenha sido favorável aos policiais, a promotora do MPSP sustenta que o que ocorreu foi uma execução e ainda tem esperança de reverter a decisão. Segundo ela, os revólveres encontrados com as vítimas foram colocados pela polícia na mão deles. “Há provas, inclusive periciais disso”.
Ela aproveita o gancho para retornar ao tema central. Segundo Claudia, o advogado foi cínico ao afirmar que sua fala homofóbica não era dirigida a ela. “Nenhuma das vítimas era LGBT+, o único fato alí que remetia a essa questão era eu”.
A expectativa da promotora é que a denúncia, apresentada à 23a Vara Criminal da capital paulista, seja aceita e que o advogado seja processado. “Espero que essa ação sirva para chamar a atenção, para que as pessoas parem de achar que é ‘mimimi’. Não tenho mandato para representar a comunidade LGBT+, mas faço parte dela e afirmo que nossa maior demanda hoje é por respeito.”
“Estou sendo ameaçado nas redes sociais”
Durante toda a entrevista, o advogado afirmou reiteradas vezes que, durante as nove horas do julgamento, ocorrido nos dias 6 e 7 de novembro de 2019, em nenhum momento ofendeu LGBTs ou a promotora. E alega que Claudia o está prejudicando com acusações feitas em entrevistas. “Estou sendo ameaçado nas redes sociais.”
Ele acusa o MPSP de corporativismo. “É um promotor defendendo o outro”. Vendramini levanta a suspeita de que o promotor do MPSP, autor da denúncia, não tenha ouvido os áudios do julgamento.
“Acho que teve preguiça, porque se tivesse escutado não teria feito a denúncia”. Por fim, o advogado reclamou do título da reportagem da Ponte sobre o caso em 2019, com uma suposta declaração dele em que teria dito: ‘quer ser homossexual, vai ser entre quatro paredes’. “Se alguém provar que eu disso isso, entrego minha carteira e deixo de advogar”.
Resta agora esperar os próximos capítulos. Se o juiz da 23ª Vara Criminal acatar a denúncia do MPSP, começa a correr a ação penal e o advogado se tornará réu no processo. Caso seja rejeitado, o promotor poderá recorrer ao Tribunal de Justiça para reverter a decisão e pressionar para que a denúncia seja recebida. Porém, a Justiça está em recesso até o dia 7 de janeiro.
O advogado Vendramini está sendo denunciado por dois crimes: racismo (art. 20 da Lei 7716/89) e injúria racial (art. 140, parágrafo 3º do Código Penal), a partir do entendimento do Supremo Tribunal Federal; o primeiro crime tem como vítima toda a população LGBT+ e o segundo, tem a promotora Cláudia Ferreira Mac Dowell como vítima. O procurador Gilberto Ramos de Oliveira Junior, autor da denúncia, não foi localizado pela reportagem da Ponte.