‘Ele não era ladrão’, desabafa pai de jovem morto por PM com tiro nas costas

    Nadson Rodrigues de Miranda, 23, foi morto em julho de 2020 na zona leste da capital paulista. ‘Mata uma pessoa desarmada e fica por isso mesmo?’, reclama Nedson, pai do jovem; PM foi solto depois de dois dias

    Nadson Igor Rodrigues de Miranda tinha 23 anos quando foi morto pelo PM Claiton Marciano dos Santos com tiro nas costas | Fotos: Arquivo pessoal

    Nadson Igor Rodrigues de Miranda, 23 anos, saiu para uma festa com alguns amigos na madrugada de 25 de julho de 2020 e nunca mais voltou para casa. Naquela madrugada, ele foi perseguido pela Polícia Militar, por estar em uma moto roubada, e alvejado nas costas pelo PM Claiton Marciano dos Santos, 46 anos, da 2ª Companhia do 29º Batalhão da capital, que não participava da perseguição, em São Miguel Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo.

    O filho foi a terceira perda seguida Nedson Rodrigues de Miranda, pai do jovem. Em dezembro de 2019, Nedson perdeu a esposa, Francini Rodrigues da Cruz, 45 anos, mãe de Nadson, que não aguentou uma luta incansável contra um câncer. Todos os dias, Nedson levava Francini para o hospital para fazer quimioterapia e radioterapia. Mas no primeiro mês de dezembro daquele ano, ela faleceu.

    Nedson ainda absorvia a morte da esposa quando perdeu seu pai, em decorrência de um problema de saúde que fez uma veia interna estourar. Foram doze dias internado, mas ele não resistiu e morreu. Perder Nadson, conta em entrevista à Ponte, foi a gota d’água. “O pessoal olha para mim e fala: você é muito forte. Eu não sou forte não, estou aqui só por Deus mesmo. Sofremos muito com a morte de Nadson, ele era muito novo”, lamenta.

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    A pior parte, continua o pai, é saber que o algoz de seu filho está livre, trabalhando e recebendo normalmente. “Eu só quero justiça, que esse policial pague pelo que ele fez. Ele fez ali um homicídio, ele assassinou o meu filho. Se ele não pagar pela justiça dos homens, ele vai pagar pela Justiça de Deus. A justiça de Deus não falha não”.

    Conforme noticiado pela Ponte em 29 de dezembro de 2020, o PM Claiton segue livre, trabalhando em funções administrativas da Polícia Militar, e recebendo o salário integralmente: em novembro, com os descontos normais, recebeu R$ 3.451,69.

    “Se fosse um outro cidadão que tivesse matado uma pessoa estaria preso, mas os policiais dão o jeitinho deles. Ele tinha que estar preso e sem receber, mas está recebendo, tá solto, trabalhando internamente. Se não tivesse as imagens era a palavra dele contra a nossa e não ia ter como, mas temos as imagens. Não sei como o juiz vai e solta ele”, completa o pai.

    O PM achegou a ser preso em flagrante e encaminhado ao Presídio Militar Romão Gomes, na zona norte, mas foi solto dois dias depois. Os motivos citados pela juíza Michelle Porto de Medeiros Cunha Carreiro, da 4º Vara do Júri do Tribunal de Justiça de São Paulo, na decisão do alvará de soltura, eram de que Claiton tinha bons antecedentes, era réu primário, tinha boa conduta na PM, possuía residência fixa e fazia parte do grupo de risco do coronavírus por ter bronquite.

    Nedson herdou do pai um parque de diversões na zona leste da cidade, onde a família vive, e Nadson, desde cedo, ajudou o pai. Montava e desmontava o parquinho todos os dias. O negócio da família precisou fechar no começo da pandemia, quando o movimento caiu. Foi aí que Nadson decidiu que trabalharia como entregador, para ajudar em casa.

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    Nedson se recorda com saudade do filho. “Nadson era uma boa pessoa. Ele tava morando aqui no meu quintal, com a namorada dele. Eles namoram desde que tinham 13 anos. Ele queria casar, ter filhos. Comprou um moto em um consórcio para trabalhar com entrega”.

    O pai questiona a versão de legítima defesa dada pelo PM Claiton: “Nas imagens dá para ver que meu filho tava com a mão no guidão. O policial já tinha atirado na moto, a moto não ia andar mais. Era só ele prender o menino, mas chegou e atirou pelas costas. O menino caiu e ele deu outro tiro no menino, que pegou no peito. Não foi um tiro só não. Ele alega que queria atirar no pneu, mas, não, ele atirou para matar”.

    “Mata uma pessoa desarmada e fica por isso mesmo? O menino não tava armado, qual era o risco que meu filho tava causando? Ele matou o menino a queima roupa. A polícia está sem comando, não estão comandando esses caras direito e eles saem para a rua e fazem o que querem. Quando não tem câmera fica a palavra deles contra a das famílias”, desabafa Nedson.

    O pai conta que só soube da morte do filho na manhã do dia 25 de julho, quando foi com a nora procurar Nadson. “Fomos procurar ele e aí falaram que um menino tinha sido baleado, fomos no batalhão e falaram para irmos no Hospital Tide Setúbal. A gente achou que ele tinha sido baleado, não sabíamos que ele tinha morrido. Aí falaram que ele estava no IML”.

    À época da morte, o governador João Doria (PSDB) afirmou sobre o crime, em uma coletiva de imprensa, que “nada justifica um tiro pelas costas“. “Nós não corroboramos com nenhum tipo de violência. Não havia nenhuma necessidade daquele policial agir daquela maneira, independentemente daquele rapaz ter furtado uma motocicleta. As informações e o vídeo são suficientes para colocá-lo numa condição de acusado criminalmente de assassinato”, argumentou Doria.

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    À Ponte, o advogado Renato Soares do Nascimento, que cuida da defesa do PM Claiton, ao lado do advogado Mauro Ribas, argumentou que a ação foi legítima, já que Nadson teria “praticado o roubo da motocicleta ao qual ele estava no momento da abordagem, e não ter obedecido a ordem legal emanada pelo PM Claiton, além de ter tentado atropelá-lo, o que ensejou o mesmo efetuar disparos de arma de fogo para cessar a injusta agressão”.

    Nadson foi reconhecido pela vítima do roubo da moto por uma foto que a polícia apresentou em seu celular, no local da morte. Mas Nedson garante que o filho não roubou a moto: “Ele não era ladrão de moto, como um monte de polícia falou. Ele pegou a moto para dar uma volta e aconteceu o que aconteceu”.

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