Marcelo deixou o filho no futebol e ia trabalhar, mas morreu com um tiro de fuzil

    Marmorarista de 38 anos morreu nesta segunda-feira (4) no Rio de Janeiro; suspeita principal é que disparo tenha partido de blindado da PM. “Essa morte não será mais uma estatística”, promete viúva

    Marcelo com o filho caçula | Foto: Arquivo pessoal

    “O caveirão tava em cima do morro […], os policiais estavam atrás [do blindado], conforme eles deram o tiro, o morador foi baleado. Eles correram pra dentro do caveirão e correram sentido Gardênia. Depois de uns 40 minutos, eles voltaram e não prestaram socorro. Nós moradores que tivemos que ligar o Samu pra prestar socorro, mas infelizmente, ele veio a óbito. Depois de uns 25 minutos chegaram os carros, abarrotados de polícia”, relata testemunha em vídeo transmitido pelo veículo de comunicação local “CDD Acontece”, após o marmorista Marcelo Guimarães, de 38 anos, ser atingido nesta segunda-feira (4/1) por uma bala de fuzil, na rua Edgar Werneck, em Jacarepaguá, um dos acessos para a comunidade Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Minutos depois, uma manifestação de moradores bloqueou a Linha Amarela por cerca de meia hora.

    No final do dia, uma testemunha que estava presente no local desde cedo e se comunicava com a família postou, via Twitter, um print da conversa com a filha mais velha de Marcelo, Vitória, 19 anos, que confirmou o crime pelo policial após os depoimentos na Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), na Barra da Tijuca.

    https://twitter.com/thtataf/status/1346227235456483328

    Segundo versão da equipe do 18º BPM (Jacarepaguá) que estava no local fazendo o patrulhamento da avenida, o caveirão foi alvo de disparos e os policiais revidaram, iniciando um confronto. O coronel André Silveira, comandante do batalhão, informou que não houve operação da PM no local. “Marginais rechaçaram com disparos nosso blindado, que vem sendo posicionado no local para dissuadir possíveis investidas. Nesse contexto foi atingido um motociclista que vinha saindo da comunidade e, pela posição dos disparos, é improvável que tenha sido vitimado pelas guarnições da PM”, afirma. Entretanto Marcelo estava passando pela avenida e voltando para sua casa no bairro da Gardênia Azul, localizado na Baixada de Jacarepaguá. Antes, ele havia levado seu filho para o primeiro dia de aula na escolinha de futebol. 

    Marcelo era casado com Carla Roberta há 21 anos e ambos tinham comprado uma passagem para comemorar os 22 anos de casados em Bonito, Mato Grosso do Sul, no próximo dia 29. Ele morava com a esposa e seus dois filhos, Vitória, 19 anos, que trabalha como técnica de enfermagem no Hospital Lourenço Jorge e também é bailarina, além do caçula, 5 anos, o último membro da família a ver o pai.

    A família disse que, ao chegar no local, o primeiro relato dos policiais foi que Marcelo era um “bandido”. “Sei que não vai trazer ele de volta. Como um bandido tem casa e moto em nome dele? Mas isso não vai ficar impune não. Essa morte não será mais uma estatística”, alerta Carla.

    A irmã de Marcelo, Karina Guimarães, desabafa durante entrevista à Ponte: “como ele era marginal se ele tinha habilitação no nome dele, carro no nome dele, moto no nome dele, cartões no nome dele? Como que marginal anda com carteira assinada? Todos os amigos dele de uniforme estavam lá. Ele estava de uniforme, de bota de trabalho”.

    Marcelo trabalhava em uma marmoraria na rua Edgar Werneck há três anos. Sua irmã Karina explica que ele estava passando pela Cidade de Deus para ir trabalhar, mas esqueceu a maleta de ferramentas em casa e voltou para buscar. “Ele morava no Gardênia há 38 anos, a idade dele. Ele estava de bota indo trabalhar”, conta. Os funcionários da loja se encontraram com a família de Marcelo e um deles enfatizou que o considerava como um irmão: “o cara era trabalhador demais, com um coração do tamanho do mundo, impossível isso acontecer. Como que confunde, quer dizer, o cara passa de moto na rua, nego atira no cara de graça?”, chora ao falar.

    Um policial militar identificado como Ruben ameaçou pessoas em seu perfil nas redes sociais que acusaram a PM de ter matado o motociclista: “Foi vagabundo do Tijolinho [região em que o caso aconteceu] que acertou o cara e querem colocar na nossa conta. Estou de fiscal no dia de hoje. Não foi nenhum dos meus [policiais]. Se sair para fazer gracinha, vão se machucar”. O comando do 18º BPM intimou o policial para ser ouvido e a postagem foi excluída.

    Em nota divulgada pela assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar, foi informado que a PM desde a semana anterior fazia o policiamento na região com o caveirão “visando estabilizar o perímetro por conta de um conflito entre grupos de criminosos rivais pelo controle territorial. Nestes dias, as equipes policiais já foram alvo de outros ataques armados por parte destes criminosos.” Mais cedo, o perfil oficial da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro no Twitter publicou sobre o caso:

    Após perícia no local, a esposa, a cunhada e uma testemunha foram levadas para prestar depoimento da Delegacia de Homicídios da Capital, na Barra da Tijuca. Durante a retirada do corpo pela Defesa Civil, os moradores do entorno que estavam acompanhando gritavam e batiam palmas: “É covardia! É covardia!”.

    A hashtag #JustiçaPorMarcelo ficou entre os assuntos mais comentados das redes sociais durante o dia:

    Nesta terça-feira (5/1), o governador em exercício, Cláudio Castro (PSC), divulgou uma nota em sua rede social reforçando o acompanhamento da Secretaria de Estado de Vitimados:

    A tia de Marcelo, Elisângela Guimarães 44 anos, também comentou sobre o caso e ressalta como ele era “brincalhão” e um “homem e pai bom”. Ela é vendedora em uma loja de decoração de interiores e contou que é seis anos mais velha que ele, mas que cresceu dando muita alegria à família.

    Um blindado que estava no local e dois fuzis passaram pela perícia na manhã desta terça-feira (5/1). Um cartucho foi encontrado pela Polícia Civil e será comparado com um projétil do fuzil utilizado pelos policiais. Em depoimento à DHC, os PMs relataram que havia apenas dois agentes no momento e que um deles fez um disparo dentro do veículo enquanto o outro estava subindo no caveirão.

    Contudo, assim que houve o disparo, havia dois caveirões próximos, como mostram os vídeos publicados nas redes sociais: um parado e o outro que saiu dali sem prestar assistência à vítima.

    Marcelo seráenterrado na tarde desta terça no Cemitério de Inhaúma, na Zona Norte do Rio.

    Nas redes sociais a filha Vitória está chamando as pessoas para participarem do “Ato Urgente” no Viaduto da Linha Amarela, na altura da Cidade de Deus, também nesta terça, às 17h, após o sepultamento do pai:

    https://twitter.com/guuimaraess/status/1346296042099249154

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