Justiça concede liberdade para Igo e Felipe, presos após serem reconhecidos por testemunha que não viu o crime

    Jovens estão presos desde 2 de janeiro na capital paulista. Até mesmo promotora do caso se manifestou pela liberdade e apontou: “apesar do reconhecimento pessoal da testemunha, as vítimas não os reconheceram como sendo os autores do crime”

    Igo (à esq.) e Felipe (à dir.) foram presos após serem reconhecidos por testemunha que não estava no momento do roubo | Fotos: Arquivo pessoal

    O professor de música e produtor musical João Igo Santos Silva, 37 anos, e o lutador de MMA Felipe Patricio Lino Ferreira, 20 anos, acusados de dois roubos, realizados em 2 de janeiro na zona oeste da capital paulista, serão soltos.

    O desembargador Fábio Gouvea, do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu a liberdade provisória para Igo e Felipe no começo da noite desta quinta-feira (14/1) após pedido de habeas corpus solicitado pelos advogados de defesa em 7 de janeiro.

    Igo e Felipe foram presos após serem reconhecidos por uma testemunha que nem viu o crime, já que uma das vítimas não os reconheceu e outra reconheceu apenas “as roupas”. Eles estão detidos no Centro de Detenção Provisória Belém I, na zona leste da cidade.

    Para Gouvea, não há “qualquer motivo concreto que torne imprescindível a prisão cautelar, tudo indicando que os pacientes, em liberdade, não colocarão em risco a ordem pública”. Até às 12h desta sexta-feira (15/1) o alvará de soltura ainda não havia sido expedido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

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    Ainda na última quinta-feira, a promotora Simone de Divitiis Perez, do Ministério Público de São Paulo, havia denunciado Igo e Felipe pelo reconhecimento das roupas, apesar de concordar que ambos os homens não deviam permanecer presos.

    “Apesar do reconhecimento pessoal da testemunha, as vítimas não os reconheceram como sendo os autores do crime, somente uma delas os reconheceu pelas vestes”, apontou a promotora.

    “Com efeito, Felipe é primário e não possui antecedentes e, ainda que João Igo Santos Silva seja reincidente, verifica-se que o mesmo cumpriu integralmente a pena imposta e, portanto, a vista dos autos não mais se encontram presentes os requisitos que ensejaram a decretação da prisão preventiva ou mesmo na manutenção da prisão cautelar”, completou.

    Por isso, Irene Guimarães, uma das advogadas responsáveis pela defesa de Igo e Felipe, lembra que a luta deve continuar, agora pela inocência e absolvição do professor e do lutador. “Segue sendo um absurdo porque roupas não são elementos suficientes para denunciar alguém por um crime. Vamos seguir na defesa para absolver eles, não será simples, será uma caminhada importante”.

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    Apesar da demora para que o habeas corpus fosse julgado, continua Guimarães, a defesa comemora a decisão do desembargador Fábio Gouvea. “Agora estamos cuidando dos trâmites para que o alvará de soltura seja expedido o mais rápido possível e enviado ao CDP, para que seja efetivada a soltura. Esse procedimento costuma ser lento, burocrático, por isso a equipe de advogados está focada nessa tarefa para que eles saiam o mais rápido possível”.

    Na saída do CDP, Igo e Felipe serão recebidos pelos advogados, pelas famílias e por uma comitiva de militantes, ativistas e amigos para recebê-los, conta Irene Guimarães.

    “Espero que possamos avançar mais amplamente como funciona o sistema de justiça criminal e o racismo estrutural que permeia a atuação da polícia e dos órgãos policiais, sobre a seletividade do sistema penal, a criminalização da pobreza e o encarceramento em massa. Temos que abrir o olho sobre como a polícia é avaliada por produtividade por meio de prisões efetuadas, pensar como essas prisões acontecem”, completa a advogada.

    A repercussão na imprensa, afirma Guimarães, foi fundamental para dar visibilidade ao caso. “Fortalecer a denúncia pública sobre o fato de tratar-se de uma prisão descabida e de mais um caso de racismo, e pressionar para uma decisão favorável aos meninos”.

    Relembre o caso

    Igo e Felipe foram presos às 22h do último sábado (2/1), acusados de dois roubos, realizados uma hora antes, na rua Paes Leme, em Pinheiros, na zona oeste da cidade. As duas vítimas, porém, não os reconheceram os amigos, moradores do Campo Limpo, na zona sul da cidade, como os autores do crime.

    Igo e Felipe contaram no 89º DP (Jardim Taboão) que estavam no Largo da Batata e comeram um yakissoba. De lá, segundo a advogada Irene Guimarães, uma das responsáveis pela defesa dos vizinhos, caminharam até o Terminal Pinheiros, passando pelas ruas Butantã, Amaro Cavalheiro e pegando o final da rua Paes Leme, para descer para o terminal. No terminal, eles sacaram 20 reais, perderam o ônibus, esperaram o próximo e foram para casa.

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    Segundo a versão descrita no boletim de ocorrências, assinado pelo delegado Rafael Moreira Cantoni, dois homens roubaram uma mulher e um homem na rua Paes Leme, por volta das 21h, levando bolsa, celular, relógio e outros pertences das vítimas.

    Uma das vítimas encontrou um motorista por aplicativo e pediu ajuda, descreveu como seriam os homens que a roubaram e, segundo afirmou o motorista na delegacia, seguiram os dois suspeitos até o terminal. No reconhecimento, somente o motorista afirmou que os dois suspeitos eram Igo e Felipe.

    A vitima masculina diz não reconhecer nenhum dos dois como os roubadores, enquanto a mulher diz que apenas reconheceu “sem sombra de dúvidas” as roupas que estariam usando. Além disso, o procedimento de reconhecimento foi feito com Igo e Felipe sozinhos, diferente do que recomenda o artigo 226 do Código de Processo Penal, que diz que “a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la”.

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    Irene Guimarães, advogada, e músico Ayo Shani, irmão de Igo, refizeram o caminho feito por Igo e Felipe atrás de imagens do circuito de segurança que pudessem corroborar para a versão dada por eles na delegacia. Conseguiram obter imagens de três estabelecimentos.

    O terceiro é o mais importante: as imagens do “QUÈBEC – Bar e Restaurante”, localizado na esquina da rua Paes Leme com a rua Eugênio de Medeiros mostram que, por volta das 21h20, Igo e Felipe passam por lá, sem nenhum pertence roubado. Nas imagens é possível ver os dois caminhando na rua Paes Leme em direção ao terminal.

    O motorista ligou, então, para a Polícia Militar, que informou aos policiais militares Valeska de Almeida Scaranello, 32 anos, e Wander Luiz Riehl, 46 anos, ambos da 1ª Companhia do 23º Batalhão da capital, sobre o ocorrido.

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    Os PMs foram informados que os suspeitos pegaram um ônibus da linha 809P-10, que saia do Terminal Pinheiros com destino até o Terminal Campo Limpo. Por volta das 22h, na avenida Francisco Morato, altura do número 3900, já na Vila Sônia, os PMs interceptaram o ônibus e prenderam Igo e Felipe pelos dois roubos.

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