Membro da banda de reggae Etiópicos, Lilton Gabriel da Cruz foi baleado aos 24 anos na entrada do prédio onde morava, em Guarulhos (SP). Associação rastafari exige “investigação profunda”
“Perdemos este irmão maravilhoso que compôs a banda com muita dignidade e seriedade”, escreveram em um post, no último dia 12, os músicos do grupo de reggae Etiópicos. Eles lamentavam a morte de Lilton Gabriel da Cruz, 24 anos, músico e flagman (um tipo de performer) da banda, morto na noite do dia 10 pela PM na periferia de Guarulhos (Grande SP).
“Fomos informados que o Irmão Lilton Etiope foi assassinado em uma ação militar da policia do estado de São Paulo e não teve nem tempo para se defender ou de se identificar”, denunciou a Unidade Rastafari do Brasil, organização que reúne diferentes organizações do movimento religioso Rastafari, nascido na Jamaica, entre elas a banda Etiópicos. No mesmo post, a organização afirma que não aceita “a violência no Brasil que constantemente mata jovens Pretos na história desse pais” e pede ao Ministério Público uma “investigação profunda” sobre a morte de Lilton.
O músico foi baleado na entrada do edifício onde morava, em um condomínio do CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), no bairro dos Pimentas. Irmã de Lilton, Lilian da Cruz, 43 anos, afirma ter ouvido de moradores que ele tomou um susto ao chegar ao condomínio, por volta das 19h de domingo, e encontrá-lo cercado por quatro viaturas da PM, duas em cada portaria do condomínio. “Lilton estava em uma dessas entradas, se assustou, correu e um policial atirou nele”, afirma.
Ele foi socorrido pelo Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) ao pronto-socorro do Hospital Geral de Guarulhos. Lilian foi até lá, mas não conseguiu obter informações sobre seu irmão, que, naquele momento, estaria sob escolta policial. No dia seguinte (11), pela manhã, ela retornou ao hospital, mas só quando voltou com um advogado foi informada de que ele estava morto.
Lilian, que vivia com o irmão, afirma que Lilton nunca usou armas. “Ele era bem caseiro, gostava de ficar tocando violão, quase não ficava na rua”, conta. Na sua última postagem do Facebook, o músico recomendou livros e pediu “digam a verdade para as nossas crianças! a nossa historia contada pelo nosso povo. #Brasil preto uma perspectiva oprimida”.
A culpa de quem foi morto
A versão da PM para o crime é bem diferente. No boletim de ocorrência registrado no 4º DP (Distrito Policial) de Guarulhos, os policiais afirmam que foram ao condomínio para investigar uma denúncia sobre um suposto “tribunal do crime” que estaria sendo realizado ali por membros da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Chegando ao local, a denúncia não se confirmou e os policiais não encontraram nada de ilegal.
O PM Bruno Tavares disse em depoimento que teria ficado sozinho, tomando conta das viaturas de polícia, enquanto seus colegas faziam as investigações, e que teria visto duas pessoas correndo. Ele teria gritado para que parassem, e uma das pessoas teria se escondido em um corredor próximo à porta do prédio.
Era o Lilton, que, segundo a versão de Tavares, teria atirado contra o policial. O PM afirma que baleou o músico ao reagir contra os disparos. De acordo com o policial, Lilton estaria armado com uma garrucha — uma arma de cano curto que costuma ser vendida como antiguidade.
Se Lillton não tivesse morrido, responderia por tentativa de homicídio contra o policial. Com sua morte, a tendência é que o caso seja encerrado, explica o advogado criminalista, Flávio Campos, integrante da ONG Educafro, ouvido pela Ponte. “O promotor vai entender que a ação perdeu o objeto, o réu faleceu e portanto está extinta a punibilidade”. Mas ele observa que isso tem a ver com a linha de investigação que o caso tomou, totalmente manipulado pelos policiais militares. “Toda a linha de raciocínio é conforme a palavra deles.”
O advogado identifica algumas pontas soltas, tanto no boletim de ocorrência como no processo. “Não há nenhuma ação da Polícia Civil na elucidação dos fatos, nem diligências foram determinadas, não teve preservação do local, não tem laudos da perícia do local para instruir o encerramento da investigação”.
Outro ponto chama atenção, ninguém da comunidade foi ouvido. “Não teve nenhuma testemunha? Ninguém presenciou a prisão”, indaga Campos. O boletim de ocorrência parece muito simplificado para uma história tão complexa, na avaliação do advogado. “Um tribunal do crime organizado, uma pessoa morta, nenhuma testemunha e nenhum desdobramento?”, pergunta.
Procurada, a Secretaria de Segurança Pública do governo João Doria (PSDB) não deu retorno.
[…] Ponte Jornalismo: Lilton, músico rastafari, morto pela PM: ‘perdemos um irmão maravilhoso’ […]