Guilherme Garcia, que havia atuado ilegalmente como segurança da tabacaria Smoke Like, discutiu com o estudante Iago Gomes, 23 anos, que não havia pagado uma taxa de R$ 5, e o matou com três tiros
O estudante de engenharia Iago Gomes Cunha foi morto aos 23 anos por um policial militar de folga, o soldado Guilherme Cardoso Garcia, 25 anos, na tabacaria Smoke Like, em Ermelino Matarazzo, na zona leste da capital paulista, em 31 de janeiro. O motivo foi uma discussão motivada por uma taxa de R$ 5, que Iago não havia pago ao estabelecimento.
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Embora o PM tenha matado o jovem quando buscava defender os interesses da tabacaria, o proprietário da Smoke Like, Rérisson de Morais Braz, negou, em depoimento à Polícia Civil, que o soldado estivesse atuando como segurança do estabelecimento na noite do crime. Rérisson, contudo, admitiu que já havia contratado Guilherme como segurança do local “por quatro ou cinco vezes” — a prática de policiais atuarem como seguranças privados é ilegal. Após o crime, o PM foi preso.
De acordo com os depoimentos dados por dois amigos da vítima à Polícia Civil, de 22 e 23 anos, eles e Iago foram à tabacaria, localizada na Rua Paranaguá, por volta das 22h, esperar um outro colega. Foi quando um homem, que imaginaram ser segurança do local, questionou: “Vocês vão ficar? A taxa é R$ 5!”. O homem era o PM Guilherme.
Iago respondeu ao policial que estavam apenas procurando um amigo, que eram clientes antigos e não ficariam no estabelecimento. Quando estavam saindo do local, o soldado gritou “Você me chamou de cuzão?”, em direção a Iago, que teria negado. Começou uma discussão entre os dois e, segundo as testemunhas, Guilherme empurrou o estudante, sacou uma arma e deu três tiros contra ele, que caiu no chão.
Os amigos tentaram socorrer Iago, mas Guilherme não deixou e apontou a arma para que eles se afastassem. Uma frequentadora que estava no local se identificou como enfermeira e começou a prestar os primeiros socorros até a chegada da equipe médica do Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), mas o estudante morreu no chão. Ele foi atingido no abdômen.
O proprietário da tabacaria, Rérisson de Morais Braz, confirmou que conhecia Iago há dois meses e que o policial questionou os três amigos a respeito da taxa de R$ 5. Guilherme havia se aproximado deles para que deixassem o espaço, momento em que os jovens teriam “aumentado a voz”, sem proferir xingamentos, e que saíram do local. Já do lado de fora, começaram a discutir e Iago, segundo Rérisson, teria ofendido Guilherme, que deu um empurrão e sacou a arma. Logo em seguida, Iago teria “avançado” contra Guilherme, que efetuou dois disparos.
Já o policial militar alegou que encontrou dois amigos na tabacaria e que notou a chegada dos três rapazes, sendo que um deles estaria “aparentemente embriagado”, já que estariam falando alto e passaram a discutir com o dono do estabelecimento. Guilherme disse que “entendeu” que o trio queria permanecer no local, mas que haviam se recusado a pagar a taxa de R$ 5, e que tentou “apaziguar” a situação. Ele afirma que Iago passou a “cismar” com ele e a xingá-lo. Em seguida, identificou-se como policial militar, dizendo que estava armado, mas Iago o teria chamado de “cuzão” e “filho da puta”, encostando “o dedo indicador no peito” do PM.
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Na versão do PM, ele diz que esticou a mão para que o estudante se afastasse, mas que Iago teria dado um tapa na sua mão e avançado contra a sua cintura para desarmá-lo. Só nesse momento, segundo o policial, é que ele deu dois disparos “com a intenção de acertar a parte inferior do seu corpo”. Mesmo baleado, Iago teria tentado desarmá-lo e por isso o soldado deu um terceiro disparo.
A versão do PM não convenceu a Polícia Civil. No 24º DP (Ponte Rasa), o delegado Michael Augusto Toricelli indiciou Guilherme por homicídio qualificado, por motivo fútil, e pediu sua prisão preventiva, apontando como base os depoimentos das testemunhas e imagens de câmeras de segurança da tabacaria. A Ponte não teve acesso às imagens, mas o relatório de investigação feito pela Polícia Civil descreve que é possível observar a discussão dentro do estabelecimento, que o soldado empurra Iago e saca uma arma, porém “não é possível determinar se a vítima Iago tentou desarmar o autor Guilherme após ele realizar saque de arma de fogo”.
“Da dinâmica aqui analisada infere-se que nos momentos que antecederam os disparos o autor não sofria injusta agressão a ensejar o saque de sua arma de fogo e então realizar disparos contra a vítima, concluindo-se que sua conduta foi notoriamente desproporcional, fútil e irrazoável”, justificou o delegado.
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Na audiência de custódia, o juiz José Eugenio Do Amaral Souza Neto converteu a prisão em flagrante de Guilherme em preventiva (por tempo indeterminado). O Ministério Público Estadual denunciou o soldado por homicídio qualificado, por motivo fútil e que dificultou a defesa da vítima, argumentando que a ação foi desproporcional. “Na prática do crime, o indiciado empregou recurso que dificultou a defesa da vítima, eis que, valendo-se de sua habilidade, fruto de seu treinamento profissional, como policial militar, de modo repentino, surpreendente, sacou a arma que trazia consigo e efetuou contra Iago os disparos que o atingiram, sem que houvesse necessidade para tal conduta”. escreveu o promotor Fábio Rodrigues Goulart.
Outro lado
A Ponte tentou contato com a defesa do policial, por e-mail, mas não obteve resposta. A reportagem solicitou posicionamento das assessorias da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar.
Em nota*, a In Press, assessoria de imprensa terceirizada da SSP apenas declarou que o policial foi preso em flagrante e permanece detido no Presídio Militar Romão Gomes.
Também solicitamos entrevista com o proprietário da tabacaria. Em ligação, Rérisson preferiu não conceder entrevista nem as imagens das câmeras de segurança, disse que se manifestaria no processo.
*Reportagem atualizada às 19h03, de 8/2/2021, para inclusão de posicionamento da SSP.