Obra que conta passagens importantes do bairro desde a década de 1960, incluindo luta por moradia, será lançada no dia 15/2 na Prefeitura Regional Cidade Ademar
“A Vila Missionária é o meu lugar. A minha quebrada”. É essa ligação com o bairro na zona sul da capital paulista que levou o economista Aquiles Coelho da Silva, 27 anos, a escrever um livro que entre muitas histórias conta a luta por moradia na região em que nasceu e cresceu.
Intitulado “Vila Missionária: Constituição e Desenvolvimento da Periferia na Cidade de São Paulo (1960-1990)”, a obra de 223 páginas faz parte da Série História dos Bairros de São Paulo, promovida pelo Arquivo Histórico Municipal. Na visão do autor, “a história de São Paulo é a história da periferia”.
Em conversa com a Ponte na semana passada durante visita pelas principais ruas da Vila Missionária, Silva explicou como tudo começou, falou sobre os mutirões de moradia e o que espera para o futuro do bairro.
O livro, que teve pesquisa iniciada em 2015, era para servir como trabalho de conclusão de curso em Economia na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), mas ganhou corpo e em breve poderá ser lido não só pelos moradores da região, como por todos que frequentam bibliotecas municipais de São Paulo. A tiragem é de 2 mil exemplares.
“No começo eu estava querendo estudar a economia na cidade voltada à desigualdade urbana. Só que São Paulo inteira é muita coisa. Pensei na Missionária, que é onde nasci e conheço um pouco mais”, disse entusiasmado.
A pesquisa, que durou cerca de dois anos, também auxiliou para que o rapaz soubesse que o poder exercido por religiosos nos anos 1960 foi determinante para o nome da região.
“O bairro teve início nos anos 1960 quando padres chegarem ao local. A ideia era construir um grande seminário, mas devido a distância para o centro da cidade e a dificuldade de acesso, fez com que a igreja católica loteasse a região a partir de 1965”.
Segundo o autor, é a partir dos anos 1980, com a chegada dos migrantes, que a Vila Missionária passou a ter a presença populacional vista atualmente.
“Características marcantes do bairro no período foram os mutirões de construção da igreja e das casas, principalmente. Para mim essas ações entram como um exemplo da união e ação conjunta do povo do bairro, o que situo, no livro, dentro de um projeto de comunidade reivindicatória formada por sujeitos políticos atuantes”, completa.
Moradora da região há mais de quatro décadas, a microempreendedora Clair Helena dos Santos, 61 anos, que atua no Movimento de Moradia Vila Missionária – Cidade Ademar, conta que a briga por moradia não é algo que se limitou ao passado na Vila Missionária.
“A luta por moradia significa a porta de entrada e saída para todos os outros direitos. Quem não tem moradia e paga aluguel não consegue nem comer direito. Quem paga aluguel não come e quem come não paga aluguel”, explicou.
Segundo a mulher, que teve participação especial na produção do livro, uma conquista recente na região foi o Residencial Espanha, no Jardim Apurá, que abrigou pessoas de baixa renda ou quem moravam em áreas de risco na zona sul. O condomínio, que possui 3.860 moradias, foi entregue no ano passado, após parceira dos governos municipal, estadual e federal.
Para que o livro ganhasse ainda mais corpo, Silva conta que teve auxílio de sua avó, que indicou amigas que também forneceram outras informações.
“Ele começou perguntando o que eu achava do bairro e eu não pensava que fosse terminar assim. “[Nos anos 1960] a rua era só lama. Tinha que ir até a [Vila] Joaniza comprar pão. Eu gosto daqui, aqui todo mundo se conhece”, disse à reportagem a avó de Silva, a dona de casa Margarida Ferreira Coelho, 72 anos.
Durante o passeio pelo bairro, além de avistar a imponente Paróquia São Francisco Xavier, também pode ser notado placas de rua indicando nomes de vias como Rainhas das Missões, Frei Lourenço de Alcântara, Bem Aventurado Teófilo Vernard e Padre Natal Pigató, uma lembrança de quando a igreja católica ainda exercia poder no bairro. Atualmente, templos evangélicos também dividem o espaço.
Assim como no período em que cursou economia na Unicamp, Silva, militante antirracista e que ajudou a formular a política de cotas raciais na faculdade campineira, deve se ausentar por cerca de dois anos da Vila Missionária a partir de março.
O jovem irá morar no Rio de Janeiro para o mestrado em Planejamento Urbano na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Além de contar o passado do bairro, Silva também tem na ponta da língua o que espera para o futuro do local. “Escola de qualidade, creche para que os pais possam trabalhar, mais ônibus para a região. Que a gente seja tratado como cidadão. Que o mercado que a gente tem não chicoteia morador de rua quando entrar lá”, ao lembrar sobre o caso de um jovem torturado no ano passado dentro de um estabelecimento após o furto de chocolates.
Serviço
Lançamento do livro Vila Missionária: Constituição e Desenvolvimento da Periferia na Cidade de São Paulo (1960-1990).
Sábado, 15 de fevereiro, das 10h à 12h.
Prefeitura Regional Cidade Ademar – Avenida Yervant Kissajikian, 416