Com 63% de suas crianças submetidas à pobreza, cidade cearense se tornou alvo das facções e da violência policial
Um xingamento sobre a sigla de uma facção criminosa foi a motivação para o assassinato de um jovem na periferia de Maracanaú, município que fica na RMF (Região Metropolitana de Fortaleza), às vésperas do Natal de 2018.
Durante uma discussão com traficantes da facção GDE (Guardiões do Estado), Eduardo*, 19 anos, teria trocado a letra E por C, de “cu”, segundo um dos suspeitos de cometer o crime em depoimento à Polícia Civil do Ceará. A provocação teve como resposta dez tiros. Oito atingiram o corpo do jovem, que tombou instantaneamente em meio aos entulhos que acabara de retirar de uma casa onde tentou, desesperadamente, se esconder.
O episódio cruel aconteceu em Maracanaú, a cidade mais violenta do Brasil segundo o Atlas da Violência – Retrato dos Municípios Brasileiros 2019, produzido pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e o FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). No total, Maracanaú, que tem pouco mais de 224 mil habitantes, registrou 328 homicídios em 2017, o que corresponde a 145,7 mortes por 100 mil habitantes. Já o Brasil registrou 31,6 mortes a cada 100 mil habitantes.
O levantamento foi realizado com base nos números obtidos a partir dos registros do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade), do Ministério da Saúde. O recorte abrange 310 municípios de todo o país e, para além da divulgação dos dados sobre os crimes violentos, apresenta uma leitura crítica dos fatores considerados responsáveis pelo alto número desses crimes.
Um rosto das estatísticas, Eduardo era um jovem comum: gostava de ir à praça principal do bairro, seja para jogar futebol, descontrair com os amigos e, vez ou outra, surgia com uma nova namorada. A última tinha até aprovação da família.
“Era um menino muito bom”, resume Ana*, mãe do rapaz, enquanto, orgulhosa, mostra, a quem quiser ver, os vídeos de poucos segundos que ainda guarda do garoto. “Gostava muito de dançar, às vezes passava horas fazendo isso”, relembra, com carinho.
“Mudou tanta coisa depois disso. Pensar que, todo dia, quando eu chegava do trabalho, via ele dormindo. Eu assistia aqueles programas na televisão e via a mãe chorando e ficava me perguntando: ‘meu Deus, como uma pessoa aguenta passar por uma coisa dessas?’. Agora eu sei como é”.
Mancha vermelha
O bairro em que Eduardo morreu na periferia de Maracanaú está localizado na chamada “mancha vermelha”, termo usado por agentes da segurança pública para definir regiões violentas e com índices sociais que comprovam vulnerabilidade da população.
No município em que Eduardo se criou, 18,1% das pessoas de 15 a 24 anos — faixa etária dele — não estudam nem trabalham e estão na linha da pobreza; apenas 31,2% da cidade tem saneamento básico e mais de um quarto das crianças são pobres (29,1%).
Na visão do pesquisador Luiz Fábio Paiva, do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC (Universidade Federal do Ceará), diferentemente do que acontece na capital cearense, a precariedade dos serviços públicos esgarça o tecido social de um contexto já marcado por violações de direitos humanos. “A situação econômica do município é difícil, com taxas sérias de desemprego entre os mais jovens e desigualdades de renda que afetam as comunidades locais. Como acontece em Fortaleza, a população pobre e negra é a mais afetada pelos problemas que geram a disseminação da violência e do crime na região”, relata.
De acordo com Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas da Violência, as regiões Nordeste e Norte costumam seguir um padrão nos próprios dados — tanto sociais quanto de crimes — e, com o estudo lançado, é possível ter uma dimensão do abismo entre os índices de desenvolvimento humano de outros espaços do Brasil e das duas regiões.
Entre as 20 cidades mais perigosas do país, 18 pertencem ao Norte ou Nordeste —incluindo Altamira, no Pará, segunda no ranking com média de 133,7 mortes por 100 mil habitantes; e São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte, com 131,2.
Altamira assistiu a um massacre em uma unidade prisional justamente motivado por briga interna entre facções criminosas. Por lá, o CCA (Comando Classe A), aliado ao PCC (Primeiro Comando da Capital), comandou uma matança de integrantes do CV (Comando Vermelho). Foram mais de 57 mortos. Tudo aconteceu por disputa territorial por causa do mercado de drogas, enredo bastante semelhante ao presente no município onde Eduardo habitava.
A concentração dos estados mais violentos nessas duas regiões do país, na visão do pesquisador, é causada pela ausência de políticas públicas estruturadas e com fôlego. Daniel Cerqueira chama especial atenção para o número de crianças submetidas à pobreza. Em termos de comparação, no município de Maracanaú o percentual foi estabelecido em 63,2%. Em Brusque, no Rio Grande do Sul e quinta cidade com menores taxas de homicídio, o percentual atinge apenas 7,2%.
“Quando você compara indicadores dos territórios mais e menos violentos, como habitação, saneamento e evasão escolar, você percebe que existe um modelo. Maracanaú ficou em primeiro, mas facilmente outra cidade poderia ter ficado com a posição. E nestes lugares onde ocorrem essas vulnerabilidades, sobretudo juvenis, é exatamente onde o narcotráfico consegue arregimentar de forma mais fácil os seus soldados e conseguem torná-los peças de fácil reposição”, explica Daniel Cerqueira.
Caminho sem volta
“Eu não devo nada a ninguém”, afirmava Eduardo com firmeza durante as investidas de sua mãe, que tentava evitar que o filho seguisse o caminho que ela considerava errado. Após a morte de Eduardo, Ana escutou de pessoas próximas que o filho estava “cheirando pó”. Apesar disso, não era vinculado a nenhuma facção. “Dizia que não era nem de um, nem outro. Falava muito que gostava era de curtir. Mas acabou que ele falou essa besteira da GDE e infelizmente aconteceu isso”, diz.
A igreja evangélica e a escola foram perdendo o sentido para Eduardo, ao mesmo tempo em que florescia uma amizade com Danilo*, um integrante do CV, com quem fez algumas viagens até uma pequena cidade no interior do Ceará, local de origem de sua família materna e onde uma de suas irmãs vive.
A companhia de Danilo era vista com maus olhos por Ana. A mãe descobriu que o amigo do filho não tinha dinheiro para pagar o que consumia em entorpecentes. Apesar do filho negar ter dívida com o tráfico, tinha medo que, pela grande proximidade com o amigo, acabasse se tornando um alvo.
Quando voltou de uma dessas viagens, Danilo soube que estava jurado de morte pelo GDE, que domina o Alto Alegre, vizinho do bairro no qual Eduardo morava, onde predomina o CV, bairro onde ele e o novo amigo viviam.
No dia do assassinato de Eduardo, Ana viu o filho dormindo tranquilamente e saiu para trabalhar. Pouco tempo depois, recebeu uma mensagem em que ele avisava que os proprietários do local onde estava fazendo alguns serviços de pedreiro não estavam.
Poucos minutos depois, foi atravessada indiretamente por uma frase despretensiosa dita por um conhecido: “Ei, tu não viu no Whatsapp, não? O menino que morreu aqui perto”.
Ao escutar a frase, Ana sentia que, de alguma forma, o rapaz da foto poderia ser o próprio filho. Mesmo ciente de que Eduardo estava no trabalho, desconfiou. Preferiu não olhar. Minutos depois, recebeu a notícia.
A mãe do garoto não sabia naquele momento, mas dias antes Eduardo havia comprado cocaína de um traficante da região. Ao se deparar com um aviãozinho, disse que queria falar diretamente com a pessoa que tinha combinado. Minutos depois, o fornecedor da droga chegou e a discussão se alongou. O motivo do mal-estar entre ambos é desconhecido, mas Eduardo xingou a facção. Alguns dias depois, um homem não identificado e um adolescente voltaram para concretizar a vingança.
Essa lógica do revide tornou-se bastante frequente em periferias após o rompimento do acordo de paz entre as facções Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital no ano de 2016, gerando uma das piores crises de segurança do Ceará. No entanto, em 2019 as facções demonstraram que ainda é possível uma aliança: no início do ano, a Ponte falou sobre o pacto firmado entre facções criminosas rivais contra o governo estadual, na maior ofensiva do crime organizado na história do Estado.
Luiz Fábio Paiva explica que perceber as especificidades de cada território é necessário para entender a violência nos estados do Nordeste. “No Ceará, temos uma lógica de disputas territoriais permeadas pela formação de coletivos criminais que rivalizam pelo controle de áreas de tráfico ou, simplesmente, por rixas entre integrantes de grupos diferentes. Não podemos desconsiderar a lógica do ‘cabra macho’ que está sempre afirmando sua masculinidade em guerras territoriais ou entre grupos faccionados”, comenta.
Quando o Estado aperta o gatilho
O dia dos pais desse ano foi o segundo em que Francisco Roberto de Souza, 44 anos, pai de Shyslane Nunes de Sousa, 24, sentiu com intensidade visceral o que é estar incompleto. Afinal, filha nunca deixa de ser filha, estando ou não presente.
“Sempre acontece o momento onde todo mundo para e começa a lembrar dela. De como ela gostava de fazer a feijoada, se envolver na organização das coisas. Aí começamos a chorar”, lamenta Francisco, ao falar sobre a ausência da filha, morta pelor integrantes da PM (Polícia Militar) cearense em março de 2017, durante um assalto. Ela foi uma das 328 pessoas que morreram na cidade naquele ano, de acordo com o Atlas da Violência.
O exame balístico realizado pela Pefoce (Perícia Forense do Estado do Ceará) cinco meses depois do falecimento de Shyslane comprovou o que já era encarado como possibilidade por Francisco: a bala saiu da arma de um sargento lotado na CPCães (Companhia de Policiamento com Cães) do BOChoque (Batalhão de Polícia de Choque).
A ação que desencadeou a morte da jovem aconteceu quando Jéssica Maria Jovino Mendonça, uma mulher grávida de 18 anos, e um adolescente de 17 anos tentavam assaltar Shyslane, que seguia para a casa após sair da faculdade. A PM afirmou que a dupla era suspeita de praticar assaltos em série pelas ruas do bairro Conjunto Industrial. A polícia, então, teria reagido após os assaltantes atirarem contra o para-brisa da viatura. Os suspeitos também foram baleados e, após receberem alta, foram presos.
“Honestamente, eu não sei se eu estou seguro hoje. Eu preferiria que naquele momento que ela estava sendo assaltada não tivesse polícia. Mais de dez pessoas foram assaltadas naquela época por essas pessoas, mas eles perderam só o bem material. O celular da minha filha ficou, mas e ela?”, protesta Francisco.
Uma das diferenças fundamentais entre os dados divulgados no início de agosto pelo Atlas da Violência em comparação com as informações fornecidas pela SSPDS (Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará) é justamente a inserção do conceito de letalidade policial, eixo em que a morte de Shyslane é classificada, no balanço oficial dos homicídios.
A SSPDS tem outra compreensão sobre a contabilização dos casos. Segundo a pasta, “as mortes decorrentes de Intervenção Policial não são consideradas como intencionais, pois possuem excludente de ilicitude”. O respaldo jurídico assegurado pelo Código Penal engloba as ações comprovadamente executadas em casos de legítima defesa. Em 2017, de acordo com a SSPDS, foram 166 homicídios cometidos por agentes de segurança cearenses. Em 2018, o número cresceu para 221, representando um aumento de quase 25%.
Entretanto, Daniel Cerqueira, coordenador do Atlas, reconhece que, apesar da inserção no balanço geral, os dados do Atlas, baseados em relatórios do Ministério da Saúde, são ineficientes para dimensionar a realidade e declara que está em curso um estudo do Ipea voltado exclusivamente para tratar do assunto em profundidade. “No relatório divulgado este ano, nós retiramos a análise específica sobre os dados de violência policial que fazíamos nos anos anteriores. A classificação na saúde chamada de morte por intervenção policial é muito desagregada. Se você for comparar com anos anteriores, o dado da saúde sobre a morte ocasionada por policiais corresponde a 20% do número que aparece nos próprios registros das secretarias. A nossa tendência no Ipea é fazer trabalhos específicos sobre essa questão”, comenta.
Além de trazer dados atualizados, o documento — que ainda não tem previsão de lançamento — pretende fazer uma análise sobre a vitimização dos próprios agentes de segurança. “Basicamente, nós queremos mostrar que, na realidade, a retórica da guerra e da violência é algo que está conectada com um situação em que todos perdem, inclusive o próprio policial. Queremos mostrar o outro lado da história, então falaremos sobre morbidade emocional, física e outros aspectos. É um grande trabalho que está em curso, mas que trará resultados importantes”, garante Daniel.
Relação da impunidade com a violência
Nos anos decorridos após o maior desafio que Francisco Roberto já enfrentou, a saudade insiste em permanecer visceralmente, enquanto o desfecho na justiça ainda parece distante.
Apesar da redução na taxa de CVLI (Crimes Violentos Letais Intencionais) pelo 15º mês seguido no município de Maracanaú — a diminuição, em comparação entre os seis primeiros meses de 2019 e igual período de 2017, foi de 45,3% — vários homicídios permanecem sem resposta.
Conforme as informações repassadas à Ponte pela SSPDS, o índice de resolutividade dos CVLI de casos registrados nas delegacias do Ceará é de 36% até a tarde do dia 8 de agosto, quando os dados foram coletados no SGH (Sistema Gerenciador de Homicídios da PC-CE (Polícia Civil do Estado do Ceará). Apesar de baixo, o estado permanece entre os maiores índices de elucidação de homicídios do Brasil, já que a média nacional se aproxima dos 9%. A reportagem solicitou por duas vezes os dados específicos de Maracanaú à secretaria, que não se posicionou sobre o pedido.
A liberação dos dados acontece poucos dias após a divulgação do relatório ‘Onde mora a impunidade?’, do Instituto Sou da Paz. Publicado no dia 5 de agosto, o documento aponta que a política de divulgação de dados sobre resolução de homicídios, a nível nacional, não ocorre com a transparência necessária.
Em 2018, o Instituto solicitou aos Ministérios Públicos e Tribunais de Justiça dos 26 estados da federação e do Distrito Federal dados em relação a denúncias criminais referentes a homicídios dolosos consumados. Desses, apenas 12 estados enviaram informações consistentes que permitem o cálculo do percentual de esclarecimentos de mortes ocorridas em 2017.
O Ceará foi um dos que não concedeu as informações. Conforme o estudo, o Estado declarou a impossibilidade de consolidação dos dados por falta de sistema capaz de consolidar todas as variáveis necessárias ao cálculo.
Na visão de Daniel Cerqueira, pesquisador responsável pelo Atlas, a ausência de uma metodologia consistente por parte das secretarias promove uma série de dificuldades no processo de apuração. “Nos dados da polícia reina a confusão, porque as metodologias mudam ao longo do tempo, sem aviso prévio, além de que são taxonomias que mudam demais de um estado para o outro. A base das Secretarias de Segurança não tem total transparência. As nossas polícias ainda não adentraram no estado democrático de direito. São verdadeiras caixas-pretas. É muito difícil confiar porque pode ter um erro ali e você não sabe”, lamenta.
Por ser obrigatória a emissão de uma certidão de óbito para a realização de um sepultamento no Brasil, todos as mortes nas unidades federativas, bem como suas causas, passam pelo Ministério da Saúde. O conceito utilizado pelo Ipea para a definição de homicídio é o estabelecido no Protocolo de Bogotá, que engloba os óbitos causados por agressões mais as intervenções legais, segundo a décima CID (Classificação Internacional de Doenças) da OMS (Organização Mundial da Saúde).
O caso de Shyslane, apesar de não se enquadrar na definição de CVLI, também não teve resolução por por parte das autoridades. No dia do acontecimento, o pai da vítima recebeu a informação que ela teria tomado um tiro de raspão no pé, durante um assalto há cerca de 50 metros da própria residência.
No entanto, ao chegar na unidade de saúde, percebeu que a situação era mais grave. Um tiro se transformou em três: além do tornozelo, a coxa direita e a região esquerda do quadril tinham sido lesionadas com outros disparos. Um dos projéteis atingiu a veia femoral, causando lesões vasculares na jovem. Shyslane contou com dezenas de bolsas de sangue. Após cerca de dez paradas cardíacas, não resistiu e morreu três dias depois no IJF (Instituto Doutor José Frota, hospital localizado no Centro de Fortaleza.
Na visão de Francisco, a ação dos policiais foi desproporcional e pouco foi feito para garantir que os responsáveis pela morte da própria filha fossem responsabilizados, de alguma forma, pelos crimes. Além da lentidão na resolução, o homem relata que sofreu represálias para que não seguisse na busca por respostas sobre o acontecimento.
“No dia do sepultamento, uma viatura passou em frente à casa onde os meus filhos estavam. Não desceram, não falaram nada, apenas ficaram em frente ao local. Eu interpretei aquilo como uma ação para nos amedrontar, porque alguns dias antes, quando eu estava indo para a delegacia, um policial disse que eu estava falando demais. Nós ficamos com medo, porque não sabemos o que pode acontecer, né?”, revela o pai da vítima.
Atualmente, Francisco declara que “gostaria que o responsável fosse punido e a Justiça fosse feita, pois foi um erro grave”. Entretanto, não acredita que alguém seja preso pela ocorrência. Afirma que não foi convocado novamente por qualquer autoridade para prestar esclarecimentos desde a morte da filha e sequer sabe se o caso foi enviado ao MP-CE (Ministério Público do Ceará).
Conforme a CDG (Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública), o processo administrativo disciplinar instaurado para apurar o caso que vitimou a jovem encontra-se com instrução processual encerrada e aguarda decisão por parte da Controladora Geral de Disciplina. Além disso, afirma em nota que a decisão será publicada oportunamente no Diário Oficial do Estado, mas não esclarece mais detalhes sobre o processo.
Procurada para esclarecer informações sobre o IPM (Inquérito Policial Militar) e a atual situação do militar responsável pelo disparo, a assessoria de imprensa da Polícia Militar do Ceará não retornou o contato até o fechamento desta matéria. Consequentemente, o Ministério Público do Ceará também não pode verificar se existe algum processo em curso em relação ao sargento, pois não há divulgação pública, até o presente momento, do nome completo do agente ou do número do processo.
Já o caso de Eduardo, executado por integrantes do GDE em dezembro último, que abriu essa reportagem, também evidencia a falta de respostas aos homicídios cometidos. O crime foi parcialmente solucionado após um dos dois suspeitos de orquestrar a ação ser apreendido, durante uma abordagem rotineira do BPRaio (Batalhão de Policiamento de Rondas Intensivas e Ostensivas) da PM.
Entretanto, o jovem foi indiciado por porte ilegal de arma de fogo, pois estava com um revólver no momento da abordagem. Em depoimento prestado à Polícia Civil do Ceará, o adolescente admitiu que executou o rapaz.
“O rapaz que matou o seu filho ficará preso por muito tempo”, assegurou um escrivão à Ana, mãe de Eduardo, enquanto ela retirava na unidade policial os poucos pertences que o filho carregava. No entanto, em fevereiro deste ano, o suspeito foi posto em liberdade e, até o momento, não foi visto novamente na comunidade onde morava, de acordo com moradores da região ouvidos pela Ponte.
O segundo suspeito, que fez a típica proteção ao adolescente enquanto os disparos eram realizados, sequer foi identificado. Apesar da fuga, o caso já possui mais respostas que a maioria. O último relatório “Cada Vida Importa”, idealizado pelo Comitê Cearense Pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, lançado em 2016, mostrou que, no Ceará, apenas 2,8% dos casos de homicídio de 1.528 adolescentes tinha alguma indicação do responsável pelo crime: 82% encontram-se em fase de inquérito policial, 10,5% em estágio de ação penal e 4,8% foram arquivados, por autoria não elucidada ou morte do acusado.
“Não temos ideia do que acontece em relação aos processos de homicídio. O Ceará tem casos emblemáticos de prescrição de homicídios e taxas que, por levantamentos ainda muito incipientes, mostram uma realidade terrível nesse campo. Isso é gravíssimo e revela uma deficiência grave do nosso sistema de justiça”, indica o pesquisador do LEV (Laboratório de Estudos da Violência) da UFC (Universidade Federal do Ceará), Luiz Fábio Paiva.
Além disso, o estudioso aponta que é criado um limite para a política do estado de fazer segurança por meio de operações policiais, fazendo que todo o investimento em policiamento seja um grande espetáculo de “enxugar gelo”, pois os responsáveis por crimes efetivamente não são julgados e recebem suas sentenças de acordo com a lei.
Em contrapartida, a SSPDS afirma que o Ceará “vem trabalhando na integração entre instituições e investindo no ingresso de novos servidores, na formação continuada dos profissionais da segurança pública e na aquisição de equipamentos, assim como na inserção de pesquisadores de universidades na construção de novas ferramentas tecnológicas, voltadas para as necessidades das forças de segurança”.
Conforme nota divulgada à Ponte, a secretaria afirma que, em 2017, a cidade passou a contar com uma base do CPRaio (Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas), unidade especializada da Polícia Militar do Ceará, com foco no trabalho ostensivo, garantindo agilidade nas ações policiais em todas as vias do município da região metropolitana.
Em 2018, o município passou a integrar o sistema de videomonitoramento do Estado com 20 câmeras que incluem as funções de giro 360 graus e as com tecnologia para leitura de placas de veículos. Além disso, no mesmo ano, o Governo do Estado inaugurou a nova sede da Delegacia Metropolitana de Maracanaú, que funciona em regime de 24 horas, dando cobertura à cidade e atendendo a demandas dos municípios de Maranguape, Guaiúba e Pacatuba, nos fins de semanas e no período noturno.
Entretanto, para os que já passaram, o sentimento de tolerância ao crime permanece. “Justiça só de Deus, porque aqui não existe. Agora, se tivesse matado alguém da Polícia, com certeza ele estava preso. Mas porque eles acham que o outro matou o Eduardo, acham que ele era traficante. Ele não era nada disso”, sentencia Ana.
*Nomes trocados a pedido dos entrevistados por questões de segurança