‘A minha filha vai pra escola com medo’: alunos da zona norte de SP são monitorados pela PM

Jovens se manifestaram contra o fechamento de salas em escola na Brasilândia no início do mês e foram atacados pela polícia. Secretaria de Educação de São Paulo nega corte de turmas

Alunos se manifestam em frente à Diretoria de Ensino Norte 1, em São Paulo | Foto: Reprodução / Apeoesp

Maria Lucia da Silva, 53, diarista, está com medo de enviar sua filha para a escola. Matriculada na Escola Estadual João Solimeo, na Brasilândia, periferia da zona norte de São Paulo, sua filha está receosa desde o início de maio, quando alunos da escola foram reprimidos pela Polícia Militar após manifestação contra o encerramento de turmas. Na ocasião, adolescentes se reuniram no interior da escola com cartazes pedindo que a Secretaria de Educação reabrisse as turmas fechadas.

Ao menos desde o início de maio, três turmas deixaram de existir na unidade educacional: uma do terceiro ano do ensino médio, uma do segundo e uma do sexto ano do ensino fundamental. A manifestação, realizada no dia 6 de maio, ocorria de forma pacífica dentro da escola quando os alunos foram retirados da unidade por policiais militares. Os portões da escola foram fechados pelo então diretor, segundo relatos, e ao lado de fora os estudantes se depararam com viaturas da Polícia Militar que avançaram e perseguiram os manifestantes. Vídeos do momento mostram uma viatura da PM paulista partindo para cima de jovens na calçada da escola, e relatos apontam violência física e atropelamentos. Três adolescentes foram detidos e levados, desacompanhados, a um distrito policial.

Vídeo mostra viatura da PM perseguindo alunos da Escola Estadual João Solimeo, na Brasilândia, em São Paulo | Vídeo: Reprodução / Flavia Bischain

Maria conversou com a Ponte. A mãe relata que, desde a manifestação, o contingente policial nos arredores da escola aumentou, e que hoje três viaturas ficam paradas em frente ao local no horário de aula. Antes, ela relata, havia apenas uma. “Não precisava ter três viaturas na porta da escola. Eles não são bandidos, lá não é cadeia. Lá é uma escola”, diz.

Flavia Bischain, coordenadora da subsede Oeste do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp) e professora da rede pública estadual na Brasilândia, acompanhou as movimentações dos estudantes desde o início.

À Ponte, a professora reiterou que há aumento do policiamento na porta da escola e medo de pais e alunos. “Os estudantes continuam se sentindo intimidados, tem estudante que está com medo de ir pra escola, pais que não querem que seus filhos compareçam à escola porque estão com medo”, revela Bischain. Para a professora, a repressão policial aos alunos da Escola Estadual João Solimeo é um prelúdio da visão do governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) para a educação: “o que aconteceu na escola Solimeo demonstrou a disposição do governo e o que ele quer fazer com a polícia dentro das escolas. A gente sabe que isso é parte do aumento da violência policial na periferia, em especial contra a juventude negra. A novidade foi isso acontecer na porta da escola”.

“Você não tem noção de quanto carro de polícia encostou lá na escola”, Maria contou abismada sobre o dia da repressão policial. “Parecia rebelião de cadeia, tinha dez viaturas de polícia lá.”

Na quarta-feira passada (22/5), representantes da subsede Oeste do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, a Apeoesp, e estudantes da escola, se manifestaram em frente à diretoria regional de ensino Norte-1, responsável pela gestão escolar da região, contra o fechamento de salas de aula promovido pelo governo Tarcísio e em repúdio à repressão policial sofrida pelos alunos. Os estudantes também estiveram presentes em ato realizado pela Apeoesp na última sexta-feira (24/5), na Avenida Paulista.

Apesar de ser o motivo das manifestações na Escola Estadual João Solimeo, a Secretaria de Educação de São Paulo nega o fechamento de turmas em escolas estaduais. Para Maria, “é como se estivessem negando a existência dos alunos”. “A secretaria de ensino alega que não sabia sobre as salas fechadas. Não é verdade. E no dia da manifestação, se eles não soubessem, ficaram sabendo”, a mãe reflete. Ela afirma que a direção da escola responde às reclamações dos responsáveis sobre o ensino dizendo para buscarem escolas particulares.

‘A minha sala está horrível, mãe’

Flavia Bischain explica como o encerramento de turmas acontece: alunos que faltam à escola por 15 dias, independentemente da motivação, têm sua matrícula automaticamente suspensa, e para voltarem aos estudos precisam pedir a reativação do cadastro. Isso faz o número de alunos diminuir, ao menos temporariamente, e turmas com menos de 40 alunos são dissolvidas, distribuindo os alunos restantes em outras turmas – ou, em caso de não haver vagas em outras turmas, obrigando-os a irem para outras unidades educacionais.

Até quando há vagas em outras turmas, porém, a professora ressalta, a questão é um problema – nesse caso, os alunos realocados vão parar em salas superlotadas, piorando a condição de ensino, trabalho e estudo. Uma aluna adolescente da escola João Solimeo diz, em áudio enviado para sua mãe ao qual a Ponte teve acesso, que sua sala “está impossível de viver”.

“A minha sala está horrível, mãe. Horrível mesmo. Teve gente da minha sala indo buscar cadeira e mesa em outra sala e ao mesmo tempo teve gente de outra sala vindo buscar cadeira e mesa na minha sala. Eles falaram que precisavam de demanda para poder reabrir as salas, sendo que a demanda eram os próprios alunos que tiveram suas salas fechadas”, conta.

Nem sempre o processo de fechamento de salas foi assim, Bischain explica. Antes do governo Tarcísio, alunos com 15 dias de faltas ainda perdiam sua vaga na unidade escolar, mas essas faltas tinham de ser em sequência. Além disso, a professora relata, era preciso cumprir exigências de busca ativa e garantir que a unidade escolar tentou fazer com que os jovens retornassem aos estudos.”Isso não está acontecendo mais, é o contrário, a Secretaria de Educação está jogando esses alunos para fora das escolas”, ela analisa. “Hoje há um estímulo à evasão nas escolas estaduais”.

Maria lamenta a situação. “Tem alunos desistindo da escola. É tão triste ver um adolescente desistindo da escola. A escola deles é o único meio que eles vão ter para conseguir um emprego decente. Se eles desistirem, o que você acha que eles vão fazer?”

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A subsede oeste da Apeoesp fez uma manifestação formal ao Ministério Público de São Paulo relatando a ação policial e a intimidação aos alunos da escola com a presença constante de policiamento na porta da escola, além do fechamento de salas na escola, e pediu ao órgão investigação sobre o caso.

O que dizem as autoridades

Em nota, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo disse que:

A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP) esclarece que não houve na E.E. João Solimeo, mas uma adequação das salas à demanda da escola, mantendo-as com um número de estudantes menor que o determinado para o módulo na resolução SE nº 02/2016.

No início do ano letivo, em fevereiro, havia 104 mil salas abertas na escolas da rede estadual. Atualmente são mais  136 mil em todo estado.

Sobre o caso do dia 6, a ronda escolar realizava patrulha da unidade  como de costume. Uma equipe do Programa de Melhoria da Convivência e Proteção Escolar (Conviva) está atuando na escola com ações para conscientização e mediação de conflitos com toda comunidade escolar.

Já a Secretaria da Segurança Pública respondeu os questionamentos da reportagem também por meio de nota:

A Polícia Militar esclarece que as imagens que circulam nas redes sociais estão sendo analisadas e medidas cabíveis serão tomadas em caso de irregularidade operacional dos agentes. No último dia 7, os PMs foram acionados para acompanhar uma manifestação de estudantes, na Escola Estadual João Solimeo, zona norte da capital. Na saída dos alunos, alguns começaram a jogar pedras e outros objetos contra os policiais. Uma das viaturas foi danificada. Após serem apreendidos e encaminhados ao 72° DP (Vila Penteado), eles foram liberados na presença dos responsáveis mediante assinatura de termo de compromisso.

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