A PM agiu certo ao matar um homem em surto num restaurante?

    Especialistas analisam se policiais poderiam ter evitado matar um sushiman que atacou colegas com facas em restaurante na zona sul de SP

    Fachada do restaurante no qual o sushiman morreu na ação dos PMs | Foto: Reprodução/TV Globo

    Um sushiman num estado aparente de surto psicótico faz seu colega de serviço refém com uma faca no restaurante em que trabalha. A Polícia Militar é acionada. Após liberar os reféns, tenta acalmar o homem. Usa balas de borracha, sem sucesso. Atira com arma de choque, que não surte efeito, o homem joga uma das facas e os PMs atiram com arma letal, matando-o. A morte poderia ter sido evitada?

    A Ponte fez essa pergunta a três especialistas para analisar o caso de um sushiman que morreu após ameaçar os colegas e ser baleado pela PM na quarta-feira (21/11), em Itaim Bibi, zona oeste da cidade de São Paulo. Houve dois entendimentos possíveis: de que os policiais fizeram tudo que podiam para tentar imobilizar o homem e precisaram reagir; e de que os PMs se precipitaram, não respeitando normas da corporação, e poderiam ter evitado a morte do cozinheiro.

    Segundo descreve o Método Giraldi, norma da PM para uso da arma de fogo, existem quatro requisitos para que o policial saque a sua pistola .40 e dispare em uma pessoa durante o trabalho: necessidade de agir, oportunidade para o disparo, proporcionalidade em relação aos locais a serem atingidos (“na direção da silhueta”) e qualidade para “cessar” a ação. Atirar é apontado como situação extrema, “último recurso”, “quando for estritamente inevitável, e para proteger vidas inocentes, incluindo a sua [do PM]”.

    A Ouvidoria das Polícias de São Paulo instaurou procedimento para apuração do caso, encaminhado à Corregedoria da PM e ao DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa), responsável por investigar mortes causadas por policiais.

    A Ponte solicitou posicionamento sobre a ação dos policiais neste caso para a PM e SSP (Secretaria da Segurança Pública) de SP, através da sua assessoria de imprensa terceirizada, a InPress, mas não obteve respostas até a publicação da reportagem.

    Confira abaixo cinco perguntas sobre a ação dos PMs respondidas nas análises dos especialistas.

    Os PMs agiram corretamente ao tentar negociar no início da ação?

    Sim. Segundo o B.O. (Boletim de Ocorrência) do caso, Leandro Santana dos Santos, de 26 anos, teve um surto, pegou duas facas e colocou no pescoço de outro garçom. Só o soltou quando outros dois funcionários acudiram e o refém acabou ferido no queixo, sem gravidade. A chegada da polícia possibilitou que os clientes e trabalhadores, cerca de 50 pessoas, saíssem do local. “A melhor decisão era negociar, tirar as vítimas do lugar”, reconhece o coronel da reserva da PM de SP, Adilson Paes de Souza.

    Apenas os PMs e o sushiman permaneceram no restaurante. A partir daí, a única versão conhecida sobre a morte de Leandro é a apresentada pelos policiais à Polícia Civil no B.O. Segundo os PMs, eles iniciaram uma tentativa de rendição, que não ocorreu. A Ponte tentou ouvir duas testemunhas da morte de Leandro, ambas funcionárias do restaurante, mas elas preferiram não comentar – apontaram já terem dado suas versões à Polícia Civil.

    Sem a rendição, usar bala de borracha era certo?

    Como primeira tentativa de acalmá-lo não deu certo, os PMs usaram a escopeta calibre 12 com munição não letal de bala de borracha. Segundo a PM, Leandro não se acalmou após levar seis disparos de balas de borracha, armamento menos letal. Foi quanto um dos PMs disparou com a arma de choque para imobilizá-lo, porém, acertou no avental usado pelo garçom, sem efeito da descarga elétrica.

    Fontes ouvidas mostraram estranhamento sobre os seis tiros de bala de borracha não terem neutralizado o garçom. “É uma ocorrência difícil, mas já vi uma pessoa levar menos tiros de borracha na perna e cair, ser imobilizado e acabar a ocorrência. Os tiros teriam derrubado ele”, sustenta, pedindo anonimato.

    Para o coronel aposentado, existe a possibilidade de uma pessoa receber seis tiros de bala de borracha e permanecer em ação. “Em um surto, a chance dele não sentir nada e seguir na loucura dele existe”, aponta. Sobre a taser, estranhou em um primeiro momento sua falha, mas depois achou possível que o equipamento não tenha tido efeito por acertar a roupa e não o homem.

    Sem o efeito das balas, deveriam ter dado descarga elétrica com a taser?

    Há uma divergência entre as fontes. Para o coronel Adilson, os PM seguiram corretamente o procedimento ao optar pela taser. “É um grande choque, não é legal apenas em caso de problema cardíaco, mas é feito para não matar. sei que é um choque do caramba. Eles deram o azar de pegar o avental”, comenta. A falta de mira do policial que atirou impossibilitou que Leandro fosse imobilizado e gerou a reação dele em jogar a faca.

    O ouvidor das polícias de São Paulo, Benedito Mariano, considerou estranha a falha da taser. “É preciso apuração pois a arma não letal (pistola elétrica ) não conseguiu imobilizar o rapaz”, sendo que ela “normalmente é suficiente para imobilizar a agressão”, sustenta o profissional.

    Para o professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública) Rafael Alcadipani, os PMs tinham outras alternativas após usarem a bala de borracha além do disparo com a arma de choque. “Eles poderiam pedir reforço e esperar, contendo o cara com gás de pimenta. Podiam ter o isolado dentro do local, jogado uma bomba de efeito moral e ele estaria sem reação”, analisa.

    A faca lançada pelo homem oferecia risco aos policiais?

    Em surto, Leandro então teria lançado uma das duas facas nos policiais, que conseguiu desviar. Ele e seu parceiro decidiram usar a pistola calibre .40, arma letal. Leandro foi atingido nas nádegas e na “região lateral do corpo”, ainda segundo o documento. De acordo com o jornal “Agora SP”, há relatos de parte dos tiros terem acertado o cozinheiro nas costas.

    Segundo Paes de Barros, a dupla fez tudo ao alcance para imobilizar o garçom até precisarem usar o armamento letal. “Os dois tentam imobilizar o cara, não dá. Ele joga uma das faca neles. O que fazer? Esperaram o tempo certo para ter esta reação”, pontua Adilson. Alcadipani concorda. “A faca é um risco, alto risco. Pode furar o colete, causar um grande estrago”, pontua,

    Por outro lado, o ex-ouvidor das polícias de São Paulo Julio César Fernandes Neves discorda. Para ele, a ação está fora dos parâmetros. “Não esperaram o tempo certo para agir. Infelizmente foi isso: não existia a necessidade de dar dois tiros”, aponta o advogado.

    Ao atirarem em Leandro, os PMs seguiram o Método Giraldi?

    Para Neves, não. “Na realidade, eles tinham que ter usado o método e não usaram. Tinha que ter esperado o momento certo para agir, como manda este treinamento”, sustenta, apontando que a falta de paciência dos PMs gerou a morte de Leandro por precipitação. “Com certeza, usando o Giraldi corretamente, o rapaz estaria vivo e, hoje, em um tratamento psicológico e poderia ser recuperado”, argumenta.

    Coronel Adilson considera a ação dentro das normas do Giraldi. “Imagine a tensão dos dois: o homem está surtando com duas facas nas mãos, conseguem tirar todos os refém e insistem em acalmá-lo. Não conseguem. Usam bala de borracha seis vezes, sem dar resultado. Arma elétrica, sem resultado. Reagiram da maneira correta”, pondera.

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