A quarentena do Itaim Paulista

    Em bairro na zona leste da capital paulista, escola fechada sofre tentativas de furtos quase todos os dias e padre celebra missa pelo Facebook

    Avenida Marechal Tito, uma das principais da região, com o comércio fechado | Foto: Matheus Macedo/Ponte

    Em tempos de pandemia, ficou mais fácil falar com Deus pela internet do que nas igrejas. Para evitar aglomerações e o risco de disseminação do coronavírus, o padre Genaldo Laurindo, responsável pela Paróquia Bom Jesus da Oliveiras, em Itaim Paulista, bairro no extremo leste da cidade de São Paulo, passou a fazer suas celebrações no Facebook.

    “Desde o dia 21, venho fazendo transmissões ao vivo na minha página. Faço orações, medito o Evangelho ou outro texto bíblico”, conta Geraldo. Além disso, a paróquia possui perfis oficiais no Facebook e Instagram onde a cada noite o sacerdote faz lives, com o terço e também a missa. Aos domingos, a transmissão da missa chega a reunir cerca de 500 pessoas.

    A igreja chegou a ficar uma semana fechada, mas, desde o dia 29, por recomendação da diocese, padre Genaldo decidiu abrir as portas para que os fiéis possam rezar, mas de forma individual, sem missas, evitando aglomerações.

    Padre Genaldo passou a fazer celebrações no Facebook | Foto: Divulgação

    O modo de celebrar a fé foi só um dos muitos itens da rotina que mudou no Itaim Paulista, por conta da quarentena estabelecida pelo governador João Dória (PSDB) em todo o estado de São Paulo.

    Habitado por mais de 220 mil pessoas, o último distrito da zona leste é considerado um dos mais populosos da capital. Sua população é composta majoritariamente por imigrantes nordestinos e descendentes. Suas principais avenidas fazem ligação com com quatro municípios da Grande São Paulo: Itaquaquecetuba, Ferraz de Vasconcelos, Poá e Guarulhos.

    Portas fechadas

    Ao caminhar pelas principais avenidas do Itaim Paulista, na zona leste da cidade de São Paulo, o que se vê são lojas, restaurantes, bares e até igrejas fechadas. Os estabelecimentos que ainda estão abertos são obrigados a encontrar maneiras diminuir o impacto econômico, como colocar cartazes nas portas com números de telefone ou realizar vendas por redes sociais.

    Estação de trem Itaim Paulista da CPTM está deserta| Foto: Matheus Macedo/Ponte

    Considerado um bairro dormitório, pois grande parte dos moradores precisa se deslocar para bairros da região centro-sul da capital para trabalhar e estudar, o Itaim Paulista conta com duas estações da linha 12 da CPTM, Itaim Paulista e Jardim Romano. Ambas concentram grande parte do contingente diário dos trens da linha Safira. Mas o que se vê, hoje, é um movimento relativamente reduzido.

    O microempresário Naldo Delmiro, 37 anos, dono de três barbearias, uma delas no Itaim Paulista, diz que não encontrou alternativas. Teve que interromper as atividades e demitir alguns funcionários. Grande parte dos 50 funcionários trabalha por comissão, porém uma parcela que recebia salário fixo foi mandada embora. A empresa, que passava por um processo de expansão, não estava preparada para passar por uma crise. “Todo nosso capital era destinado ao investimento de expansão e na criação de um  centro profissionalizante. Agora nosso objetivo é renegociar os aluguéis, dívidas com fornecedores e demais despesas a fim de não fechar as portas pela insustentabilidade financeira”, diz.

    Quem insistiu em abrir seu estabelecimento teve que optar por fazer entregas domiciliares, como é o caso de Adriano Mendes, 23 anos, e seu pai, donos de um pequeno bar próximo a uma das estações da CPTM, onde se acostumaram a trabalhar de 10 a 12 horas por dia. Segundo Mendes, a quarentena fez com que as vendas caíssem de maneira drástica. “Estávamos acostumados com uma venda diária de cerca de R$ 300, hoje não chegamos nem a metade”, conta. “Infelizmente estamos correndo o risco, tanto pelo decreto do Estado, quanto em questão de saúde, pois temos familiares no grupo de risco. Estamos dando a cara à tapa, pois precisamos pagar o aluguel e as despesas”, revela.

    Adriano e seu pai, donos de um bar que não fechou as portas: ” Estamos dando a cara à tapa, pois precisamos pagar o aluguel e as despesas”| Foto: Arquivo pessoal

    O bar de Adriano é um dos poucos que insistiram em abrir na quarentena. Na noite de sexta-feira (26/3), ao circular pela Avenida Tibúrcio de Souza, point dos principais bares, tabacarias e restaurantes do bairro, a reportagem constatou que somente pizzarias e padarias estavam abertas realizando entregas. Cenário semelhante foi encontrada na Avenida Marechal Tito, principal artéria do Itaim Paulista.

    A escola que virou alvo

    Fechada desde 18 de março, a Escola Estadual Professor João Prado Margarido, tem enfrentado uma série de tentativas de assalto, algumas com sucesso. O coordenador pedagógico Pedro Silva FIlho relata que, no dia seguinte ao fechamento, dois homens encapuzados tentaram invadir a escola pelo telhado. O furto só não se concretizou pois ele estava na escola e acionou a polícia, que chegou rapidamente ao local, com viaturas e um helicóptero. No mesmo dia, 30 pessoas fizeram um arrastão no supermercado Roldão Atacadista, localizado na avenida Marechal Tito, a menos de um quilômetro da escola.

    Supermercado foi alvo de um arrastão | Foto: Matheus Macedo/Ponte

    Durante a noite, ladrões arrombaram duas paredes e levaram alguns objetos. No dia seguinte, entraram na despensa da escola e levaram a merenda. Na última quinta-feira (26/3), cortaram o alarme da parte administrativa. Na madrugada de sábado (28), quebraram a parede um dos corredores e roubaram os fios.

    A interrupção do ano letivo também trouxe diversas consequências para quem dependia das atividades escolares para conseguir sua renda mensal.  A transportadora escolar Silvana Alves, 42 anos, é uma delas. “Alguns colegas entraram em contato com os pais de alunos e eles informaram que não vão pagar, pois precisam decidir entre ter um alimento na mesa ou pagar o transporte”, diz.

    Outras que dependem do funcionamento das escola são as das auxiliares de limpeza, funcionárias terceirizadas pelo Estado. Com a quarentena, Cleunice Pereira, 54, está indo apenas uma vez por semana até a Escola Estadual Francisco Parente para trabalhar. O receio ser demitida.

    O Itaim Paulista conta com oito Unidades Básicas de Saúde, além do Hospital Geral Santa Marcelina, que funciona em parceria com o Governo do Estado de São Paulo. Moradores relatam dificuldades para serem atendidos nas UBSs do bairro, onde os funcionários, já na triagem, orientam todos os casos tidos como menos graves a voltar imediatamente para casa, com o objetivo de evitar aglomerações nas unidades. Por causa disso, as UBs andam mais vazias do que antes.

    Com febre de quase 40 graus, Junior Marcelo, 19 anos, procurou duas vezes as unidades de saúde e foi mandado de volta para casa sem atendimento. Somente na terceira vez, na UPA (Unidade de Pronto-Atendimento) Júlio Tupy, no bairro vizinho de Guaianases, depois que ele e sua mãe insistiram, é que foi examinado e diagnosticado, felizmente, como um caso de gripe comum (influenza).

    ‘Siga aquele caminhão de gás’

    Grande parte dos moradores das diversas regiões do bairro têm relatado dificuldades em encontrar gás de cozinha. A costureira Sara Alves, 49 anos, residente na Vila Silva Teles, relatou que ela e seu marido passaram um dia inteiro atrás de gás e só encontraram no final da tarde, quando viram um caminhão passar na rua com o carregamento. Não tiveram dúvida. Como em um filme policial, decidiram seguir o caminhão até seu destino. Chegaram a uma distribuidora na região da Cidade Kemel, na divisa do bairro com a Grande SP. Ali, para sua felicidade, conseguiram comprar um cobiçado botijão, por R$ 85, cerca de R$ 20 acima do preço normal.

    Moradores ignoram recomendações e saem de casa para ir as feiras livres | Foto: Matheus Macedo/Ponte

    Dentro de alguns mercados existe um racionamento na venda de leite: o limite é de um fardo, com 12 litros, por pessoa. Embora as prateleiras estejam abastecidas, um dos produtos mais procurados durante a pandemia, o álcool em gel, está em falta. Nas farmácias faltam álcool em gel e máscaras, e não existe previsão de reposição. Em algumas farmácias, o preço do álcool em gel, quando tem, foi de R$ 7 para R$ 20 a unidade.

    Apesar das medidas restritivas e grande parte do comércio obedecendo à quarentena, a reportagem constatou que os moradores do bairro continuam saindo de suas casas, como se não houvessem as proibições. Na tarde de sábado (28/3) em que a reportagem percorreu o bairro, encontramos uma feira livre no Jardim das Oliveiras completamente cheia.

    Já na parte da noite era possível encontrar pequenos grupos de pessoas nas portas de casas, comendo, bebendo e ouvindo música, algo comum nas ruas da periferia. Além de crianças na rua, jogando bola ou brincando.

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