‘Realidade é a mesma de países em guerra, mas aqui no Rio é execução’

    Moradora do Complexo da Maré conta como a comunidade da zona norte do Rio tem vivido rotina de tensão e indignação dois dias depois da operação policial que deixou 8 pessoas mortas

    Um dos tiros da operação policial que deixou 8 pessoas mortas na Maré | Foto: Redes da Maré

    Nos últimos dias, o Complexo de Favelas da Maré, na zona norte do Rio de Janeiro, tem vivido sob um clima de tensão em decorrência de uma operação policial na última segunda-feira (6/5). De acordo com informações levantadas pela Redes da Maré, uma ação envolvendo o helicóptero da Polícia Civil, usado como plataforma de tiros, aterrorizou os moradores do Conjunto Esperança, Salsa & Merengue, Vila do Pinheiro e Vila do João. Na ação, 8 pessoas foram mortas e 3 ficaram feridas, entre elas uma criança.

    Em entrevista à Ponte, a assistente social Dayana Gusmão, moradora do Complexo da Maré e integrante da Coletiva Resistência Lesbi de Favelas, contou como está o clima no local. “Aqui tá foda. A gente tem um governador maluco com tara em atirar na cabeça de favelado. Na última operação na Maré foram 8 mortos, na anterior, há 15 dias, foram 4 e por aí vai. Não dá nem tempo de a gente acolher as famílias das vítimas com qualidade. Parece chorumela quando a gente fala nos lugares, mas a realidade do Rio tá terrível, digna de países em guerra, com a diferença que aqui não é guerra. É execução. A viabilidade midiática de boa qualidade é nossa melhor arma”, desabafa Dayana.

    Gusmão acredita que as operações não vão acabar enquanto o governo for o mesmo. “É a lógica desse Estado. Temos um governador que publicamente diz que a ordem é matar. Ele se sente socialmente autorizado a dizer isso porque infelizmente a favela é um quilombo urbano que historicamente é alvo de ataques. Mas com certeza vai ter resistência sempre”, afirma.

    Segundo moradores, os policiais da Decod (Delegacia de Combate às Drogas) chegaram por volta das 11h do dia 6/5, com três carros blindados, conhecidos como caveirão, e um helicóptero disparando no horário que as crianças saem da escola.

    Segundo a assessoria da Polícia Civil o objetivo da operação era prender o traficante 3N. Além das 8 mortes, duas pessoas foram presas e 7 fuzis apreendidos. Vídeo divulgado pela página Maré Vive mostra helicóptero sendo usado como plataforma de tiro.

    Em um áudio que circulou pelo WhatsApp, uma moradora suplica, com total desespero, por orações e alerta para o risco que estão correndo os estudantes, liberados mesmo “com tanto tiro”. Não é para menos. Em junho do ano passado, também na Maré, o estudante Marcus Vinicius da Silva, 14 anos, foi morto quando saía da escola durante uma operação policial. A mãe de Marcus, Bruna, assumiu a luta por justiça no caso do filho e tem participado de protestos contra a violência de Estado pelo país.

    Um vídeo recebido pela Ponte mostra um momento de desespero enquanto tiros eram disparados na Maré. “Meu deus, o que é isso? Vai matar todo mundo ali. Meu deus”, diz uma moradora enquanto grava sua janela.

    A operação na Maré acontece quatro dias depois de uma ação em Angra dos Reis, Costa Verde, em que o governador do Rio Wilson Witzel (PSC) estava em um helicóptero ao lado da Core (Coordenadoria de Recurso Especiais), da Polícia Civil, que, segundo informações d’O Globo, realizou dezenas de disparos contra civis no último sábado (4/5).

    O número de mortes e violações de direitos humanos aumentou desde que Witzel assumiu o governo do estado. Só no primeiro trimestre de 2019, foram registrados 434 homicídios em decorrência de intervenção de agentes policiais, de acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), órgão que mapeia as estatísticas oficiais do Estado.

    No mês passado, a presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Alerj (Assembleia Legislativa do RJ), a deputada estadual Renata Souza (Psol-RJ), solicitou ao Ministério Público – federal e estadual – uma investigação das ação dos atiradores de elite e aponte quantas pessoas foram baleadas ou mortas. Agora, a deputada envia à ONU (Organização das Nações Unidas), em nome da Comissão da Alerj e ao lado da deputada federal Talíria Petrone (Psol-RJ), uma denúncia contra as ações do governo Witzel.

    Em entrevista à Ponte, a deputada estadual argumenta que usar helicópteros como plataforma de tiros é uma violação aos direitos humanos. “É uma violação a essas pessoas que vivem nas favelas e periferias do Rio de Janeiro. Além de ter aumentado a letalidade policial, como a gente vê em todos os dados estatísticos, a gente vê um terror imposto pelo próprio estado dentro de favelas e periferias. Aquelas imagens dos estudantes da Maré correndo do helicóptero, demonstra o quanto o estado é promotor do terrorismo com a política de segurança do Witzel”, alega Renata.

    Souza também critica a política pública do governo do Rio. “Não há uma política de combate à criminalidade, há uma política de combate à pobreza e a existência daqueles que vivem nas favelas. Eu quero saber quais são os protocolos, quais são as medidas concretas na segurança pública que podem assegurar a vida das pessoas, dentro e fora das favelas. O Witzel ainda não apresentou qual é o seu plano de política pública, além de mirar e atirar na cabecinha. Uma política pública precisa ter como parâmetro de qualidade a utilização da investigação, e não o número de mortos que deixa no chão das favelas e periferias”, defende a deputada.

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