Sobre a importância da aprovação imediata do PL 4471/12, que acaba com os “autos de resistência” e estabelece novos parâmetros na investigação de crimes cometidos por agentes do Estado
Cesar S. Pereira*, especial para Ponte
O Estado brasileiro inicia sua relação legislativa com a juventude negra a partir de 28 de setembro de 1871, com a Lei do Ventre Livre, que considerava “livres” todos os filhos de mulheres escravizadas. Estabelecia duas possibilidades: as crianças deveriam ficar em poder dos escravizadores até os 8 anos de idade, depois desse período, ou o Estado pagaria uma indenização aos “senhores das mães” ou o jovem teria de cumprir serviço aos “donos” de suas mães até os 21 anos. Essa situação só seria revertida caso fossem comprovados “que os senhores das mães os maltratam, infligindo-lhes castigos excessivos”. Nesse caso, os jovens negros eram entregues ao governo, que por sua vez, lhe daria destino para associações, que poderiam utilizar dos seus serviços “gratuitamente” ou “alugar”, o que não deixa de ser uma forma de escravidão. O jovem “liberto” ficava, ainda, sob inspeção do governo durante 5 anos, conforme dizia a lei: “Êles são obrigados a contratar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos públicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exigir contrato de serviço.”
[alert type=”e.g. block, error, success, info” title=””]§ 1.º – Os ditos filhos menores ficarão em poder o sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão a obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso, o Govêrno receberá o menor e lhe dará destino,em conformidade da presente lei.” Trecho da Lei Nº 2040 de 28.09.1871, Lei do Ventre Livre[/alert]
Começa aí o genocídio da juventude negra e periférica, agora legalizado. Com o passar dos anos outros constrangimentos foram impostos aos jovens negros, como os “autos de resistência”, mecanismo criado no período da ditadura militar para autorizar o Estado a matar alegando suposta resistência. Em 2011, no Rio de Janeiro e em São Paulo, 42% das mortes foram consideradas como autos de resistência.
O Estado brasileiro tem submetido o jovem negro, desde a Lei do Ventre Livre, a situações de vulnerabilidade e de extrema violência. O culpado é o Estado brasileiro. Esse mesmo Estado tem o dever de garantir a vida de jovens negros hoje, por isso neste momento há uma mobilização nacional em torno do PL 4471/12, que pede o fim dos autos de resistência.
Em uma campanha chamada “Novembro pela Vida”, milhares de pessoas de todo o Brasil estão articuladas no intuito de dar visibilidade para esse projeto de lei, alem de organizações da sociedade civil, órgãos do Governo Federal e agências da ONU. Nos dias 18 e 19 de novembro houve intensa movimentação na Câmara dos Deputados, em Brasilia , pressionar os parlamentares a colocar em votação o PL4471/12, em tramitação desde 2012. Nesta quarta-feira, 19/11, o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB-RN), recebeu no gabinete da presidência uma comissão formada pelos deputados Paulo Teixeira (PT-SP), Manuela D’Ávila (PCdoB-RS), Jandira Feghali (PCdoB-RJ), Gustavo Petta (PCdoB-SP), Vicentinho (PT-SP), movimentos de direitos humanos, mães de jovens assassinados pela Polícia Militar, representantes da Secretaria Nacional de Juventude, do Conselho Nacional de Juventude, dos coletivos de juventude negra, entre outros.
Alves se comprometeu a reunir as lideranças contrárias ao PL – que são de partidos como PROS, PSD e PTB – no próximo dia 25/11, para tentar a aprovação da matéria. Assim esperamos e que o Estado brasileiro se empenhe muito, mas muito mais, para garantir o direito à vida de jovens negros.
*Cesar S. Pereira é articulador do Plano Juventude Viva (SP), no âmbito da Secretaria Nacional de Juventude
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