Thiago Neves, 17 anos, foi morto por PM que reagiu a assalto; ocorrência foi registrada mais de 3h depois e família suspeita que polícia tenha circulado com jovem
O entregador Thiago das Neves da Silva, 17 anos, foi morto por um policial militar à paisana no último domingo (19/1) durante um assalto na Avenida Nossa Senhora da Assunção, nº 1045, no Butantã, na zona oeste de São Paulo, por volta das 18h. No registro do boletim de ocorrência, o horário do fato está registrado como sendo 17h50, mas só foi comunicado à autoridade policial mais de 3 horas depois, às 21h19.
De acordo com apuração da Polícia Civil, o PM Wesley Fernando de Lira teria sofrido uma tentativa de assalto e reagiu. Os suspeitos seriam um motociclista que está foragido e Thiago, que estaria na garupa da moto e teria anunciado o roubo e atirado.
Embora admita que o jovem pudesse estar participando do assalto, a família questiona a versão de que Thiago atirou, além da quantidade de disparos dados pelo PM e o local que atingiu o adolescente.
“Você dar dois tiros pela frente e dois pelas costas é queima de arquivo, para não deixar rastro nem nada. Se ele estava errado, ele deveria ser preso, não morto. O policial não deu a ele uma chance de rever as coisas”, disse a diarista Juciana Amancio da Silva, 38 anos, tia de Thiago.
Uma testemunha contou para a família que, antes de ser resgatado, o jovem foi obrigado a ligar para uma amiga e dizer “estou morrendo, estou morrendo”. Familiares suspeitam que os policiais rodaram com Thiago na viatura antes de levá-lo ao hospital.
O caso, encaminhado para o 14º DP (Pinheiros), foi registrado como roubo, resistência e morte decorrente de intervenção policial e é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa).
O enterro de Thiago foi realizado nesta terça-feira (21/1) no cemitério São Luiz, na zona sul da cidade. “Não se via no olhar dele nenhuma maldade”, descreveu a tia. O jovem era morador da Favela do Sapé, na mesma região, e tinha acabado de se formar no ensino médio.
Segundo o boletim de ocorrência, Thiago foi baleado cinco vezes: antebraço esquerdo, na pelve direita, no tórax, no pescoço e na região dorsal. Ele foi encaminhado com vida ao Hospital Universitário, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.
A Rede de Proteção e Resistência contra o Genocídio prestará o seguinte auxílio: acompanhar família na Ouvidoria da Polícia de SP e buscar atendimento psicológico para os familiares de Thiago.
Tristeza e revolta marcaram o enterro de Thiaguinho, como era conhecido por amigos e familiares, no Cemitério São Luiz, na zona sul da cidade, por volta das 11h30. Mais de 100 pessoas passaram pelo velório, que começou às 8h30.
Do Favela do Sapé, saíram dois ônibus com moradores da Favela do Sapé, amigos que estudaram com Thiago na Escola Estadual Solón Borges dos Reis, no Rio Pequeno, na zona oeste, além de familiares e professores.
Thiago foi velado e enterrado ao som de louvores, já que sua família é evangélica. A alegria do jovem foi lembrada durante toda a cerimônia. Muitas pessoas diziam que era assim que ele seria lembrado.
Segundo familiares, Thiago estava com um colega, também de 17 anos, que o chamou para realizar um roubo de uma moto, que seria do PM que estava fora do horário de trabalho. O PM teria sido atingido pelo colega de Thiago. Mesmo caído, o policial atirou quatro vezes em Thiago.
Uma ex-patroa de Thiago esteve no enterro e aceitou falar sobre o jovem sob condição de anonimato por temer represália. “O Thiago trabalhou comigo, ele que me ajudou a levantar meu comércio. Ele tinha uma luz própria, mas acabaram com o brilho dele”, lamenta.
“Os caras enrolaram para chegar lá com o moleque. Foi muita injustiça. Independente se ele estava fazendo alguma coisa errada, a vida do ser humano não pode ser jogada assim fora. Os menores da favela estão morrendo como se nada tivesse acontecendo”, aponta a comerciante.
Em entrevista à Ponte, o pai de Thiago, o ajudante de caminhoneiro Cícero Amancio da Silva, 41 anos, conta que, quando chegou ao hospital, por volta das 19h, o filho havia acabado de chegar e já estava morto. “O menino atirou no policial e correu para a favela. O PM caiu, atirou no meu filho, levantou e deu mais dois tiros nas costas do Thiago”, narra o pai.
Cícero afirma que no DHPP policiais civis não quiseram dar uma cópia do boletim de ocorrência para ele. “O amigo dele chamou ele para participar desse roubo e ele foi. Eu tenho certeza de que não foi o meu filho que atirou no policial, mas me falaram na delegacia que foi. Mas agora é a nossa palavra contra a dele”.
“Eu sou da igreja, eu sei os princípios de Deus. O que esse PM fez será julgado pela Justiça divina. Independente do que você faz, você vai pagar”, desabafa o pai que se batizou na igreja evangélica há um mês.
“Meu filho nunca faltava na escola, quando não tinha aula ele ia trabalhar no restaurante, entregando marmitex. De noite, ele trabalhava na pizzaria. Ele sempre trabalhou. Era um moleque esforçado. Quando ele terminou a escola, ele se mudou para o barraco e começou a trabalhar fixo no restaurante”, relembra o pai.
Thiago morava com os pais até três semanas atrás, quando comprou um barraco na Favela do Sapé, onde pretendia morar com a namorada que está grávida de 4 meses. Amigos e familiares relatam que o jovem trabalhava desde os 15 anos e atualmente estava empregado em um restaurante, mas já trabalhou como entregador de marmitex, entregador de panfleto e entregador de pizza.
Outro lado
A Ponte questionou a SSP (Secretaria da Segurança Pública) paulista, comandada pelo general João Camilo Pires de Campos neste governo de João Doria (PSDB), que informou que todas as circunstâncias são apuradas pelo DHPP e acompanhadas pela PM. Segundo a pasta, o policial militar baleado permanece internado no Hospital Universitário.
(*) Reportagem atualizada às 15h49 do dia 22/1 para inclusão da informação de que o fato demorou mais de 3 horas para ser comunicado à autoridade policial