Advogados de PMs atacam pesquisadoras da Unifesp em audiência do Massacre de Paraisópolis

Em segunda audiência do caso, defensores contestaram relatório sobre dinâmica da ação da polícia e formação das especialistas; próxima audiência foi marcada para 13 de maio de 2024

Familiares e manifestantes empunham faixa escrita “Massacre de Paraisópolis: hora da justiça” em frente à entrada do Fórum Criminal da Barra Funda, nesta segunda-feira (18/12) | Foto: Jeniffer Mendonça/Ponte Jornalismo

A segunda audiência, que faz parte do processo que pode levar a júri popular 13 policiais militares acusados pelo Massacre de Paraisópolis, terminou com três testemunhas ouvidas nesta segunda-feira (18/12). Uma era protegida e foi ouvida sem a presença do público e as outras duas foram pesquisadoras do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), que produziram um relatório que avalia a dinâmica das mortes por meio da análise do inquérito produzido pela Polícia Civil.

A expectativa era que de ao menos 12 testemunhas tivessem sido ouvidas na ocasião, mas não houve tempo. Essa é a chamada fase de instrução, em que são ouvidas todas as partes envolvidas, os acusados, analisadas provas para que, ao final, o juiz decida se os policiais irão ou não a júri popular.

Antes do início da sessão, que começou às 13h30, familiares de vítimas fizeram um protesto em frente ao Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste da capital paulista, pela manhã. “Todo mundo que teve acesso aos vídeos viu a covardia que esses caras fizeram com nossos filhos e com aquela multidão de jovens que estavam dentro de um baile, curtindo um baile, curtindo um funk. Eu não tenho nada para falar sobre o funk a não ser: ‘deixe a juventude viver em paz, deixem eles curtirem o funk deles. Não matem nossos filhos!'”, discursou Maria Cristina Quirino, mãe da vítima Denys Henrique, 16, e integrante do Movimento de Familiares de Vítimas do Massacre de Paraisópolis. “A gente não pode perpetuar essa escória de ‘porque estava no baile funk era bandido’. É mentira! Tem bandido em Brasília, tem bandido na alta sociedade e está todo mundo impune”.

Os parentes dos nove jovens empunharam cartazes e expuseram nove bonecos, sendo seis negros e três brancos para representar os jovens.

No ato, também coordenaram uma performance em que oito homens e uma mulher se encolheram num quadrado de um metro de largura e um metro de altura desenhado no chão, com o som de vídeos da época, para simbolizar a compressão que as vítimas sofreram ao serem encurraladas na multidão durante a ação da polícia para reprimir e dispersar o baile funk que ocorria na comunidade de Paraisópolis, na zona sul, em 1º de dezembro de 2019.

Diferentemente da primeira audiência, ocorrida em julho, a imprensa pôde acompanhar os depoimentos, já que o plenário era maior do que o espaço anterior, mas não teve permissão de fazer gravações de áudio, vídeo e nem fotografias.

Após a testemunha protegida ser ouvida, as seguintes foram a biomédica Ana Paula de Souza Velloso e a antropóloga Desirée de Lemos Azevedo, que integram a equipe de seis pessoas que produziram o relatório a partir de um termo de cooperação com a Defensoria Pública.

Ana Paula, que analisou os laudos necroscópicos e os prontuários das vítimas, destacou que, dos laudos produzidos pela Polícia Científica, apenas discordou parcialmente da causa da morte da vítima Mateus dos Santos Costa, 23. Ele foi o único que o exame apontou que a causa da morte foi traumatismo raquimedular, que poderia ter sido causado por uma compressão ou uma pancada.

Para ela, o corpo de Mateus também apresentava os mesmos sinais dos demais jovens que tiveram a causa identificada como asfixia mecânica por sufocação indireta, e que o traumatismo poderia ser uma lesão tanto de queda quanto de pisão, mas que não teria causado o óbito. Ela avaliou que a compressão entre as pessoas na multidão impediu que elas pudessem respirar, já que não tinham para onde correr, e que houve falhas no socorro. “A partir de 15 minutos, no máximo 20 minutos, se nada é feito, a vítima pode evoluir a óbito”, disse.

https://ponte.org/o-que-foi-o-massacre-de-paraisopolis/

Os advogados Fernando Capano e João Carlos Campanini, que representavam parte dos policiais, fizeram a maior parte das perguntas por parte da defesa dos réus. Apesar de os laudos necroscópicos não terem feito associação com o uso de drogas, eles questionaram à biomédica o quanto as substâncias, que foram identificadas em pequenas quantidades nos exames toxicológicos, poderiam ter acelerado a morte das vítimas. “A minha pergunta é técnica, o objetivo não é criminalizar as vítimas”, disse Capano.

Ana Paula apontou que tanto uma pessoa que não tivesse ingerido álcool ou outras drogas quanto uma que tivesse consumido não teria diferença. “Eu não vejo relação dessas substâncias porque elas não têm relação com o processo asfixitico”, ponderou. “Trata-se de uma questão de oxigenação, não é uma questão cognitiva”, disse, ao apontar que o corpo produz adrenalina em situações de estresse e deixa a pessoa alerta num cenário, por exemplo, em que diversas pessoas estão sendo dispersadas e têm que correr.

A todo o momento, os advogados questionavam a formação das pesquisadoras. À Desirée, Capano chegou a repetir algumas vezes perguntas acrescentadas de “já que você não tem formação jurídica” e se havia entre a equipe algum profissional de “Ciências da Segurança Pública”, pois todo policial teria essa formação. Também fez questões de cunho pessoal, como se ela já havia participado de uma ação em que a polícia teve de fazer controle de distúrbio de civis, quando isso teria acontecido, apesar de não ter relação com o caso.

Campanini a contestou sobre ter feito cursos de formação em primeiros socorros, se foi policial, se tinha formação médica, conhecimento em perícia, conhecimento da Resolução nº 5, de 7 de janeiro de 2013, da Secretaria de Segurança Pública, que dispõe sobre os parâmetros de atendimento da PM quando envolver feridos ou mortos por policiais militares. “Eu entendo que essa resolução proíbe os policiais de levar as vítimas nas viaturas e não de prestar socorro imediato”, disse Desirée, já que ela apontou que a que o resgate foi autorizado 34 minutos após a primeira comunicação da visualização dos jovens já desacordados à rede de rádio da polícia e que a PM é treinada em cursos de primeiros socorros.

Capano chegou a dizer que respeita o trabalho dela, mas que o relatório era “uma opinião dos fatos”, embora o documento esteja baseado em metodologias científicas.

Além disso, a pesquisadora sinalizou que os policiais militares mentiram ao dizer que as vítimas pediram socorro, quando já estavam desfalecidas no chão, e ao dizerem que estavam cercados, impedindo que os primeiros socorros fossem realizados. A corporação liberou apenas uma ambulância para atender o local, insuficiente para resgatar as vítimas, que acabaram sendo levadas pelos próprios policiais à Unidade de Pronto Atendimento do Campo Limpo. Os pesquisadores apontaram, ainda, que imagens de câmeras de segurança de ruas desmentem a versão de que os policiais estavam sendo atacados com garrafas e por isso reagiram.

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Os advogados também discutiram com o juiz Antonio Carlos Pontes de Souza ao dizer que Desirée não poderia ter sido arrolada como testemunha e sim como assistente de acusação, o que o magistrado rebateu. “Não há óbice legal. A testemunha pode falar sobre o fatos. Ela pode falar sobre o laudo que ela produziu.”

O depoimento dela terminou quase às 20h e o juiz marcou a terceira audiência para 13 de maio de 2024. Na primeira audiência, foram ouvidas 10 testemunhas, sendo uma protegida. Ao todo, são 52 testemunhas (somadas as de defesa, as de acusação e as que são comuns às partes). Só depois delas que os réus serão ouvidos, o que não tem data para ocorrer.

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