Advogados pedem que MP investigue PMs por ‘tortura’

    O estudante Murilo Magalhães teria sido agredido dentro do prédio da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo. Defesa quer que policiais sejam identificados

     

    Está algemado e Foto: Coletivo Preto Brasileiro/PONTEde cabeça para baixo. “Olha para mim, seu vagabundo!”, ordena um dos policiais. Levanta e leva um soco no olho direito. É empurrado contra a parede. Outro soco vem por trás, na cabeça. Risadas. “Tem alguma sala sem câmera aqui? Vamos fazer o pelado nele”, ouve. É levado para a sala. Há uma mesa e uma estante. Sem janelas. “Seu merda, seu vagabundo!”.

    A cena acima foi relatada por Murilo Magalhães, estudante do 2º ano de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), que afirma ter sido torturado por policiais militares numa sala dentro do prédio da Secretaria Estadual de Segurança Pública, em São Paulo, na manhã do dia 9 de junho. O universitário diz que realizava um ato simbólico ao tentar se acorrentar à grade da entrada do prédio, como manifestação de apoio aos metroviários que estavam em greve, quando foi imobilizado por três policiais e levado para dentro.

    Lá, foi agredido e humilhado, segundo ele. “Não houve agressão por parte dos policiais”, disse, em nota, a assessoria de imprensa da Secretaria, que afirma que o jovem foi detido depois de “uma manifestação de 15 pessoas que tentaram invadir o prédio”. Murilo foi preso em flagrante por resistência e violação de domicílio e solto após pagar fiança de R$ 1 mil. A Polícia Civil instaurou inquérito.

     

     

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    Acusação

    No começo da semana que vem, os advogados de Murilo, Felipe Vono e Julia Eid irão apresentar uma “notícia do crime” ao Ministério Público Estadual, solicitando investigação sobre o que caracterizam no documento como “crime de tortura”. “Estamos relatando o ocorrido e pedindo que o MP faça o reconhecimento dos agressores e apure a conduta dos policiais, que tipificamos como tortura”, afirma Julia.

    Dentro do prédio, ficou num corredor escuro. Ouviu: “agora você vai ter o que merece”. Algemado, foi obrigado a ficar num canto, de cabeça baixa e agachado, de cócoras.

    Militante da Assembleia Nacional de Estudantes – Livre (Anel), Murilo afirma que chegou ao prédio da Secretaria de Segurança às 10 horas do dia 9, acompanhado de uma amiga. “Mas ela conseguiu fugir.” De acordo com ele, não houve nem tempo de se acorrentar à grade, pois logo foi agredido por um policial. “Ele me jogou no chão. Daí, vieram mais dois deles e as ofensas começaram: ‘Seu merda, o que está fazendo aqui? Você não sabe o que vai acontecer. Você é um sem futuro’. Enquanto isso, eu estava com o rosto no chão, encostado no asfalto”, relata. Em seguida, foi levantado e levado à força para dentro do prédio. “Quando souberam que eu era estudante de Direito, riram e disseram: ‘Estudante porra nenhuma, você é um vagabundo! Você não sabe o que vai acontecer. Nunca vai se formar, está ferrado’”.

    Ofensas repetidas

    Dentro do prédio, ficou num corredor escuro. Ouviu: “agora você vai ter o que merece”. Algemado, foi obrigado a ficar num canto, de cabeça baixa e agachado, de cócoras. Eram muitas vozes, ofensas repetidas. “Vou acabar com sua vida. Você tá fudido. Você é um merda!” Foi novamente colocado de pé. “Você está dentro da Secretaria de Segurança Pública, seu vagabundo. Vai ter o que merece!” Depois dos socos, foi levado para a sala sem câmera, junto com dois policiais. “Gelei, achei que fosse morrer.”

    Lá, desabotoaram sua calça e abriram o zíper do casaco de moleton que usava e ordenaram: “Tira a roupa! Tira a roupa! Tira a roupa logo!”. Ficou nu. “Agora vai ter que fazer o agachamento. Faz logo!” Murilo é obrigado a agachar três vezes, ouvindo gracejos. “Olha o jeito que ele agacha, olha como ele mexe a cabeça” Risos. “Ai, que lindo! Viado!!” E mais risos. “Nessa hora achei que fosse sofrer violência sexual”, lembra.

    Na delegacia, o policial que o tinha agredido o ameaçou na presença de sua advogada, Julia Eid, após ela ter pedido que as algemas fossem retiradas.

    Enquanto isso, os policiais mexiam no seu celular e perguntavam: “Quem é esse? E essa? São da sua facção criminosa? Fala logo, quer apanhar?”. Também ouviu: “Cadê a droga? Cadê a cocaína? Cadê a maconha?” “Você é um bandido, drogado”. Mandaram que vestisse novamente a roupa e foi levado de volta ao corredor. Foi obrigado a deitar no chão, de barriga para cima. As agressões verbais seguiram. Depois, disseram: “agora você vai ser preso, que é o lugar onde merece estar”. Foi levado para a rua e colocado numa viatura. Dentro dela estavam dois policiais, entre eles um dos que o haviam agredido. “No trajeto, me disseram que eu ia me arrepender para o resto da vida, que eu ia ficar preso e que o país inteiro ia ver o vagabundo que sou. Fui chamado de Black Bloc terrorista.”

    Na delegacia, o policial que o tinha agredido o ameaçou na presença de sua advogada, Julia Eid, após ela terpedido que as algemas fossem retiradas. O policial teria dito: “A senhora está preocupada com algemas? Ele tem sorte de não ter morrido”.

    Embora tenha relatado ao delegado responsável pelo caso, Sergio Andre Moreira Garutti, que foi vítima de violência, e estivesse com o marca de escoriação no olho direito, o estudante foi indiciado pelos crimes de resistência e violação de domicílio. “O delegado fez questão de esquecer a versão do Murilo, apagou sua versão e deixou apenas a do policial como sendo a que contextualiza o que aconteceu. No inquérito, ele sugere que Murilo seja investigado pelos dois crimes”, critica o advogado Felipe Vono. Ele afirma que o delegado já havia decidido os crimes pelos quais iria indiciar Murilo antes mesmo de ouvi-lo. “Embora ele seja vítima, está sendo tratado como réu”, lembra.

    Vono afirma que os crimes não procedem, “porque resistência, por exemplo, implica desacatar uma ordem legal, legítima, da polícia. E isso não ocorreu. Ele planejou uma ação pacífica do lado externo do prédio para ter visibilidade. Foi imobilizado, algemado. Ele não resistiu à ordem do policial. Ele foi atacado pelo policial”, avalia. E quanto ao crime de violação de domicílio, explica, “é patético, porque ele não entrou no prédio”. Para Julia, a versão do governo é “escancaradamente mentirosa. É uma tentativa de justificar os hematomas que ele estava”.

    A Ponte solicitou entrevista com o comandante geral da Polícia Militar, coronel Benedito Roberto Meira, e com o secretário de Segurança Pública, Fernando Grella. Porém, a Secretaria manifestou-se por meio de nota, onde diz: “O estudante em questão foi preso depois de agredir um policial que atua na Secretaria da Segurança Pública durante uma manifestação que reuniu cerca de 15 jovens que tentaram invadir o prédio da pasta. Não houve agressão por parte de policiais que, no entanto, agindo dentro da legalidade, tiveram que usar de força física para contê-lo. O rapaz foi autuado em flagrante pelos crimes de resistência e violação de domicílio, que podem resultar em penas de até 2 anos e 3 meses de prisão”.

    Os advogados de defesa solicitaram à Promotoria trechos da gravação da câmera de segurança da entrada do prédio da Secretaria, “para provar que a versão de que 15 pessoas tentaram invadir o prédio não se sustenta”, revela Vono. Para ele, as imagens são importantes para provar que “Murilo foi arrastado para dentro do prédio e torturado”.

    A reportagem também procurou o promotor de Justiça Criminal, Marcelo Luiz Barone, responsável pelo inquérito. Por meio de sua assessoria ele informou que não está falando à imprensa “pois o caso ainda está em fase de diligências” e que ainda não está decidido se o MP oferecerá a denúncia contra Murilo.

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