Agronegócio da cannabis é estratégico para o Brasil, diz pesquisador

Sergio Rocha, estudioso em melhoramento genético da planta da maconha, defende cultura agrícola atrelada a políticas públicas que insiram economicamente população periférica no mercado

Sérgio Rocha é pesquisar em melhoramento genético da Cannabis | Foto: Catarina Duarte/Ponte Jornalismo

A cannabis deve ser vista como commodity para a economia brasileira, e o agronegócio da planta pode ser um impulsionador para a população periférica. É o que defende o pesquisador Sérgio Rocha, um dos primeiros a pesquisar maconha dentro de uma universidade no país. Ele acredita que o Brasil pode ser uma potência mundial na área se houver investimento tecnológico para isso. 

“O Brasil tem um potencial muito grande para ser um dos maiores produtores do mundo, contudo ainda somos muito dependentes de tecnologia estrangeira. Historicamente, o Brasil sempre exporta matéria-prima e importa tecnologia. Muitas vezes essa tecnologia é feita lá fora com a matéria-prima e com o nosso capital intelectual, que também exportamos”, diz Sérgio. 

No Brasil, a proibição do plantio, cultura, colheita e exploração da maconha aconteceram pelo decreto-lei nº 891, publicado pelo governo federal em 1938. Em 2006, no governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi criada a Lei de Drogas, mecanismo que tentava diferenciar usuários de traficantes. Sem critérios objetivos, a lei contribuiu para o encarceramento em massa.

Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 832.295 pessoas estavam privadas de liberdade no país. A maioria delas sãonegras (68,2%), com até 29 anos (43,1%)

O perfil é o mesmo da maioria dos presos ou processados por tráfico de drogas no Brasil. Segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), os encarcerados pelo crime são homens (87%), jovens (72%) e negros (67%)

A guerra às drogas tem também impactos financeiros. Conforme o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), o combate ao narcotráfico gerou um prejuízo estimado em R$ 14 milhões a moradores de apenas duas comunidades do Rio de Janeiro.

No horizonte, dois projetos podem mudar parte da legislação atual sobre as drogas. No Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento sobre o porte de maconha tem placar favorável de 5×1. O julgamento, iniciado em 2015 e retomado neste ano, estava suspenso desde agosto após pedido de vista do ministro André Mendonça. 

No começo do mês, Mendonça devolveu os autos do processo permitindo que a Corte possa retomar o julgamento — o que ainda não ocorreu. 

Também aguarda votação na Câmara o projeto de lei 399/2015. Ele legaliza o plantio de cannabis para fins medicinais e industriais por empresas. A proposta permite o cultivo de sementes ou mudas certificadas e plantas com até 1% de THC, portanto não serão ativas. Parado desde 2021, o projeto espera por votação.

Enquanto isso, avança no Senado a PEC das Drogas (45/2023). O projeto retrocede a problemática lei de 2006 e criminaliza o porte e posse de entorpecentes. A proposta do Sargento Gonçalves (PL-RN) é analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania desde novembro. 

Para o pesquisador Sérgio Rocha é fundamental avançar na legalização do plantio para que o país possa se tornar competitivo no mercado internacional. 

“Fora do Brasil isso já é tratado como uma cultura agrícola normal. O Brasil depende do agronegócio, inclusive para investir em outras áreas. É uma questão até de estratégia se inserir nessa questão da cannabis como uma cultura agrícola, o agronegócio da cannabis”, afirma Rocha. 

Atrelada à discussão, ele defende que seja pensada a incorporação da commodity da cannabis com uma visão de reparação social. “O Brasil tem que trazer esse lado da reflexão social da geografia. É um agronegócio, mas como iremos fazer esse agronegócio possibilitar a redução de desigualdades ao invés de intensificar? Há de se pensar no agronegócio da cannabis como possibilidade de investir nas regiões mais pobres do Brasil, que tem muita aptidão para plantio.” 

Sérgio desenvolveu a pesquisa sobre a cannabis na Universidade Federal de Viçosa (UFV), em Minas Gerais, junto a empresa que fundou, a Adwa Cannabis. Ele trabalha no melhoramento genético na planta, o que significa entender os genes capazes de conferir características diversas — como mais altura ou adaptabilidade a um certo tipo terreno. 

Empreendendo na área, Sérgio defende que a população negra e periférica seja englobada nesta frente econômica assim que legalizada e regulamentada. “Existe essa ideia de que a população negra ganhar dinheiro é errado. Não sei de onde é que tiraram isso, mas eu sinto que existe um certo estereótipo de barrar a ascensão econômica dessa parcela da população, como se isso fosse errado”, afirma. 

Ele defende que haja um olhar para inserção dessas minorias no mercado, que não é ocupado por essa população atualmente.“Temos que capacitar essas pessoas das comunidades, da periferia. É um mercado que exige qualificação para você atuar e, hoje, a maioria das empresas são de pessoas que vêm de uma classe privilegiada, que tem acesso a recursos, formação, estudaram e estão se estruturando e montando negócios de sucesso no mercado da cannabis”, fala. 

Apesar de permitir plantio para fins industriais, o projeto de lei 399/2015, proposto pelo à época deputado pelo PSD Fábio Mitidieri, não trata de reparação aos negros nessa nova economia para poderem se beneficiar dos impactos econômicos dessa commodity.

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Das 44 emendas apresentadas ao longo da tramitação do projeto, nenhuma tratou diretamente da questão da reparação. Apenas uma proposta do então deputado federal Alexandre Padilha (PT/SP) previa a inclusão de agricultores familiares de uma espécie de cannabis a políticas públicas voltadas para a agricultura familiar.

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