Alexandre de Maio: ‘o rap, hoje, tem a voz que a gente construiu e batalhou para ter’

De Maio foi o convidado do sétimo episódio de Papo de Rap, série de lives da Ponte, e contou como a paixão pela cultura hip hop guiou sua carreira até se tornar um dos grandes nomes do jornalismo em quadrinhos no Brasil

Entre cultura hip hop e ilustrações, Alexandre de Maio construiu sua carreira tornando-se referência na cobertura do rap nacional e um premiado jornalista dedicado às reportagens em quadrinhos. O artista foi o convidado do sétimo episódio de Papo de Rap, que foi ao ar na última quarta-feira (2/6) no canal da Ponte com o comando do editor da Ponte, Amauri Gonzo.

De Maio, como é conhecido, cresceu cercado das referências do hip hop na zona norte de São Paulo. Segundo ele, a paixão pelo rap veio a partir do álbum Raio X Brasil, dos Racionais MC’s, lançado no fim de 1993, que unia arte e protesto. Na década de crescimento da cena do rap nacional, outros grupos também chamaram atenção do jornalista, como Consciência Humana e Sistema Negro. O interesse pelo rap marcou o início da vida profissional como quadrinista. Na época, De Maio criou uma fanzine com as letras dos Racionais e tentou propor parecerias em projetos.

Atualmente, o jornalista trabalha como diretor de audiovisual e projetos do Catraca Livre, além de participar de vários projetos de ilustrações e direção de videoclipes. No jornalismo em quadrinhos, já colaborou com diversos veículos, entre eles Agência Pública, onde venceu o Prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo, em 2013. Em 2021, ganhou o Prêmio Ciência e Saúde do The International Center for Journalists (ICFJ) com uma reportagem sobre a pandemia nas periferias no formato HQ.

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Ele também publicou livros como Os inimigos não mandam flores (2006),  Desterro (2013) e, o lançamento mais recente, Raul (2018). Os quadrinhos Génération Favela (2016) e Je suis Rio (2016) foram publicados na França.

Revista Rap Brasil

Insatisfeito com a cobertura do rap pela mídia tradicional, o jornalista foi o responsável pela criação da primeira revista sobre hip hop no país, a Rap Brasil, em 1999. “A grande questão do hip hop com a mídia era a distorção dos fatos. Davam uma entrevista, o repórter colocava duas linhas e distorcia. Minha ideia era ser uma revista totalmente de entrevistas e do jeito que eles [os rappers] falam. Isso me deu um jeito de conversar e de ser um jornalismo mais fácil. Fui aprendendo e depois evoluí para matérias mais completas”, conta.

Durante 10 anos, De Maio editou a Rap Brasil e outras publicações que surgiram pelo sucesso da revista pioneira, voltadas para o grafite, o rap internacional e lançamentos de novas músicas. Ao todo, foram cerca de 180 edições e mais de 3 milhões de exemplares. O projeto cresceu e ganhou um programa na rádio no começo dos anos 2000. O jornalista entrevistou diversas personalidades como Mano Brown, que esteve na capa comemorativa de 5 anos da revista,  e Dexter, no período em que o rapper esteve preso no Carandiru. “Só o fato de ter jovens negros e de periferia falando coisas sérias nas bancas ja era muito importante, porque não tinha”, afirma.

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Nas primeiras publicações, De Maio contou com colaboradores e amigos que ajudaram a consolidar a Rap Brasil como os ilustradores Edson Ikê e Urso, e o comunicador e DJ Fábio Rogério. A revista também contou com colunistas que estavam na cena do rap e nas periferias, entre eles Celso Athayde, fundador da Central Única das Favelas (Cufa).

Por volta de 2009, o mercado editorial foi ficando restrito para as publicações independentes. Ele conta que a elitização e o monopólio da distribuição de revistas no Brasil tornaram insustentável a continuidade da Rap Brasil. O público da revista estava nas periferias, e até mesmo dentro do sistema prisional, onde as publicações faziam sucesso. “A ideia sempre foi fazer o mais barato possível para as pessoas poderem comprar. A revista estava ficando cara e estava me vendo em um ciclo que seria muito difícil de manter”, explica. O jornalista migrou do impresso ao mundo digital na mesma época.

O rap abrindo portas

Alexandre de Maio também dedicou seu interesse pelo rap às produções de videoclipes. “Era o mesmo espírito de fazer para democratizar. Não só mandar para a MTV, mas para fazer para o cara da periferia que não tem grana, conseguir fazer”, afirma. Na década de 90, um dos únicos caminhos para a divulgação dos videoclipes era a exibição no “Yo! MTV”, primeiro programa na TV brasileira dedicado ao rap.

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De Maio lembra que começou dirigindo o vídeo de um rapper da zona norte de São Paulo e foi chamado para outros trabalhos nas periferias. A revista possibilitou o mergulho do jornalista na cultura hip hop, se tornando um especialista desta cobertura. “O rap ‘explodiu’ muito e viajei o Brasil inteiro, indo do Amazonas ao Sul. Você vê como é o Brasil e como são as coisas, foi uma grande lição de vida, de humildade. Muitas vezes não tinha telefone e nem endereço. Tinha que chegar na favela e começar a perguntar para as pessoas [sobre os rappers]”, diz sobre os primeiros anos atuando como jornalista.

“Eu tive que aprender rápido que qualquer palavra nossa tinha muito peso. Quando soltávamos uma brincadeira, por exemplo, não era só isso, era a Rap Brasil. Quando saia alguma matéria, muita gente chorava, pois era a validação que a pessoa precisava mostrar para a família inteira sobre o que estava fazendo. Tinha uma pressão a tudo o que saia, porque realmente mexia com as pessoas. Tudo era muito superlativo. As discussões eram bem intensas”, prosseguiu Alexandre sobre os cuidados ao emitir opiniões na revista.

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O quadrinista contou ao editor da Ponte que pretende fazer uma HQ sobre a década de ouro do rap e os bastidores da Rap Brasil, além de disponibilizar todo o acervo da revista digitalmente em breve. “É um registro histórico de uma geração. Tem as primeiras matérias do Criolo, por exemplo.”

Jornalismo em quadrinhos

A ideia inicial da revista de rap, segundo o jornalista, era também introduzir o seu gosto pelas ilustrações, mas com as responsabilidade que adquiriu com as publicações, teve que adiar o trabalho como quadrinista. Em 2006, De Maio foi convidado para publicar Os inimigos não mandam flores, uma ficção em quadrinhos.

Somente em 2010, já trabalhando no Catraca Livre, juntou o desenho e as reportagens. “Peguei o jornalismo em quadrinhos e toquei como uma bandeira, assim como o hip hop. Comecei fazer impresso e digital. Fui fazendo meu plano de divulgar o jornalismo em quadrinhos no Brasil e trabalhar em vários veículos. Juntei as duas coisas que já gostava e me encontrei muito nesse lugar, porque era um diferencial”, afirma. De Maio se tornou uma das grandes referências no país e atribui essas conquistas ao hio hop, onde segue atuando.

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“Com tantos anos trabalhando assim, fiz amizade com muita gente e continuo trabalhando com o rap. Recentemente, fiz a coleção de ilustrações para o Mano Brown, fiz ilustrações para o AmarElo do Emicida, fiz também o clipe [de ‘Sobre nós’] da Drik Barbosa”, conta. Na playlist do artista estão os lançamentos dos rappers brasileiros, como Rico Dalasam, Djonga e Clara Lima. Ele explica que gosta de ouvir a evolução do rap, envolvido com o funk e o trap. “O rap hoje tem a voz que a gente construiu e batalhou para ter. Ainda tem toda uma batalha, pois muita coisa voltou ao que era antes, mas o rap tem um papel, além do entretenimento, muito forte. Vejo um momento de diversidade no rap, de rever as letras. É tudo o que a gente sonhava que o rap ia ser, está sendo”, reconhece.

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