Alto número de linchamentos em Piauí e Maranhão representa falência do sistema de justiça, diz pesquisador

Rede de Observatórios da Segurança levantou dados sobre a violência nos dois estados durantes seis meses. “Indicadores sempre estão atrelados a outros crimes como assaltos, furtos e estupros”, afirma Elton Guilherme

Um dos tipos de crime mais bárbaros e que explicita a falência de qualquer sistema de justiça ainda é recorrente em dois estados do Brasil. Segundo o boletim Retratos da Violência: Novos Dados do Piauí e Maranhão, produzido pela Rede de Observatórios da Segurança com dados coletados entre agosto de 2021 e janeiro deste ano, foram constatados 13 linchamentos no Piauí e cinco no Maranhão. O documento explica que esse tipo de crime, assim como chacinas, não são contabilizados pelas secretarias de segurança dos dois estados. 

“O que ocorre é que a população sente o impacto do baixo efetivo policial, do sistema de justiça que não consegue realizar seu trabalho e acaba tomando para si a responsabilidade de fazer justiça. É como se nada funcionasse. O resultado é justiçamento com as próprias mãos”, destaca um trecho do relatório.

“A gente entende a tentativa de linchamento quando duas ou mais pessoas agridem outra podendo ou não levá-las a morte. Esses indicadores sempre estão atrelados a outros crimes como assaltos, furtos e estupros. Esses números podem não ser exatos por conta da subnotificações de casos, mas eles são suficientes para dizer que há falência do sistema de justiça, principalmente na elucidação desses outros crimes”, explica o pesquisador da Rede de Observatórios da Segurança, Elton Guilherme.

O professor Paulo Henrique Matos de Jesus, pesquisador em Aparatos de Policiamento e Segurança Pública e do Grupo de Pesquisa em Poderes e Instituições, Mundos do Trabalho e Ideias Políticas da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), afirma que os crimes de linchamento na região ocorrem por uma questão cultural e pela falta de enfretamento do poder público para o problema.

“Eu costumo dizer que São Luís, se não é capital mundial, é a brasileira de linchamentos. Nem em países onde essa prática é parte integrante do código penal lincham tanto quanto aqui. O próprio linchamento é uma cultura da violência que nos remente ao período colonial, como amarrar em postes, chicotear e humilhar de todas as maneiras. Em geral esse corpo que passa por essa violência é preto”, enfatiza o professor.

“A gente tem que se questionar é por que as pessoas lincham. Isso acontece quando as pessoas não acreditam mais no sistema de justiça. Podemos até dizer que muitas vezes o Estado é conivente com os linchamentos. Além deste dado de linchamentos em apenas seis meses aqui no Piauí, vale ressaltar que as vítimas desses crimes são majoritariamente pessoas pobres e negras”, analisa Marcondes Brito, coordenador da Rede de Observatórios de Segurança Pública- Piauí e pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Conflituosidade e Violência da Universidade Estadual do Ceará (UFC).

O estudo da Rede de Observatórios da Segurança, além da subnotificação de casos, levanta a hipótese de que o número de linchamentos na capital maranhense pode ter sido motivada pela inserção do crime organizado nas regiões mais pobres da cidade. 

“Quando as facções passaram a regular os territórios das ‘quebradas’ e periferias em 2017, as situações que poderiam motivar linchamentos passaram a ser julgadas pelos membros das facções. Com isso, os números desse tipo de violência no estado se mantiveram baixos”, diz o relatório.

O argumento dos pesquisadores é rebatido pelo professor Paulo Henrique Matos de Jesus. Para ele, os integrantes de facções criminosas também promovem linchamentos por diferentes motivos e a diminuição dos números constatada pelo estudo deve-se à falta de transparência do governo do Maranhão.

“A Secretaria de Segurança Pública é omissa em várias questões além do linchamento, como na letalidade policial. Em relação a crimes violentos letais intencionais ela só levanta os dados da região metropolitana e não dá nenhum dado sobre o interior. Sobre o crime organizado é impossível fazer uma análise retilínea. As facções elas se auto regulam e criam mecanismos próprios de solução dos seus conflitos. A gente vê constantemente vídeos de facções fazendo os seus justiçamentos”, relata Matos.

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No Piauí o acesso aos dados oficiais sobre a segurança pública também é um problema encontrado pelos pesquisadores do estado. A falta de transparências do governos é uma desserviço à sociedade. “A democracia requer dados para implementação certa de políticas públicas. As secretarias de segurança não terem esses indicadores sobre o crimes de linchamento é uma demonstração que não se importam com a morte e a vida de pessoas pobres e negras”, aponta o relatório.

Outro lado

A Ponte tentou contato por telefone com a assessora de comunicação da Secretaria de Segurança Pública do Piauí, Liana Aragão, para obter um posicionamento da pasta sobre a pesquisa, mas a servidora não atendeu às ligações.

Contatada por e-mail, a Secretaria de Comunicação do Maranhão respondeu por meio de nota que “considera que a amostragem utilizada no estudo, seis meses de análise, é estatisticamente pequena para se fazer conclusões desse porte, inclusive utilizando meses de anos diferentes (agosto 2021 a janeiro 2022). Apesar de válida a consulta a fontes alternativas para determinados fins (em sua maioria para comprovação ou esclarecimento de dubiedade), estas precisam ser validadas, catalogadas, tratadas, e armazenadas, sob o risco de serem fontes sem confiabilidade“.

Sobre a questão dos linchamentos, a Secretaria afirma que “para coibir a prática de linchamento, o Governo do Maranhão reforça o policiamento ostensivo e busca diminuir o tempo de resposta às ocorrências, facilitando com que a Polícia Militar chegue o mais rápido possível, evitando que a população faça justiça com as próprias mãos“.

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