Vítima de 14 anos participava de campeonato de futebol quando torcida gritou “macaco” no Instituto de Ensino São Francisco de Assis, na zona sul da capital paulista, nesta sexta-feira (12)
Eduardo (nome fictício*), 14 anos, estava animado para participar da final do campeonato interclasses do Instituto de Ensino São Francisco de Assis (IESFA), colégio particular localizado no bairro Jardim São Luís, na zona sul da cidade de São Paulo. O que ele não imaginava é que, enquanto jogava futebol na quadra da escola, um grupo de adolescentes na arquibancada gritava em coro “macaco” em sua direção, na última sexta-feira (12/5).
Na hora, ele não ouviu o xingamento racista, mas soube logo após a final do campeonato, por colegas que registraram a manifestação da torcida em vídeo. Nas imagens, é possível ouvir o coro com gritos de “macaco”. Antes de voltar para a casa, Eduardo entrou em contato com os pais e também buscou a coordenação da escola.
“Ele ficou inconsolável, caiu no choro, foi uma comoção”, lamentou a irmã dele, a estudante Vitória Roberta Ribeiro, 21. “A escola conversou com meus pais e disse que iria levantar os nomes dos responsáveis, apurar os vídeos gravados e pediram para ele ir para casa porque isso ia se resolver depois”, prossegue.
Vitória afirma que a família vai registrar um boletim de ocorrência nesta segunda-feira (15). “É extremamente doloroso porque meu irmão é uma pessoa extremamente apaixonada por futebol, pelo Corinthians, muito alegre, muito querido na escola, muito amado”, conta. “Esse é um colégio particular, numa região periférica, mas com pessoas com mentalidade extremamente elitista e que já teve histórico de outros casos de racismo”, denuncia a estudante.
À Ponte, Eduardo, que cursa o 9º ano do ensino fundamental, disse essa foi a primeira “situação explícita” de racismo que sofreu em cinco anos que está estudando no IESFA. Ele também alega que “raramente” o problema é discutido durante as aulas, situação que o faz se sentir ainda mais sozinho quando também pensa na baixa diversidade racial entre seus colegas.
“Na minha sala mesmo, de 34 alunos, apenas seis ‘só’ são negros”, aponta. “Na hora, eu liguei para a minha mãe, fui na coordenação. Eles conversaram comigo, disseram que iam ajudar, mas até agora nada concreto”, disse. “Voltar [para escola] eu vou, porque eu recebi muito apoio de muita gente, mas não quero que isso aconteça com amigos meus e nem que a minha família fique abalada de novo com isso”.
Escola publicou nota
O IESFA divulgou nota por meio das redes sociais neste domingo (14), informando que “tem como princípio rejeitar qualquer tipo de discriminação” e que é “completamente contra o racismo e todas suas manifestações, sejam elas veladas ou explícitas”.
A escola também afirmou na nota que, “logo após o ocorrido”, atendeu as famílias, sem especificar quais, que colocou o seu corpo jurídico à disposição, e que está “tomando todas as providências para que fatos como este não ocorram no ambiente escolar”.
Vitória nega que o IESFA tenha procurado a família e oferecido qualquer tipo de suporte. “O advogado que conseguimos é particular. Nem apoio psicológico tivemos”, critica.
A Ponte procurou o colégio pelos contatos disponíveis, mas até a publicação não houve resposta. Mais tarde, ainda na tarde deste domingo (14), a escola fez nova publicação por meio do story do Instagram (publicação com duração de 24 horas) informando que “acolheu o aluno e a família”, que “a gestão não está medindo esforços para buscar os responsáveis pelo ato para que esses tenham as devidas punições” e que não foi “omissa”.
‘Escola é responsável por promover ambiente seguro’, diz especialista
A advogada e consultora em Diversidade Equidade e Inclusão, Paola Fernanda Silva Mineiro, afirma que, por se tratar de uma situação que envolve adolescentes, eles podem responder por ato infracional relacionado ao crime de injúria racial, que foi equiparado ao racismo em 2022, após decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que também tornou o crime imprescritível – ou seja, pode ser investigado e os agressores, punidos, a qualquer tempo, independentemente de quando ocorreu a violência.
“De toda forma, a diferença (entre injúria racial e racismo) é sutil e foi utilizada por muito tempo para proteger agressores da maior punição que o crime de racismo aplicava”, explica a advogada. “Então, é suficiente compreender que essa situação, como tantas outras, pode ser compreendida como racismo, pois foi conduta de discriminação racial ao ofender através da animalização e retirada de humanidade, reforçando a ideia de superioridade de brancos sobre negros”, analisa.
A pesquisadora aponta que a escola é “responsável pela promoção de ambiente seguro e saudável para todos estudantes, sem discriminação” e que precisa, além de reconhecer que o racismo é uma questão social, se preparar para romper com o ciclo de violência. “É crucial mudar o posicionamento, o currículo, os materiais oferecidos nas disciplinas, para que eles se adequem à educação antirracista e abarquem requisitos legais que já existem na lei 10.639 de 2003, para incluir a valorização da História e Cultura Afro-Brasileira e indígena”, destaca.
Ela também enfatiza que o corpo de professores e funcionários precisam ser capacitados para saber como lidar com situações de discriminação e violência, e indica a criação de “protocolos antirracistas” ou a “previsão de sanções para estudantes, docentes e outros funcionários que se envolverem em situações de racismo e outras formas de discriminação, bem como acolhimento psicológico para vítimas”.
A escola e os familiares de adolescentes infratores podem ser responsabilizados em âmbito cível, com indenizações por danos morais à vítima, caso a família ingresse com ação judicial.
*A reportagem ocultou o nome da vítima e imagens de menores de idade no vídeo em cumprimento ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).