Lançada pela editora Dandara, “Vozes Mulheres da Améfrica Ladina” busca traçar semelhanças e diferenças das vivências na região
Há algum tempo, venho pensando na importância do registro histórico da vida e experiências de pessoas negras com quem convivemos, sobretudo nossos mais velhos e todo o arcabouço ancestral que possuem. Quando se teve um ente amado com Alzheimer na família, acredito que aprendemos a valorizar a memória em todas as suas nuances. Há uma porção de perguntas que gostaria de fazer a minha avó, dona Jandira, mas já não era possível quando ainda estava fisicamente entre nós. Então, ler “Vozes mulheres da Amefrica Ladina”, organizado por Angela Maria de Souza, Júlia Batista Alves e Flávia Dorneles Ramos, foi um pouco satisfazer esse desejo pessoal pelo acesso a vida de ancestrais e contemporâneas de nosso continente.
Esta colcha de vidas é protagonizada e escrita por mulheres cis e trans negras brasileiras como Mãe Marina Tunirê e Mãe Edna de Baru, argentinas como a ativista Nélida Wisneke e a artista Tixa Cámera, paraguaias como a bailarina Barbara Araceli Medina e a fotógrafa Mayelle Villalba, colombianas como a líder social Virgelina Chará e a empregada doméstica Nereida Aviles Rojas e tantas outras irmãs amefricanas cuja escrevivência atravessada por lutas, violências e apagamentos é, enfim, devidamente registrada e publicada pela Editora Dandara.
O conceito escrevivência cunhado pela escritora Conceição Evaristo é o norte da publicação que busca marcar a passagem de ativistas, professoras, mães – biológicas e de santo, antropólogas, historiadoras pelo mundo, rendendo a sua sobrevivência justa homenagem e legando ao futuro um retrato das nossas.
Para além de nossas fronteiras, o livro busca aproximar as vivências de negras em outros países, um movimento de reconexão necessários para o crescimento e fortalecimento do feminismo negro na América Latina. Ao resgatar o conceito de Améfrica Ladina, cunhado pela grande Lelia Gonzales, as organizadoras acenam para maior integração entre as experiências negras da região ao longo dos tempos de escravização de nossos corpos. Assim, destacam que situações como o apagamento das populações afroargentinas, apenas para citar um exemplo.
Esta obra me deu esperança de que, aos poucos, vamos nos registrando na história enquanto autores. Vamos, aos poucos, abandonando os tempos em que os outros nos estudavam e buscavam nos explicar como os cientistas fazem com ratos em laboratórios. Registrar as histórias das mulheres que nos circundam das domésticas analfabetas como minha avó às vice-presidentes como a colombiana Francia Marquez é registrar a vida-luta de quem move o mundo.