Edvaldo Manoel de Souza tinha 61 anos e foi colocado em viatura do GATI após ser retirado à força do quintal de casa
Com as atenções da mídia e do público focadas nos assassinatos do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, a morte de um ancião indígena durante uma abordagem policial no sertão de Pernambuco poderia passar despercebida, não fosse a reação imediata do povo atikum.
Edvaldo Manoel de Souza, de 61 anos, morreu após ser interrogado por policiais militares do Grupo de Apoio Tático Itinerante (Gati) no quintal de sua casa, na quarta-feira, dia 15. Assim que a notícia da morte se espalhou, a comunidade atikum iniciou os protestos em Carnaubeira da Penha, a 501 quilômetros do Recife.
Lideranças indígenas e organizações de defesa dos direitos dos indígenas se reuniram hoje, sexta-feira, na aldeia Olho D’água do Padre, onde está sendo velado o corpo do indígena. Segundo os moradores, Edvaldo, um dos anciãos da aldeia, já vinha sendo perseguido pelos agentes que o acusava de possuir uma espingarda de cartucho de forma ilegal.
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Os policiais militares lotados na 1ª CIPM que já tinham apreendido uma espingarda de bucha “soca-soca” que pertencia ao senhor para a caça dentro da terra indígena, insistiam em acusá-lo de esconder uma arma de fogo em sua residência. Segundo a cunhada de Edvaldo que presenciou a abordagem realizada, após negar a existência da arma, o senhor teria sido agredido e levado para o “barraquinho”, um barraco no fundo do quintal, onde teria sido pressionado pelos policiais para confessar a posse da espingarda. “Antes de levá-lo para o barraquinho, o primeiro que lhe deu um tapa ameaçou: ‘Você já me denunciou. Vai me denunciar de novo?’”, disse sua cunhada, cujo nome será mantido em reserva.
Morte na viatura
De acordo com os PMs, o indígena, que era hipertenso, teria desmaiado durante o interrogatório devido a falta de remédio de pressão. Foi levado em uma viatura para a unidade de saúde da cidade, onde chegou morto. “Toda vez que o Gati entra na reserva ele faz esse trabalho fora da lei. Batendo nos indígenas quando eles querem informações. E não importa se é mulher, criança ou homem, é com brutalidade. É ação sem mandato, invasão! Não foi a primeira vez que batem em Edvaldo, e ele já tinha denunciado as agressões passadas na delegacia. E então retornaram dias depois e espancaram ele novamente,” relatou Clóvis Atikum, cacique da Aldeia.
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Na manhã da quinta-feira (16) aproximadamente 300 indígenas saíram da aldeia em protesto pelas ruas da cidade até a delegacia cobrando justiça pela morte de Edvaldo. O ato pacífico contou com cartazes, cantos, danças e com a esposa, filhos e netos do senhor. Foi entregue na unidade um abaixo assinado exigindo uma investigação eficiente sobre o caso, e o boletim de ocorrência registrado pelos policiais que interrogaram e socorreram Edvaldo. O documento oculta dados importantes do ocorrido como o nome do agressor, que foi registrado como “Desconhecido (autor/agente)”, e as agressões sofridas pelo indígena.
De acordo com o cacique da aldeia, os agentes tentaram convencer a médica da unidade de saúde a registrar a chegada de Edvaldo com vida, mas ela se negou a mentir no registro. Após a constatação da morte, o corpo foi levado para Petrolina, onde foi analisado pelo Instituto de Medicina Legal (IML), e retornou para o funeral na aldeia. O laudo do IML ainda não foi liberado. “É o terceiro indígena assassinado na reserva pela polícia. O primeiro foi há cinco anos atrás, o caso foi pra corregedoria. O segundo foi há dois anos atrás. E agora, este”, afirmou cacique Clóvis.
Os indígenas encaminharam o caso para a Fundação Nacional do Índio (Funai), em Paulo Afonso, na Bahia, e para a Secretaria de Direitos Humanos de Pernambuco, e aguardam as providências a serem tomadas. “Queremos justiça, e uma resposta rápida. Precisamos discutir essa forma de trabalho da polícia dentro do nosso território. Não somos contra a entrada da polícia na nossa terra, a polícia é pra nos proteger, mas com essa forma de abordagem, com isso nós não concordamos”, queixou-se o líder indígena.
Polícia civil se posiciona
Ao contrário das lacônicas e breves notas oficiais que é rotina, a Polícia Civil de Pernambuco se posicionou apresentando informações sobre o caso, incluindo o que está ocorrendo nos âmbito administrativo e criminal, garantindo mais informações após conclusão do caso.
A equipe da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos também foi procurada e, assim que recebermos seu posicionamento, esta reportagem será atualizada. Abaixo, segue o conteúdo integral da nota enviada pela Polícia Civil:
A Polícia Civil de Pernambuco, por meio da Delegacia de Carnaubeira da Penha, registrou morte a esclarecer ocorrida na tarde do último dia 15, na Aldeia Olho D’Água do Padre, na Zona Rural de Carnaubeira da Penha. Foi instaurado Inquérito Policial para apurar o fato, tendo sido ja realizadas diligências, incluindo oitivas de familiares da vítima, vizinhos e lideranças indígenas. Importante ressaltar que o Ministério Público de Pernambuco está acompanhando as investigações, também auxiliadas por perícias criminais, realizadas pela Polícia Científica.
Na esfera administrativa, a Corregedoria Geral da SDS instaurou Investigação Preliminar e está apurando, no local, se houve infração disciplinar por parte de policiais militares envolvidos nessa ocorrência. A Polícia Militar, através da Diretoria de Policia Judiciaria Militar (DPJM), instaurou Inquérito Policial Militar para apurar as circunstâncias em que se deu o fato. A Ouvidoria da SDS está com uma equipe presente no município e está à disposição da população para receber denúncias e informações, pelo telefone 0800.081.5001 (ligação gratuita).
Os trabalhos conduzidos no âmbito criminal e também disciplinar prosseguirão dentro da legalidade, com seriedade e imparcialidade, de modo a elucidar as circunstâncias do fato no menor tempo possível. Outras informações serão concedidas com a conclusão das investigações, para que não haja prejuízo às diligências em curso.
Reportagem originalmente publicada no portal da Marco Zero Conteúdo.