Parte de uma série de mais de 500 atos contra o governo Bolsonaro, o ato na capital paulista, neste sábado (24/7), terminou com pessoas presas e dispersada com bombas após um PM ser empurrado e vidraças de banco e ponto de ônibus serem quebradas
O quarto ato pelo impeachment do presidente Jair Bolsonaro terminou com ao menos 10 detidos pela Polícia Militar no centro da cidade de São Paulo, neste sábado (24/7). De acordo com a Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP, foram três na Rua da Consolação e sete nas imediações da Avenida Paulista, local em que o protesto tinha como ponto de concentração.
O ato de sábado, 24 de julho, foi parte de centenas feitos no Brasil e no mundo, em protesto à administração Jair Bolsonaro. De acordo com o Núcleo Luciano Pera, foram 506 manifestações em 495 cidades, em 18 países. As mais recentes manifestações de uma sequência iniciada em 13 de maio, no protesto contra a chacina do Jacarezinho, e cujo havia sido em 13 de julho.
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As manifestações aconteceram na mesma semana em que reportagem do Estado de São Paulo ter afiramdo que o ministro da defesa do Brasil, general Walter Braga Netto, enviou um emissário ao presidente da Câmara, Arthur Lira afirmando que não haverá eleições em 2022 se não for aprovado o voto impresso. Uma ameaça de golpe de Estado.
O começo do ato
A reportagem da Ponte esteve presente na manifestação iniciada às 16h na Avenida Paulista, em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), por volta das 15h.
Na concentração, a publicitária Karine Ferreira, de 34 anos, trouxe um cartaz mencionando a morte de sua mãe e avó. O dia da manifestação foi o mesmo do aniversário de sua mão, que faleceu em março.
“É um absurdo o que está acontecendo, o descaso do governo, a negociação de vacinas por um 1 dólar [de propina]”, afirma à reportagem da Ponte. Emocionada, ela continua: “A gente não pode deixar isso (…) 500 mil famílias perderam também seus entes queridos por causa de propina. É inaceitável!”.
O manifestante David de Oliveira, 29 anos, veio com um cartaz da Coalizão Evangélica contra Bolsonaro. David é um comunicador social, gay, portador de HIV, que perdeu alguns amigos para a Covid-19, “por conta da negligência”.
“Estamos aqui pela falta de representatividade”, afirma. “Bolsonaro está sujando o nome de Deus. Ele está tendo um discurso num país que é dito como laico, impondo, mais uma vez colonizando as pessoas de religião de matriz africana e outras religiões. Nós, evangélicos, não viemos para isso. Viemos para pregar o amor e a justiça. Temos sede e fome de justiça! Bolsonaro tem usado os meios de comunicação para impor uma ideologia [aos evangélicos] que visa ao genocídio da população preta periférica e LGBT. Nós não apoiamos isso. Não nos sentimos representados. Ele não nos representa. Ele não!”
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Às 16h50, a manifestação já se movimentava rumo à Praça Roosevelt.
Prisões iniciais
Durante a tarde, a PM postou em seu Twitter que cinco pessoas foram detidas com “materiais proibidos” por policiais da Rocam na Rua da Consolação e uma outra pessoa detida com soco inglês na Avenida Paulista pelo 7 BAEP.
Os materiais, conforme boletim de ocorrência, são panfletos, garrafa de vinagre, pilhas, frascos de magnésio, luvas, óculos de proteção, álcool em gel, megafone, sinalizadores e fogos de artifício. Os cinco jovens, todos negros, de cerca de 20 anos e uma adolescente de 15 anos disseram à Ponte que estavam à caminho do ato, por volta das 16, quando os policiais o abordaram. “Vieram apontando arma, xingando a gente de tudo quanto é nome e que iam levar para a delegacia”, disse um deles.
Nesse momento, um professor italiano de 40 anos decidiu questionar a abordagem. “Eu perguntei por que estavam algemando uma menina e por que estavam abordando e me levaram junto”, conta o homem, que também pede para não ser identificado. “Foram violentos, amontoaram três de nós no porta-malas da viatura, pararam na Rua Augusta, tiraram a gente, colocaram de novo, e depois trouxeram para cá [pro DP]”.
Os policiais Fernando de Andrade Barbosa e Adriano de Jesus Pinheiro Rodrigues que apresentaram a ocorrência ao 78 DP (Jardins) sobre a apreensão dos objetos. Não há crime ou infração que os seis tenham cometido e, na delegacia, também foi registrada apenas a apreensão.
A Ponte não conseguiu obter informações sobre a pessoa que estaria com soco inglês. Mas ela foi liberada da delegacia ainda durante a tarde.
A manifestação havia sido marcada com concentração no Masp (Museu de Arte de São Paulo), percorreria a Rua da Consolação com encerramento na Praça Roosevelt.
Argumento ilegal
Por volta das 17h, a reportagem acompanhou uma abordagem contra um grupo de cinco jovens que estavam com martelo, spray de tinta e canivete. O terceiro sargento Thiago disse que os materiais eram proibidos e que estavam recolhendo também objetos inflamáveis. O grupo foi liberado quando um deles resolveu fornecer identificação para que os objetos fossem recolhidos após 30 dias no batalhão. “Quem não quiser se identificar, vai ser levado ao DP”, disse. A Comissão de Direitos Humanos da OAB disse à Ponte que a pessoa não pode se recusar de fornecer identificação como o RG ao ser abordada, mas não pode ser detida para averiguação.
Pouco depois das 18h, na ponta de trás do protesto, quando já seguia por uma das vias da Rua da Consolação, manifestantes jogaram pedras e garrafas de vidro e quebraram vidraças do banco Itaú.
Tentaram fazer o mesmo na fachada da concessionária Hyundai, mas o local estava fechado com tapumes de metal. Mais à frente, um homem vestido de preto passou a quebrar o vidro de um ponto de ônibus. Policiais passaram a se deslocar até ele.
A Ponte viu que pelo menos um PM foi empurrado pelas costas por um rapaz vestido de preto, que não sabemos se é o mesmo, e se desequilibrou.
Em seguida, a Tropa de Choque passou a jogar muitas bombas de gás lacrimogêneo e efeito moral.
Várias pessoas assustadas se refugiaram na sede do Corpo de Bombeiros, que estava com as grades abertas no momento. Houve correria e também tinha gente tentando apaziguar.
A reportagem avistou dois homens, um negro e um branco, serem agredidos com golpes de cassetete e contidos por pelo menos três policiais cada um. O homem branco, que vestia camisa branca, gritava no porta-malas da viatura que não tinha feito nada. O outro, negro, também dizia que não fez nada.
A Ponte tentou questionar diversas vezes os policiais sobre o motivo da abordagem, que gritavam e empurravam para a imprensa se afastar. Um coronel disse que eles foram detidos por agredir um policial e jogar garrafa contra eles.
Logo depois, uma jovem de 24 anos foi encurralada por diversos policiais na esquina das ruas da Consolação e Ouro Preto. A Ponte viu o momento em que ela era revistada, tendo consigo uma pedra no bolso, itens de primeiros socorros, um escudo, uma bandeira. Manifestantes no local gritavam “libera ela” enquanto outros cantavam “não acabou, tem que acabar, eu quero fim da Polícia Militar”.
Em seguida, ela foi levada para próximo da entrada do metrô Higienópolis-Mackenzie. Luzia Cantal, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, tentava negociar a liberação dela, mas os policiais não permitiam e a levaram para o 78 DP.
A manifestação se dispersou por volta desse horário. A reportagem da Ponte prosseguiu ao 78 DP e conseguiu conversar com a manifestante detida. Ela afirmou ser estudante universitária, de 24 anos, e que estava saindo do ato, indo para casa, e não que não tem nenhuma relação com a ação contra a agência bancária. “Eu tinha uma pedra no bolso, mas não quebrei nada, estava indo para casa“, conta. “Os policiais disseram que era ilegal eu estar com a pedra”. Até a publicação desta matéria, a jovem ainda estava no DP, sendo representada pela Defensoria Pública.
Os cinco jovens e o professor italiano foram liberados ainda na noite de sábado (24/7). À Ponte, a Defensoria Pública atualizou, pela manhã seguinte, que todos os detidos haviam sido liberados, mas não deu maiores detalhes se os dois rapazes, um branco e um negro, foram autuados por alguma infração ou sofreram lesões*.
O que diz a polícia
A reportagem questionou as abordagens, as detenções e orientações a respeito de apreensão de objetos bem como questionou sobre a atuação no protesto e sobre o policial empurrado. A Secretaria da Segurança Pública encaminhou a seguinte nota**:
A Polícia Militar do Estado de São Paulo montou um esquema especial de policiamento para as manifestações deste sábado (24), na Avenida Paulista. O efetivo foi reforçado com cerca de 800 policiais militares a fim de proteger as pessoas, preservar patrimônios e garantir a fluidez no trânsito, o direito de ir e vir, bem como o direito o de livre manifestação, que transcorreu de forma pacífica.
A concentração dos participantes teve início por volta das 15h e o policiamento, com equipes dos Comandos de Policiamento da Capital (CPC), de Trânsito (CPTran) e do Corpo de Bombeiros (CCB), além do 7º Batalhão de Ações Especiais de Polícia (Baep), 2º e 3º Batalhões de Polícia de Choque (BPChq) e do Regimento de Polícia Montada (RPMon), já estava a postos para proteger a todos. Toda a ação foi monitorada pelo sistema Olho de Águia da Polícia Militar, por meio de câmeras fixas, móveis e bodycams. O comando da corporação acompanhou toda ação do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom).
Tudo ocorreu de forma segura, correta e pacífica, conforme planejado e acordado com os organizadores durante a reunião prévia realizada na última quarta-feira (21). Exceção feita a um grupo de vândalos que próximo ao final do ato, durante o deslocamento do grupo pela rua da Consolação, quebrou vidros de uma agência bancária, um ponto de ônibus e tentou depredar outro estabelecimento comercial, além de arremessar objetos contra os agentes, que intervieram e restabeleceram a ordem. Doze pessoas portando objetos, como soco inglês, fogos de artifício, drones, pedras e bastões, foram encaminhas ao 78º DP, onde as ocorrências foram registradas. Todas foram liberadas após serem ouvidas.
*Reportagem atualizada às 11h38, de 25/07/2021.
**Inclusão de nota da SSP às 14h02, de 25/07/2021
Correções
*Reportagem atualizada às 11h38, de 25/07/2021. **Inclusão de nota da SSP às 14h02, de 25/07/2021