Após assassinato de PMs, 8 ciganos da mesma família são mortos e moradores denunciam invasões de casas

Soldado Robson Brito e tenente Luciano Neves foram executados a tiros em Vitória da Conquista (BA), em 13 de julho; entidades denunciam “caçada” contra ciganos e pedem apuração de violações contra moradores e mortes

Fogo foi ateado em carros e barracas da família Silva Matos após as mortes dos policiais militares no povoado/distrito de José Gonçalves, em Vitória da Conquista (BA) | Fotos: Reprodução / Redes sociais

Maria* conta que não dorme há mais de 15 dias e que está à base de remédios. Quando me atendeu, por telefone, colocou a chamada em espera por alguns minutos e voltou chorando. “No Brasil, não existe pena de morte, por que estão matando e não prendendo?”, perguntava. Ela, que é filha de ciganos, tinha acabado de saber que mais três haviam sido mortos em ação da Polícia Militar da Bahia, no dia 28 de julho. Ainda naquela tarde, imagens dos corpos dos irmãos Solon, Marlon e Bruno da Silva Matos, amontoados um do lado do outro numa sala de azulejo branca, eram registrados por um homem que mostrava as marcas de tiro e manuseava um dos braços do corpo de um deles para mostrar os ferimentos. “Foi pouco para essa desgraça, tudo ruim, olha aqui a testa, a ponto 40 furou bonito”, comemorava o homem ao aproximar o aparelho para um rosto de outro. “Foi tarde, vagabundo”, prosseguia. A Ponte teve acesso, mas não vai reproduzir os vídeos com os corpos.

Até esta segunda-feira (2/8), oito ciganos da mesma família haviam sido mortos após os assassinatos do soldado Robson Brito de Matos, 30, e do tenente Luciano Libarino Neves, 34, em 13 de julho, no município de Vitória da Conquista (BA). Ambos eram lotados na 92ª CIPM Rural (Companhia Independente de Polícia Militar) e estavam atuando à paisana como P2, policiais que são credenciados no Comando de Operações de Inteligência da corporação e fazem investigações. Desde então, moradores de origem cigana têm denunciado ações abusivas da PM baiana na cidade.

Soldado Robson Brito de Matos e Tenente Luciano Libarino Neves foram assassinados em 13 de julho em Vitória da Conquista | Fotos: arquivo pessoal

Maria* é uma dessas. “Apareceram aqui 1h da manhã batendo na porta e eu deixei entrar porque estava com medo, tinha umas 10 viaturas na rua com giroflex ligado, reviraram tudo e perguntavam se tinha sobrenome Matos”, afirma. “Se eu pudesse, eu ia embora de Vitória da Conquista porque se um fez coisa errada, os outros não são culpados, não é porque é cigano que é tudo parente”, denuncia.

A Polícia Civil qualificou pelo menos 11 integrantes da mesma família como suspeitos de participarem dos assassinatos dos dois PMs. De acordo com um ofício da 92ª CIPM que a Ponte que teve acesso, o tenente e o soldado estavam numa viatura descaracterizada no distrito de José Gonçalves para obter informações sobre um grupo de ciganos que teria recém-chegado à cidade e teria invadido um loteamento, construído barracos, e que membros dessa comunidade portavam armas e praticavam crime de receptação.

Segundo a Polícia Civil, a dupla foi até um estabelecimento comercial a procura de um homem, dono do local, para saber a localização do acampamento dos ciganos, mas ele não se encontrava. Em seguida, Robson fez uma chamada de áudio pelo WhatsApp para este homem solicitando a informação. A conversa foi ouvida pela sobrinha do proprietário e que, após a saída dos policiais, teria enviado uma mensagem de voz a Morais da Silva Matos, 13, avisando que dois homens em um carro branco estavam procurando o acampamento deles. Ela trabalhava em uma loja com a mãe de Morais e disse em depoimento já se relacionado com um dos irmãos dele, Lindomar, e que não sabia que a dupla era de policiais e que não viu armas com eles. O proprietário disse à polícia que forneceu o endereço e, quando retornou à sua loja, ficou sabendo do tiroteio.

A Ponte censurou o nome do homem que o soldado Robson tentou ligar por segurança | Foto: reprodução do inquérito da Polícia Civil

O adolescente confirmou em depoimento à Polícia Civil, no dia 13 de julho, que recebeu esse áudio e que estava em um barraco com o pai Rodrigo da Silva Matos e os irmãos Diogo, Marlon, Bruno e Dalvan e mostrou a mensagem a ele. Morais disse que o pai e os irmãos Diogo, Bruno e Marlon saíram ao encontro dos dois homens. O menino ficou no acampamento e disse que ouviu alguns disparos de arma de fogo, tendo visto Rodrigo ferido no braço retornando para casa. No depoimento, não há informação se sabiam ou não que a dupla era de PMs. Bruno, Dalvan e Diogo socorreram o pai em um veículo Gol branco, segundo Morais, que também disse saber que Diogo tinha um revólver e o pai é dono de um Cross Fox preto. Também declarou que os irmãos Arlan e Charles, que até o dia 13 de julho tinha 17 anos, estavam em um Fox.

A esposa de Rodrigo, com quem tem 12 filhos, e é mãe dos rapazes, disse que estava no mato fazendo necessidades fisiológicas, porque o acampamento não tem banheiro, quando ouviu barulho de tiros e viu o marido sangrando dentro do Gol. Uma de suas noras, esposa de Dalvan, pediu que o cunhado Charles, que estava em casa e não teria visto o que aconteceu, levasse Rodrigo para o Hospital de Base no Gol.

Morais foi baleado no dia seguinte, quando estava com a mãe em uma farmácia na cidade, na Avenida Crescêncio Silveira, no centro do município, não resistindo aos ferimentos dois dias depois. Nas imagens de câmera de segurança do estabelecimento, um atirador com a cabeça coberta por capacete e jaqueta preta aparece com uma arma em mãos faz os disparos. Ele estaria em uma moto junto com outro homem. O adolescente foi atingido na cabeça. No dia 26 de julho, a Defensoria Pública da Bahia retirou cinco mulheres e sete crianças da família de Vitória da Conquista e pediu a inclusão delas no Provita (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas), do governo federal, após receber denúncias de perseguição pela ouvidoria do órgão.

Momento em que atirador entra na farmácia, em 14/7/2021 | Foto: reprodução.

De acordo com a Polícia Civil, antes de Luciano e Robson chegarem ao acampamento, teriam sido emboscados por dois veículos, um Renault Sandero prata e um VW Gol branco, que fizeram disparos contra eles pelas costas. Uma testemunha disse à polícia que estava dentro de casa e, por volta das 11h30, viu três carros do lado de fora e um barulho de discussão, mas não conseguiu entender o que falavam, e que depois ouviu um estampido de arma de fogo e procurou se esconder. Os tiros, segundo ela, teriam durado cinco minutos. Depois, quando dois dos três veículos tinham deixado o local, soube por populares que as vítimas eram policiais e que “ouviu dizer” que os suspeitos eram ciganos.

Os policiais estavam com pistolas Taurus .40, além de quatro carregadores e 49 munições. Os dois morreram por traumatismo craniano. Segundo os laudos necroscópicos, Robson foi atingido por quatro tiros, sendo um na coxa direita e três na cabeça enquanto Luciano foi baleado com pelo menos 10 tiros, seis deles entre cabeça e pescoço, e também foi baleado no quadril, antebraço esquerdo, coxa esquerda e dedos da mão direita. Os peritos ainda teriam encontrado diversas cápsulas .40, calibre de uso restrito da PM, próximos aos corpos dos policiais, o que indicaria que os atiradores também usaram as armas dos policiais para atingí-los.

O Comando de Policiamento do Sudoeste, que engloba a 92ª CIPM, emitiu nota de pesar na ocasião declarando que os policiais eram “profissionais dedicados e de condutas ilibadas”. Luciano estava na corporação desde 2009, era casado e deixou um filho. Robson havia ingressado em 2018, também era casado e deixou duas filhas pequenas. A reportagem tentou contatar as famílias por redes sociais, mas não teve resposta. Uma tia do soldado fez uma postagem lamentando a perda. “E a você meu amor, tia ama eternamente e jamais esquecerei o quão incrível você era. Seguiremos aqui ajudando a realizar o que você tanto sonhava, vê (sic) suas filhas bem e felizes. Ajudaremos a cuidar delas como se fosse você”, escreveu.

O veículo Sandero foi encontrado abandonado na Rodovia BR 116, pertenceria a Bruno e estava com o pneu esquerdo dianteiro estourado, por ter sido atingido por um disparo que teria sido efetuado por Luciano quando teria caído no chão. Segundo o documento, debaixo do banco do motorista foi encontrado um punhal que se encaixava com a bainha de couro que estava ao lado do corpo de Robson. A Polícia Militar encontrou o veículo antes da chegada da perícia e informou que recolheu dentro dele dois celulares que seriam de Luciano e Robson.

O Gol branco foi localizado próximo à rodoviária da cidade e foi levado pela Polícia Militar ao Disep (Distrito Integrado De Segurança Pública), o que impossibilitou realização de perícia. O veículo, de propriedade de Dalvan, foi usado para levar Rodrigo até a UPA (Unidade de Pronto Atendimento) do Hospital de Base e tinha marcas de tiro na lateral traseira e manchas de sangue no interior. Rodrigo tinha sido atingido no braço direito e é o único da família que está preso. À polícia, ele disse que residia no local há seis meses e que havia adquirido 16 lotes no povoado para morar com a esposa, os filhos, noras e netos. Disse que estava cercando o terreno quando foi atingindo por tiro, desmaiou e não se lembra do que aconteceu e disse desconhecer os fatos quando foi confrontado com a versão de Morais e da esposa e noras. A Ponte tentou, durante três dias, falar com o advogado de Rodrigo, mas não houve resposta.

A Polícia Civil ainda informa que localizou um Santana prata nas imediações de uma pousada no bairro de Lagoa das Flores, no distrito de José Gonçalves. O carro teria sido roubado de um lava a jato por Solon e usado para transportar os irmãos quando o Sandero foi abandonado. Um funcionário do estabelecimento confirmou à polícia que ele foi ao local dizendo que o pai tinha sido baleado e pediu um veículo. Ao dizer que não tinha, Solon teria entrado no Santana e saído com o carro em alta velocidade.

Da esquerda para a direita, na primeira fileira: Dalvan, Solon, Morais e Bruno; na fileira de baixo, no mesmo sentido: Lindomar, Ramon, Arlan e Marlon. Os oito são irmãos e foram mortos | Fotos: Reprodução / Redes sociais

“Depois das mortes, começou uma verdadeira caçada atrás dos autores”, disse à Ponte um investigador que está atuando no caso e pediu para não se identificar. A Polícia Civil pediu a prisão temporária de Ramon da Silva Matos, Marlon da Silva Matos, Solon da Silva Matos, Dalvan da Silva Matos, Arlan da Silva Matos, Bruno da Silva Matos e Diogo da Silva Matos, que tem idades entre 34 e 20 anos. Os mandados foram expedidos no dia 16 de julho. Ainda na noite do crime, as equipes policiais que estavam no bairro de Lagoa das Flores ainda teriam tido a informação, que não é detalhada a procedência, de que foram vistos quatro suspeitos das execuções adentrando no matagal do Distrito Industrial dos Imborés. O relatório da Polícia Civil informa que também participaram das buscas a PM, a Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal.

Ramon da Silva Matos, segundo a polícia, foi morto por policiais militares da 78ª CIPM (Companhia Independente da Polícia Militar) de Vitória da Conquista, que alegaram estar em buscas dos suspeitos quando, por volta das 17h do mesmo dia do crime, viram três indivíduos na região de Lagoa das Flores e que foram recebidos a tiros. Não há informação de quais policiais participaram dessa ação, segundo o relatório da Polícia Civil, e informam que Ramon foi atingido e socorrido ao Hospital Geral de Vitória da Conquista, mas não teria resistido. Com ele, teria sido apreendido um revólver calibre 38.

No dia seguinte, na cidade de Itiruçu, policiais militares da CIPE Central (Companhia Independente de Policiamento Especializado) do município vizinho de Jequié, e da 93ª CIPM informaram que avistaram um Cross Fox suspeito que tentava ultrapassar a barreira policial. Ao tentarem abordá-lo, disseram que o carro fugiu e passou a disparar contra eles. Os PMs, que também não são identificados no relatório, disseram que revidaram e atingiram Arlan e Dalvan, que morreram. Com eles, estariam um revólver calibre 38 e um revólver calibre 32. O relatório da Polícia Civil termina apenas apontando essas mortes até 15 de julho, mas outras ocorreram depois.

Instituto Cigano do Brasil denuncia tortura

Tanto o investigador que conversou com a Ponte quanto a assessoria da Polícia Civil disseram que a arma do tenente Luciano foi encontrada no dia 22 de julho, “após a PM receber denúncia de que a mesma estava em um terreno baldio, no distrito de José Gonçalves em Conquista”, sem maiores detalhes sobre como foi encontrada.

À reportagem, o presidente do ICB (Instituto Cigano do Brasil) Rogerio Ribeiro disse que a entidade está monitorando uma idosa de 82 anos e três adolescentes com idades de 15 a 17 anos, que seriam parentes dos suspeitos e denunciam ter sofrido tortura. “No dia do crime, o Arlan e o Dalvan bateram na porta dessa senhora, entregaram uma arma para ela guardar e ela assustada guardou a arma num pé de banana”, conta. “Com a movimentação, os vizinhos disseram que tinha essa movimentação na casa dela, os policiais chegaram lá por volta das 14h, entraram na casa e começaram a fazer perguntas e ameaçar eles”, prossegue. “Um adolescente falou da arma e eles [policiais] começaram a bater e eles explicaram que não tinha nada a ver, foi recolhida essa arma e começou a sessão de tortura”, denuncia.

A Ponte pediu para entrevistar os quatro, mas Ribeiro diz que estão receosos e que foram levados a outra cidade. Ele disse que relataram a ele que a menina de 15 anos teve o cabelo parcialmente cortado com canivete, a agrediram com socos, a idosa apanhou na mão com palmatória e também teria recebido soco, os meninos foram golpeados com cassetete nas costas e nos pés e tentaram dar água sanitária para beberem. Após as agressões, os policiais teriam dado duas horas para a família sair da cidade. “Eles pegaram roupas, colocaram numa sacola, conseguiram arrumar um carro para levar para outro município e fizemos uma articulação para retirar eles de lá”, diz ele, que ficou quatro dias em Vitória da Conquista após a instituição receber denúncias de abusos por moradores de origem cigana.

Instituto Cigano do Brasil diz que está monitorando uma idosa e três adolescentes que teriam sofrido tortura | Fotos: arquivo pessoal

A Ponte questionou a Defensoria Pública se havia tido conhecimento dessas denúncias e a assessoria do órgão negou, informando que está atuando apenas no caso das cinco mulheres e sete crianças para as quais havia conseguido abrigo provisório. Pedimos entrevista com as defensoras que estão acompanhando a família, que se recusaram a falar com a reportagem.

Diversas entidades ciganas, pesquisadores e ativistas haviam emitido uma nota conjunta no dia 15 de julho solicitando providências das autoridades e denunciam que “vários carros de famílias ciganas foram queimados e casas invadidas e queimadas também, sem autorização judicial” e que ao menos 15 pessoas teriam sido baleadas. “No Brasil não existe pena de morte. Uma comunidade inteira sofrer e morrer por atos cometidos que devem ser encaminhados para as instâncias jurídicas, evidencia a violência, o despreparo e as injustiças cometidas pela polícia militar na Bahia. Assim, exigimos que todos os órgãos públicos e de direitos humanos interfiram imediatamente nessa situação, garantindo o direito à vida de todos os ciganos que moram em Vitória da Conquista e cidades do Estado da Bahia”, diz trecho do texto. A Ponte questionou sobre os baleados, mas nem a Polícia Civil nem a PM responderam sobre essa questão.

De acordo com Rogerio Ribeiro, há pelo menos três etnias ciganas vivendo no Brasil: Calon, os Rom e os Sinti. A maioria das famílias que vivem em Vitória da Conquista são Calon. O dado mais recente do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) é de 2011, quando foram identificados 291 acampamentos reconhecidamente ciganos. A Bahia seria o segundo estado com o maior número: 53. Os documentos da investigação que a Ponte teve acesso não informam a etnia da família Silva Matos. Segundo Rogério, são da etnia Calon, a mais comum no município, e disse que ao menos cinco famílias que moram na região denunciaram invasão de moradias. Algumas saíram da cidade com medo.

Algumas postagens atribuídas a policiais militares circularam como possíveis ameaças aos moradores e comemoração pelas mortes. Nos perfis em redes sociais dos homens mortos da família Silva Matos também haviam comentários nas fotos como “raça desgraçada” e “CPF cancelado” – uma alusão a execução.

Peto é em referência ao Pelotão de Emprego Tático Operacional da PM da Bahia. Perfis não são considerados oficiais pela PMBA

No dia 26 de julho, o promotor José Junseira Almeida de Oliveira ofereceu denúncia por homicídio qualificado, corrupção de menores e associação criminosa contra Rodrigo e os filhos Diogo, Solon, Marlon e Bruno. Ele também pediu a prisão preventiva deles (por tempo indeterminado), que ainda não teve decisão da Justiça.

No dia 28 de julho a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública publicou sobre a localização de três ciganos suspeitos e que foram mortos em ação da Polícia Militar, no município baiano de Anagé. Depois, eles foram identificados como Solon, Marlon e Bruno. A nota diz que eles foram encontrados “às margens do rio Gavião, após uma denúncia anônima relatando a presença de homens armados” e que um quarto teria fugido. O texto diz que policiais da 79ª CIPM e da Delegacia Territorial foram “atacados a tiros” e que o trio ficou ferido, foi socorrido ao hospital da cidade, mas não resistiu. O texto diz que a arma do tenente Luciano foi encontrada com eles, apesar da Polícia Civil ter dito que foi localizada em 22 de julho. A assessoria da pasta corrigiu a informação e alegou que a arma do soldado Robson que foi posteriormente encontrada no dia 28.

Sobre o vídeo em que um homem aparece manuseando os corpos e celebrando as mortes, o órgão disse que “imagens estão sendo analisadas e o hospital foi oficiado para apresentar funcionários que tiveram acesso aos corpos” e que um inquérito foi aberto pela delegacia local para apurar o caso.

Dois dias depois, Lindomar da Silva Matos, 16, foi morto também em Anagé sob a mesma narrativa. De acordo com a nota da secretaria, ele foi morto por policiais da CIPE Central e da 79ª CIPM, e que estava armado com um revólver calibre 38, tinha munições e uma peixeira e “tentava invadir residências, quando foi denunciado por moradores da localidade de Lagoa Grande”.

Dos irmãos, Diogo da Silva Matos, 34, e Charles da Silva Matos, 18, não foram localizados. O mandado de prisão contra Diogo continua em aberto e não há mandado contra Charles, conforme consulta ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Diogo chegou a ser confundido com Marlon e alguns portais locais divulgaram que ele e não o irmão havia morrido em ação da polícia em 28 de julho. A Ponte confirmou a informação com a assessoria da Polícia Civil.

Com isso, são oito ciganos da mesma família mortos em pouco mais de 15 dias. Além dessas, outras mortes ocorreram em Vitória da Conquista. No dia 18 de julho, de acordo com o G1, o corpo do empresário Diego Santos Sousa, 39, foi encontrado carbonizado dentro do próprio carro no povoado de Boa Sorte, no sudoeste da cidade.

Outra morte que teria ocorrido ainda no dia 13 de julho foi do adolescente Adenilson Almeida de Oliveira, 15, que, segundo o depoimento de uma adolescente à polícia, ela ficou sabendo que ele teria tido a casa invadida e foi assassinado a tiros e a mãe dele foi baleada. A Ponte não conseguiu localizá-la nem familiares. A assessoria da Polícia Civil disse que as duas mortes estão sendo investigadas e que os dois não tinham relação com os ciganos.

No domingo (1/8), a Comissão Arns emitiu uma nota declarando que enviou ofício ao governador Rui Costa (PT) solicitando apuração das mortes. “Destaca-se, embora óbvio, que os membros das comunidades ciganas devem ter garantidos os direitos fundamentais, como de resto a qualquer do povo, ainda que sobre alguém deles possa pender a acusação de cometimento de algum crime, devendo ser repudiada e responsabilizada toda e qualquer forma de execução sumária”, enfatizou.

Ajude a Ponte!

Rogério disse que encaminhou ofícios ao Ministério Público, Defensoria Pública e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) a fim de que as mortes sejam apuradas e que as vidas de ciganos sejam preservadas. “Nós não podemos ser mortos por quem somos, não é porque um cometeu um crime que todos têm que ser penalizados”, lamenta. Ele afirmou que os moradores não formalizaram denúncias em delegacia ou Corregedoria da PM por medo de represálias. A Defensoria Pública da União disse, por telefone, que encaminhou as solicitações ao órgão estadual por não ter competência para atuar no caso.

O que diz a PM

A Ponte questionou a respeito da atuação dos policiais, do setor de inteligência, sobre as mortes ocorridas e as postagens em redes sociais atribuídas a PMs com tom de ameaça e celebração. A assessoria do órgão disse que Luciano e Robson estavam lotados na 92ª CIPM desde 2019, responsável pelo patrulhamento rural em Vitória da Conquista e que atuavam no setor de inteligência, mas sem dar maiores detalhes.

Sobre todas as ocorrências, declarou que ocorreram em confronto e que os baleados foram socorridos, mas não resistiram e que as armas dos PMs foram encontradas com “os suspeitos que reagiram à ação da PM”.

“Salientamos que a Corporação não coaduna com desvios de conduta e realiza a apuração de todas as denúncias que são formalizadas através da Corregedoria e da Ouvidoria da Instituição”, declarou.

O que diz a Polícia Civil

A pasta disse que as mortes estão sendo investigadas pela Delegacia de Homicídios e que “uma das armas, uma pistola que era utilizada pelo tenente Neves, foi localizada na última quinta-feira (22), após a PM receber denúncia de que a mesma estava em um terreno baldio, no distrito de José Gonçalves em Conquista. A outra arma foi localizada com os resistentes, na quarta-feira (28)”.

Também declarou que “não há registro de ocorrência referente a supostas invasões de casas. Sobre a denúncia de entidades, os supostos fatos não foram registrados”.

A reportagem também questionou se o órgão tinha conhecimento da atuação dos PMs como P2 no município, mas não recebeu resposta.

O que diz o Ministério Público

A Ponte procurou a assessoria do órgão a respeito do caso, mas não teve resposta até a publicação.

O que diz o governo federal

A reportagem questionou a assessoria do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, uma vez que o secretário nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Paulo Roberto, esteve no município em 19 de julho, e a pasta é responsável pelo Provita. A assessoria disse que em relação ao programa de proteção, cabe à coordenação do estado e encaminhou a seguinte nota:

Cabe esclarecer que comitiva do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos esteve em Vitória da Conquista, nos dias 19 e 20 de julho, no intuito de verificar o ocorrido. A equipe do ministério foi recebida pela prefeita Sheila Lemos Andrade, que apresentou um relatório por escrito de todas as providências tomadas diante da fatalidade ocorrida no dia 13 de julho. Também foi informado que a Assistência Social do município fez o acolhimento das mães, esposas e filhos dos suspeitos de envolvimento no caso, levando-os a um local seguro.

A Polícia Militar também apresentou relatório por escrito sobre a atuação da corporação no caso. A Defensoria Pública e o Ministério Público receberam, ainda, a delegação do MMFDH.

Pode-se verificar, portanto, que o poder público local está atuando detidamente em relação ao caso, inclusive por meio de inquérito da Polícia Civil e uma ocorrência registrada como auto de resistência pela Polícia Militar.

É importante frisar que não houve denúncia formal a este Ministério. Entretanto, o órgão cumpriu o seu papel na averiguação do trabalho dos órgãos públicos competentes.

A equipe do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, assim como toda a sociedade de Vitória da Conquista, aguarda o desfecho das investigações

O que diz o governo da Bahia

A Ponte questionou a Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social sobre o Provita e a assessoria do governador Rui Costa (PT) em relação às denúncias de violações e o caso. Até a publicação, não houve resposta.

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada que teme represálias.

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