Sargento se aposentou pouco depois de crime do qual é acusado de ser o mandante da morte de 3 vizinhos. Juiz afirmou que ele teve proteção de outros policiais para fugir
Durante anos, o sargento da Polícia Militar do Estado de São Paulo José Aparecido Ferreira, 58 anos, fez parte da corregedoria (órgão fiscalizador) da corporação. Era P2, como são chamados no jargão policial os PMs que, disfarçados e à paisana, têm a missão de investigar e prender outros militares suspeitos de crimes e os criminosos comuns que matam policiais.
Hoje, o sargento da PM Ferreira está em posição oposta. No jogo de gato e rato, ele está sempre um passo à frente. Usa o que aprendeu na corregedoria para escapar dela. É contra esse veterano policial que está em aberto o mandado de prisão mais antigo à espera de cumprimento por parte da mesma Corregedoria da PM que ele integrou durante 9 anos.
Ferreira tem prisão preventiva decretada pelo 2º Tribunal do Júri de São Paulo, em Santana (zona norte de São Paulo), por ser réu desde 2007 em um processo no qual é acusado de participar como mandante de uma chacina contra 3 vizinhos: mãe, filha e o namorado da jovem. Outras 4 pessoas – 2 amigos e 2 filhas do sargento Ferreira – também foram acusadas pelo crime.
Ao decretar a prisão do sargento Ferreira, o juiz Rogério de Toledo Pierri afirmou que o militar recebeu proteção dos colegas de corporação para fugir do Jardim Brasil após a chacina e também para tentar acobertar o crime.
Segundo um dos advogados do PM foragido, em 2013 ele compareceu à sede da Associação de Cabos e Soldados da PM de SP para pedir ajuda para manter sua aposentadoria. O sargento Ferreira recebe cerca de R$ 5.000 (mensais) brutos.
Crime
A dona de casa Vera Cristina Molina, 39 anos, a estudante e vendedora Thamirys Molina Keid, 19, filha de Vera, e o noivo da garota, Rafael da Rocha e Silva, 22, foram mortos a tiros, segundo o Ministério Público e a Polícia Civil, por conta de uma briga com familiares do sargento Ferreira. Horas antes da chacina, Vera, motorista de carteira nova, manobrava seu carro para guardar na garagem de casa quando o veículo deu um solavanco e assustou uma das filhas do PM, que passava na rua onde as famílias viviam naquele momento.
A prisão do sargento Ferreira, conhecido como “Banana” nas ruas da zona norte de São Paulo, é considerada questão de honra entre os policiais do P2 da PM de São Paulo. Foragido desde julho de 2007, quando pediu para ser reformado (aposentado) da PM, o sargento vive hoje com um salário bruto mensal de R$ 5.086,58, pago pela SPPrev (São Paulo Previdência), órgão previdenciário do Estado de São Paulo, e com o dinheiro resultante da venda da casa onde morava com a família até ser acusado da morte dos vizinhos.
Apesar da gravidade dos crimes atribuídos ao sargento Ferreira pela Promotoria e DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil, não há menção ao militar na página de procurados da polícia paulista. Nas quase 3 mil páginas do processo pela chacina da qual é acusado, existe apenas uma fotografia do sargento Ferreira.
Quando determinou a suspensão do pagamento da aposentadoria ao sargento Ferreira, em junho de 2012, o juiz Alexandre Andreta dos Santos, do 2º Tribunal do Júri, escreveu: “Criou-se um paradoxo. O Estado que está à procura do réu no intuito de fazer cumprir a ordem de prisão [preventiva] e a citação [sobre o processo pelas três mortes], agora está financiando sua fuga por meio do benefício da aposentadoria. Para resolvê-lo, deve-se sopesar quais dos direitos em análise devem ceder, isto é, a eficácia do processo e da ordem judicial, ou o direito ao benefício do INSS [Instituto Nacional do Seguro Social]”.
A suspensão do pagamento do benefício de Ferreira aconteceu, efetivamente, pela primeira vez em julho de 2013, quando o coronel David Antônio Godoy, diretor de benefícios militares da SPPrev, informou que o valor seria retido em uma conta bancária da entidade previdenciária.
Apenas 2 meses após a retenção do benefício previdenciário do sargento Ferreira, a 8ª Câmara de Direito Criminal, formada por 5 desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, concedeu liminar favorável ao foragido e ele voltou a receber a aposentadoria da SPPrev.
O advogado do sargento Ferreira na questão previdenciária, Frederico Nogueira, do corpo jurídico da Associação de Cabos e Soldados da PM de SP, argumentou aos desembargadores que “a suspensão do benefício causa-lhe prejuízos imensuráveis, uma vez que é a sua única fonte de renda, bem como de sua família”, e ele voltou a receber sua aposentadoria.
A conta bancária na qual é depositada mensalmente a aposentadoria do sargento Ferreira é registrada na agência do Banco do Brasil da avenida Guilherme Cotching, na Vila Maria, zona norte paulistana. No dia 29 de setembro, o juiz Raphael Garcia Pinto, do 2º Tribunal do Júri, determinou a quebra do sigilo bancário do militar foragido e que o banco informe como ele saca seus vencimentos.
O advogado Frederico Nogueira afirmou não ter autorização para falar sobre as questões jurídicas do sargento Ferreira. Segundo ele, somente o dono do escritório para o qual trabalha e que presta serviços para a Associação de Cabos e Soldados da PM de SP, o também advogado Ronaldo Tovani, poderia se manifestar sobre a questão previdenciária de Ferreira.
‘Ano passado, ele apareceu na sede dos Cabos e Soldados’
“Um dia, no ano passado, ele [Ferreira] apareceu na Associação de Cabos e Soldados e pediu para cuidarmos da questão da suspensão da aposentadoria dele. Como não gosto do juiz nem do promotor que cuidam do caso [da chacina, no Tribunal do Júri], já que ambos são autoritários, fizemos uma petição para reverter a suspensão do pagamento do sargento. E foi isso o que aconteceu”, disse Tovani.
“Não cuidamos da questão dos homicídios. Na Associação de Cabos e Soldados não pegamos casos de homicídio em andamento. Para ele não achar que, caso venha a ser preso um dia, fomos nós que o denunciamos, nem nos preocupamos em saber onde ele vive. Apenas perguntei um endereço que ele queria declarar e mais nada”, concluiu Tovani.
José Avanildo de Lima, advogado nomeado mês passado pela Defensoria Pública para atuar na defesa do sargento Ferreira, afirmou à reportagem, na quinta-feira (9), não ter sido notificado oficialmente sobre sua designação, mas que pretende atuar no processo. “Ainda não sei nada sobre o caso. Fui informado por você agora, mas vou passar a defendê-lo assim que for intimado pelo Tribunal do Júri onde tramita o processo”, explicou Lima.
Governo de SP diz ter procurado sargento antes do fim das investigações sobre chacina
O secretário da Segurança Pública de São Paulo, Fernando Grella Vieira, informou, por meio de nota oficial emitida pela assessoria de imprensa da pasta, que “uma série de diligências foi feita pelo DHPP [departamento de homicídios, da Polícia Civil de SP] e pela Corregedoria da PM para capturar o policial, que se aposentou em julho de 2007, antes da conclusão das investigações”.
O chefe das polícias da gestão de Geraldo Alckmin (PSDB) não se manifestou sobre vários outros questionamentos sobre o caso envolvendo o sargento Ferreira feitos pela reportagem. Um deles trata dos motivos que fazem com que a página na internet de procurados pela Polícia Civil paulista não tenha nenhuma informação sobre o foragido até hoje, mais de 7 anos após o crime e sua fuga.
A íntegra da nota oficial de Fernando Grella:
“O policial citado pela reportagem esta foragido é réu em processo criminal, no qual responde por homicídio. A acusação teve origem em inquérito concluído em dezembro de 2007 pelo DHPP (Departamento Estadual de Homicídio e Proteção à Pessoa). Uma série de diligências foi feita pelo DHPP e pela Corregedoria da PM para capturar o policial, que se aposentou em julho de 2007, antes da conclusão das investigações. É importante lembrar que as diligências continuam. Sobre a aposentadoria do policial, é preciso esclarecer que o benefício não pode ser suspenso nem se houver condenação definitiva pela Justiça. Isso porque o sargento contribuiu por 30 anos para fins previdenciários.”
As perguntas não respondidas por Fernando Grella:
1 – O que a Secretaria da Segurança Pública fez até hoje para prender o sargento Ferreira, considerado foragido da Justiça desde junho de 2007?
2 – O que a Corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo tem feito (e já fez) para cumprir o mandado de prisão contra o sargento Ferreira?
3 – Como o senhor avalia o fato de que o sargento Ferreira está foragido há mais de sete anos?
4 – Existem estratégias por parte da Secretaria da Segurança Pública de SP e da Corregedoria da PM de SP para prender o sargento Ferreira?
5 – Não prender o sargento Ferreira significa que a injustiça prevalece?
6 – À época do crime, policiais civis que o investigaram afirmaram que o sargento Ferreira contou com a proteção de outros policiais militares para tentar acobertar sua possível participação na chacina. O que o senhor pode esclarecer a respeito, por favor?
7 – Por qual motivo a fotografia e demais dados do sargento Ferreira não constam até hoje na página de procurados da Polícia Civil de SP?
8 – Como o senhor avalia o fato de que o sargento Ferreira recebe até hoje aposentadoria da SPPrev e que esse valor faz com que ele possa financiar sua fuga há mais de sete anos?
Casal planejava o casamento ao sofrer atentado a tiros
Thamirys Molina Keid, 19 anos, conversava com o noivo, Rafael da Rocha e Silva, 22, a mãe, Vera Cristina Molina, 39, e outro jovem, um estudante de fisioterapia e amigo da família que sobreviveu ao atentado, quando um Gol verde chegou à rua Crisciúma, no Jardim Brasil (zona norte de São Paulo), naquela tarde do domingo, 15 de janeiro de 2007.
O assunto era o casamento de Thamirys e Rafael, marcado para o fim do mês seguinte. Mas a discussão entre Vera e a ex-policial militar Adriana Cordeiro Ferreira, 38 anos, uma das filhas do sargento da PM de SP José Aparecido Ferreira, o Banana, ocorrida 3 horas antes da chegada do Gol Verde, também era assunto na conversa dos 4, assim como as aventuras de Thamirys na Suíça, onde havia passado uma temporada para estudar e trabalhar.
Motorista de carteira nova, Vera ainda enfrentava dificuldades para manobrar e guardar seu carro na garagem de casa quando, por volta das 14h daquele domingo, não conseguiu evitar um solavanco do veículo exatamente quando a ex-policial militar Adriana passava perto. Apesar de não ter sido atingida, Adriana, segundo testemunhas narraram à polícia, xingou Vera de “vaca” e perguntou se a dona de casa queria matá-la.
Depois da discussão entre Adriana e Vera, o sargento Ferreira, ainda segundo testemunhas, disse para Vera: “Hoje vocês vão ver o que vai acontecer. Eu vou calar a boca de vocês”.
À polícia, o vigilante Antônio Leite da Silva, 41 anos, marido de Vera e padrasto de Thamirys, disse que as confusões entre as duas famílias haviam começado 3 anos antes da chacina, quando o sargento Ferreira prometeu matar Vera. A auxiliar de enfermagem Isabelle Cordeiro Ferreira, 33 anos, outra das 4 filhas do sargento, também foi apontada como uma das que viviam provocando Vera e sua família.
Outro fato que chamou a atenção dos investigadores sobre a chacina foi uma informação dada pelo estudante de fisioterapia que sobreviveu ao atentado. Segundo ele, instantes antes dos tiros, policiais militares em motocicletas passaram pela rua Crisciúma. Da mesma maneira, foram PMs em motos os primeiros a chegar na cena do crime, onde recolheram cápsulas de munição de pistola .40, armamento padrão da Polícia Militar de São Paulo.
Quando decretou, em abril de 2008, a prisão preventiva (até um possível julgamento) do sargento Ferreira, de suas filhas Adriana e Isabelle, e também dos suspeitos de ser os executores do crime, o balconista Rogério Severino Nogueira Delphino, 39 anos, e Marcelo da Silva Ferreira, 34, o juiz do 2º Tribunal do Júri Rogério de Toledo Pierri afirmou que o militar havia recebido proteção dos colegas de corporação para fugir do Jardim Brasil após a chacina.
Assim que a notícia de que Vera, Thamirys e Rafael, todos socorridos para o Hospital São Luiz Gonzaga por PMs haviam morrido se espalhou pelo Jardim Brasil, já na noite daquele domingo da chacina, o sargento Ferreira e todos seus familiares fugiram da casa onde viviam.
Um mês após a chacina, o sargento Ferreira foi interrogado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil de SP, e declarou não ter mais armas, nem particular nem da corporação, porque havia passado por tratamento psiquiátrico na PM, em março de 2006.
O PM e suas duas filhas também disseram ao DHPP que estavam reunidos na casa da família quando a chacina aconteceu, mas a quebra do sigilo telefônico mostrou ligações entre eles nos momentos seguintes ao crime e também foi usado contra a família para acusá-la pelas mortes.
O sargento Ferreira, Adriana e Isabelle sempre negaram participação na chacina contra Vera, Thamirys e Rafael.
Presa, filha de PM cumpre pena de 45 anos
Acusada pela Polícia Civi e pelo Ministério Público como pivô da discussão que motivou a chacina contra Vera Cristina Molina, sua filha, Thamirys Molina Keid e o namorado da garota, Rafael da Rocha e Silva, a ex-policial militar Adriana Cordeiro Ferreira, 38, foi condenada a 45 anos de prisão pela chacina.
A pena de 45 anos de prisão para a ex-PM também incluiu a tentativa de homicídio contra o estudante de fisioterapia que conversava com as vítimas quando foram baleados.
Adriana sempre alegou inocência e que ela e seus familiares estavam dentro da casa do pai quando Vera, Thamirys e Rafael foram mortos a tiros. A ex-PM afirmou que cuidava da filha, com 1 ano à época do crime, e de outras duas crianças.
Na sentença condenatória da ex-PM Adriana, o juiz Alexandre Andreta dos Santos escreveu: “A consequência do crime foi a quase total dizimação da família das vítimas. Os parentes que sobreviveram somente por não estarem no local, terão que suportar, pelo resto de suas vidas, a ausência dos entes queridos que, conforme se observou na instrução [do processo] eram bem próximos”.
Atualmente, Adriana, uma das filhas do sargento da PM José Aparecido Ferreira e mulher de Walter Finati Junior, também policial militar, cumpre pena na Penitenciária Feminina de Tremembé (a 146 km de São Paulo). Na mesma prisão também está Anna Carolina Jatobá, condenada pela morte de Isabella Nardoni, 5 anos, sua enteada.
Antes de pedir para sair da Polícia Militar de SP, Adriana respondeu a 11 processos administrativos na corporação. A frase final na ficha de conduta de Adriana na PM é: “Seu comportamento é incompatível com o serviço policial militar e sua conduta demonstra-se perniciosa aos princípios basilares da hierarquia e disciplina”.
Outros 2 réus no processo pela chacina, Marcelo da Silva Ferreira, 34 anos, e o balconista Rogério Severino Nogueira Delphino, 39, conhecido como “Siri” e amigo do sargento foragido Ferreira, foram julgados pelas 3 mortes no fim de agosto deste ano.
Delphino foi condenado a 49 anos de prisão pela chacina e também pela tentativa de homicídio contra o estudante de fisioterapia. Considerado executor do crime, Delphino recorre da condenação em liberdade.
Ferreira foi absolvido pelo 2º Tribunal do Júri de São Paulo. Ele foi envolvido no crime porque testemunhas passaram à Polícia Civil as letras da placa de um carro que, mais tarde, foi apontado pelos investigadores como seu. Ele era conhecido de Delphino e do sargento Ferreira, com quem já havia jogado futebol algumas vezes.
O sargento Ferreira e sua filha Isabelle seguem foragidos.
É um absurdo dos absurdos.
Parabéns Andre pela matéria. Olha me interessei no caso e quero também acompanhar, as outras mídias não se interessam em dizer o que vcs estão colocando, já sabemos. Vou abrir procedimento aqui no CONDEPE e a comissão de Violência Policia e Letalidade que faz estes acompanhamentos e cobranças.
att. luiz carlos