Após rappers criticarem prefeito Orlando Morando (PSDB), policiais foram até suas casas investigar ‘denúncia anônima’ de que músicos iriam sequestrar tucano
Dois dias após a Justiça proibir a realização de um show de rap em São Bernardo do Campo, na Grande SP, a pedido do prefeito Orlando Morando (PSDB) e da promotora de justiça Regina Célia Damasceno, os rappers Afro-X e Bad, organizadores do evento, passaram a ser perseguidos pela polícia com base em denúncias falsas envolvendo o nome do prefeito.
A segunda edição do show “Rap Pela Paz, Natal Solidário no Calux”, deveria ter ocorrido em 16 de dezembro, mas uma decisão judicial emitida naquele mesmo dia suspendeu a realização do evento, obrigando os réus a pagarem multa de R$ 70.000 em caso de descumprimento e autorizando o uso de força policial contra os artistas. A proibição do show levou Cristian de Souza Augusto, 44 anos, o Afro-X, e outros artistas a se manifestarem nas redes sociais com críticas ao prefeito Morando.
Dois dias depois, na segunda-feira, 18 de dezembro, policiais civis do 3º DP de São Bernardo do Campo foram até a casa de Afro-X, no Jardim Calux. Sem mandado judicial, pediram para falar com o rapper, mas ele não estava em casa. Os policiais perguntaram à mãe dele se sabia de alguma denúncia contra o filho, mas ela não sabia de nada. Após muita insistência dos policiais, a mãe passou o número de telefone de Afro-X.
Um dos policiais entrou em contato, via WhatsApp, com o artista, questionando sobre a realização do show. Afro-X disse que o evento não aconteceu. “A gente estava tentando intermediar os conflitos. A comunidade revoltada, de um lado, com o cancelamento, e depois ainda mandaram um monte de viatura na minha casa”, conta X.
Na quarta-feira (20/12), os policiais civis voltaram a falar com o artista, dizendo que o caso estava passando para outra esfera, já que haviam recebido uma denúncia anônima dizendo que Afro-X e seu irmão, Cleyton de Souza Augusto, 42 anos, o Bad, estariam planejando sequestrar o prefeito. Eles pediram que os artistas fossem depor na Delegacia Anti-Sequestro de São Bernardo. “Essa situação chega a ser cômica, mas ao mesmo tempo muito séria. Eu não fui, mas meu irmão, que recebeu eles por lá, decidiu ir”, conta Afro-X.
Morando é do mesmo partido do governador Geraldo Alckmin (PSDB), que comanda as Polícias Civil e Militar do Estado de São Paulo.
Bad, acompanhado de advogados, foi até a Anti-Sequestro de São Bernardo para prestar depoimento. Chegando no lugar, descobriu que nem o delegado presente sabia da tal denúncia. “Foi tranquilo. A gente não tem que temer nada. Espero que a verdade prevaleça pois eles tão querendo arrumar problema para a gente”, diz.
Para Bad, querem “ferrar” com ele e seu irmão “por pura maldade”. “Isso que eles tão querendo fazer é colocar a gente atrás das grades sem motivo, tão querendo coagir nosso direito de manifestar”, afirma o rapper. Ele ressalta, contudo, que está disposto a colaborar com as autoridades no que for preciso. “Se existe essa denúncia, tem que ir atrás mesmo, eu e minha família estamos à disposição pra responder o que for preciso.”
“Show de rap virou crime”
Encabeçado pela frase: “O Calux tem voz”, utilizada por Bad, um protesto contra a censura ao show aconteceu no sábado (23/12), na própria comunidade do Jardim Calux. Pessoas bateram palmas em tom de ironia para o prefeito Morando criticando a proibição.
“Foi muito gratificante ver que a comunidade estava lá pra entender quais são seus diretos e também quais são os deveres. Importante também foi mostrar para o poder público que a gente estava lá pra fazer a medição de conflitos e que a comunidade precisa ser assistida com cultura, saneamento básico e lazer”, disse Bad.
Para Afro-X, da mesma forma que o Estado criminaliza o funk, quer fazer o mesmo com o rap. “Agora fazer show de rap virou crime”, diz.
Não foi o primeiro show que o prefeito Morando e a promotora Damasceno proibiram na Justiça: em 30 de novembro, a dupla conseguiu suspender o show que o músico Caetano Veloso faria em um acampamento do MTST. Sobre o show de rap no Jardim Calux, o tucano alegou que o evento não tinha “qualquer tipo de autorização da prefeitura”.
Afro-X ressalta que, sempre que acontece algum evento desse tipo, são os artistas que arcam com toda a responsabilidade. A alegação da Prefeitura de que eventuais problemas que ocorressem durante o show recairiam sobre o poder público, segundo ele, não é verdade. “Para fazer um evento assim, temos que assinar um monte de papel, para a CET, para Delegacia, Batalhão da Polícia Militar, e quando você está assinando esses papéis, está assumindo muitas responsabilidades. Sempre é a gente que assume, o Estado não assume nada”, diz.
Outro lado
Atualizado às 18h05, do dia 26/12 – A Secretaria da Segurança Pública de São Paulo enviou a seguinte nota, por meio da CDN Comunicação, assessoria privada da pasta: “A Polícia Civil de São Bernardo do Campo informa que a equipe da Delegacia Antissequestro do município esteve na casa dos artistas a partir de uma denúncia anônima, que indicava o endereço e citava o nome do rapper. O irmão dele recebeu a equipe e compareceu por meios próprios na delegacia, acompanhado do seu advogado. Ele foi ouvido e liberado. A unidade segue trabalhando para apurar essa ou qualquer outra denúncia que chegue até ela”.
Já a assessoria de imprensa da prefeitura de São Bernardo do Campo ainda não respondeu.
Atualizado às 17h37, do dia 26/12 – A foto que antes estava na reportagem e que supostamente mostrava o protesto realizado no dia 23/12, contra a proibição do show de rap no Jardim Calux, em São Bernardo, foi retirada, porque retratava outro evento.